Em 1980, fui convidado para vir ao Brasil representar o chef Paul Bocuse no restaurante Saint Honoré do hotel Méridien, no Rio de Janeiro. Houve um atraso na liberação dos documentos e me ofereceram, como alternativa, trabalhar com o Robuchon em Paris. Mas acabou que a documentação saiu e vim para o Brasil – e só vim a conhecê-lo no Rio quatro anos depois, durante uma viagem que Robuchon fez ao Brasil como parte de um prêmio de ‘chef do ano’ da revista Figaro.

Tive a oportunidade de servir um jantar para ele e seus convidados – e jamais esqueci como ele ficou surpreso com minha sobremesa de caqui. Ele contou que se assustou achando que se tratava de tomate! Naquele dia, me convidou para ir ao seu restaurante, o Jamin, na rue de Longchamp, quando eu estivesse em Paris.

E lá fomos nós, eu e Sissi, minha esposa. Após degustarmos o almoço, ele veio até o salão e me chamou para conhecer seus cozinheiros. Muito generoso, me apresentou à sua equipe com palavras que jamais ousei repetir, mas não poderia deixar de falar hoje em sua memória, em agradecimento ao grande e ímpar chef de cozinha que ele foi, marcando muitas e muitas gerações: “Senhores, eu quero lhes apresentar o missionário da cozinha francesa na América do Sul”.   Eu tinha apenas 27 anos.

Depois disso, ele aceitou o meu sous-chef como estagiário. (Acredito que foi o único brasileiro a fazer estágio com ele.)

Em 2003, após muita insistência, Robuchon aceitou meu convite para presidir o concurso Jovens Talentos do Gourmet Show, que acontecia na feira Fispal em São Paulo. Para convencê-lo, relembrei a frase com a qual ele me apresentara a sua equipe, dizendo que, se de fato ele me considerava um missionário no meu trabalho, então ele deveria aceitar o meu convite, não por mim, mas para incentivar os jovens brasileiros que despertavam e enxergavam naquele momento a importância da profissão de cozinheiro no Brasil.

Ele me ligou dizendo que aceitaria o convite se eu providenciasse uma passagem de primeira classe dos EUA para o Brasil, pois ele estava chegando do Japão. O dono da Fispal não acreditou quando soube que Robuchon havia aceitado o convite sem pedir qualquer compensação financeira.  Isso era Monsieur Robuchon: ciente da importância da cozinha para a evolução do mundo moderno, e valorizando a cozinha de todos.

Sempre muito respeitoso e carinhoso, Robuchon ficará na história como o chef extremamente técnico, que acreditava e executava o respeito da herança gestual e se importava com a evolução da tecnologia.

Era de uma fidelidade ímpar, sempre envolvendo companheiros de estrada de longa data em seus projetos. Foi assim no projeto de cozinha semi industrial e industrial, junto com seu grande amigo e chef e cientista Bruno Goussault.

Poucas vezes tivemos um chef que não fazia questão de aparecer na mídia para se manter na história da cozinha mundial. Graças a sua incomparável competência, soube trabalhar para o bem de mais e mais clientes, demonstrando que havia possibilidade de comer bem democratizando propostas comerciais com execução perfeita.

Robuchon chegou a 1.200 funcionários em seus empreendimentos, totalizando 30 estrelas Michelin, sempre mantendo um padrão de excelência em todos eles.

Por essa competência inquestionável, um conhecimentos profundo das causas e dos efeitos, Robuchon é dos poucos que ficará no Panthéon da cozinha pelo legado que deixa às futuras gerações.