Quatro anos atrás, o jornalista Raul Juste Lores publicou “São Paulo nas Alturas,” um livro que conta a história do mercado imobiliário de São Paulo e de marcos arquitetônicos como o Copan, o Conjunto Nacional, o Edifício Itália, o Masp e boa parte do bairro de Higienópolis — cuja história é pouco conhecida fora do círculo dos iniciados.
Agora, Raul está usando o livro como ponto de partida para um novo canal no YouTube — um programa ao mesmo tempo agradável e educativo para o fim de semana.
O canal estreou há um mês com uma série homônima de mini docs.
Assistir a “São Paulo nas Alturas” (a série) é passear com Raul pelo Centro de São Paulo, subir ao topo do Edifício Martinelli e perambular pelo Vale do Anhangabaú acompanhado de um dos maiores conhecedores da história arquitetônica de São Paulo.
Mas em vez de ficar presa na nostalgia, o grande mérito da série é discutir o presente e o futuro da cidade. Enquanto o livro perguntava por que o mercado imobiliário de São Paulo jamais repetiu a produção de vanguarda dos anos 50 e 60, a série traz essa investigação para o presente.
No episódio mais recente, que mostra o desperdício de grandes prédios públicos e históricos, Raul toca em um nervo dolorido do debate urbanístico brasileiro: parte dos formadores de opinião do País se mobiliza prontamente contra privatizações e concessões privadas — mas não se incomoda quando os bens públicos definham décadas a fio.
O episódio mostra, por exemplo, que menos de 20% do Palácio dos Correios, no Anhangabaú, têm algum uso, depois de uma reforma milionária iniciada em 1997 e entregue em 2012.
Outras joias históricas no Centro estão ainda mais vazias, como o palacete no topo do Edifício Martinelli, que pertence à prefeitura (vazio há 10 anos); a Galeria Prestes Maia, embaixo do Viaduto do Chá, que também pertence à cidade e está sem uso desde 1996 — nem as esculturas de Brecheret conseguem espantar a melancolia do local.
A série, com direção do fotógrafo João Farkas, já chegou a seu quarto episódio.
O primeiro mostra a burocracia de mais de uma década enfrentada pelo investidor francês Alex Allard para restaurar o antigo Hospital Matarazzo, a uma quadra da Paulista, e transformá-lo em centro multiuso — com um capricho raro no mercado imobiliário e na construção civil brasileiros.
Outros episódios tratam das morosas e interrompidas obras de um parque linear que urbaniza favelas e visa despoluir a represa Billings; da antiquada legislação paulistana que verticaliza, sem adensamento populacional, e que mata muitas calçadas.
O episódio mais visto até agora, com quase 200 mil visualizações, é dedicado aos planos da concessionária privada que vai gerir o Estádio do Pacaembu nos próximos 30 anos.
Além do desafio de gerar fluxo de pessoas em uma região despovoada da cidade, a reportagem foca na
oposição dos moradores à concessão privada do Pacaembu, que há 15 anos não pode receber shows e tem cada vez menos jogos.
Paralelamente, o canal também publica entrevistas com nomes incomuns no debate urbano no país. Do único brasileiro no júri do Prêmio Pritzker (o Nobel da Arquitetura), o embaixador André Corrêa do Lago, a Ester Carro, primeira arquiteta da favela do Jardim Colombo, no Morumbi, que transformou um lixão em parque, e que está formando mulheres da comunidade para trabalharem como azulejistas, eletricistas e pintoras na construção civil.
Raul usa a série para discutir o equilíbrio necessário entre a agenda de crescimento econômico e qualidade de vida das metrópoles.
“Boa parte do debate urbano no Brasil ainda é pautado por um status quo tremendo, como se nossas cidades fossem perfeitas e não se pudesse mexer em mais nada,” Raul disse ao Brazil Journal.
Segundo ele, do conservadorismo quatrocentão à retórica da esquerda contra a iniciativa privada, “qualquer projeto leva décadas para sair do papel, se é que sai. Deveríamos ter urgência para transformar tantos e tantos bairros e áreas centrais ociosas ou caindo aos pedaços, mas parte do nosso urbanismo é refém de um ativismo político-partidário que tenta sabotar até ideias boas se não forem de seus políticos de estimação. A cidade fica em último plano.”