Até o ano passado, Marcos Seabra Salles só conseguia caminhar com a ajuda de um andador. Com uma artrose em estágio avançado, que destruiu a cartilagem das articulações de seus joelhos, o aposentado de 82 anos sofria com dores insuportáveis sempre que tentava se mexer.
Para piorar: por ter se curado há pouco de um câncer, ele foi proibido de fazer a cirurgia de prótese, a única solução definitiva para a doença. “Eu vivia à base de morfina e outros remédios muito fortes,” diz ele. “E mesmo assim continuava sentindo muita dor.”
Salles já havia perdido a esperança quando seu filho descobriu a Bright, uma healthtech brasileira que está usando a luz para tratar dores crônicas.
O aposentado entrou no ensaio clínico da startup em fevereiro do ano passado e, em apenas dois meses, deixou a sala de atendimento caminhando — para espanto e comoção de sua família.
O caso é um dos mais emblemáticos, mas não é o único.
Desde que a Bright começou seu ensaio clínico, mais de 200 pessoas já passaram pelo tratamento. Os estudos ainda não terminaram, mas os resultados preliminares apontam para uma eficácia de 93%, com a redução de oito pontos na escala visual de dor — que vai de 1 a 10.
A solução da Bright é o que ela chama de um remédio digital. O médico conecta o aparelho (veja na foto) a emissores de luz que são posicionados no local da dor. A interação da energia fotônica com as células do corpo faz com que elas produzam substâncias naturais analgésicas que aliviam as dores e inflamações.
Por trás do efeito terapêutico, o segredo é a forma como a luz é modulada para atingir as células. Em outras palavras: como a Bright calcula a dose ideal para cada paciente.
“Desenvolvemos modelos computacionais baseados em inteligência artificial que conseguem modular diversos aspectos da luz,” Reinaldo Opice, o CEO da Bright, disse ao Brazil Journal. “De acordo com o tipo de dor e as características de cada paciente o sistema calcula a dosagem adequada.”
No primeiro atendimento, o médico vai coletar informações como cor de pele, idade e índice de gordura do paciente, e jogar esses dados no sistema da Bright, que vai rodar o modelo e calcular a dosagem para aquela situação, considerando também o nível de dor no momento da aplicação. (O sistema modula desde a intensidade e frequência da luz até o pulso e comprimento da onda).
Cada sessão dura em torno de 5 a 15 minutos.
Fundada há cinco anos, a Bright nasceu da tese de doutorado do físico Marcelo Sousa. Em 2010, Sousa começou a estudar a fotobiomodulação, uma área da física que usa a luz para tentar melhorar aspectos biológicos do organismo.
No meio de seu doutorado, ele foi passar um ano em Harvard — a convite de Michael Hamblin, uma referência na fotobiomodulação — e lá conheceu alguns alunos do MIT. Quando contou sua pesquisa, eles ficaram de queixo caído. “Eles me falaram que eu havia desenvolvido um analgésico não-invasivo, sem efeitos colaterais e que isso poderia valer bilhões,” diz Sousa. “Na época, eu nem sabia o que era uma startup.”
Quando voltou ao Brasil, em 2014, terminou seu doutorado e criou a Bright. Opice, o ex-CEO da Unify (a divisão de telecom corporativo da Siemens), juntou-se ao projeto três anos depois a convite de Jorge Marinho, o outro sócio da startup e um ex-executivo do Citi e do ABN Amro.
Para transformar a tese num produto, a Bright contou com uma subvenção da Fapesp e R$ 400 mil de investidores-anjo. No ano passado, levantou mais R$ 1,5 milhão por meio de uma campanha de crowdfunding e com o fundo de venture capital Parallax.
Agora, está trabalhando numa rodada Series A para financiar o início da operação, que ainda depende da aprovação da Anvisa — o órgão tem que homologar o equipamento.
(O ensaio clínico não é uma exigência do regulador, mas a Bright decidiu fazer o estudo para coletar dados e afinar seu algoritmo de inteligência artificial).
Segundo Carlos Eduardo Pinfildi, professor da Unifesp e pesquisador da fotobiomodulação, outros grupos de pesquisadores — inclusive o dele — testam há anos o uso da luz no tratamento de dores crônicas. (O estudo da fotobiomodulação existe há mais de 50 anos).
“A grande diferença da Bright é que eles avançaram muito na questão da dosimetria, de como chegar numa dose ideal para cada paciente,” afirma. “Esse é um ponto crucial para o resultado da terapia e é algo muito difícil de se calcular.”
Opice diz que o equipamento da Bright será dado em comodato aos hospitais e clínicas. O que será vendido é a programação digital de cada dose: a Bright cobrará um valor ainda não determinado dos médicos, que vão cobrar dos pacientes um preço por cada sessão.
Hoje, a startup está em conversas avançadas com dois grandes hospitais de São Paulo e duas clínicas especializadas em artrose.
O potencial de mercado da Bright é gigantesco.
Segundo a Organização Mundial da Saúde, mais de 316 milhões de pessoas sofrem com artrose no mundo — 8,3 milhões só no Brasil. Considerando um market share de 3% e um preço de R$ 40 por dose, Opice estima um faturamento de R$ 100 milhões já no primeiro ano de operação.
O primeiro tratamento que vai chegar ao mercado é apenas para artrose, mas as aplicações são inúmeras: a Bright está testando, por exemplo, o uso da sua tecnologia no tratamento da fibromialgia e da enxaqueca crônica.
Para Salles, um dos primeiros pacientes a testar o remédio digital, a Bright foi uma luz de esperança.
“O tratamento melhorou muito minha qualidade de vida. Eu sentia dores em todos os momentos: quando estava sentado, deitado e principalmente quando andava,” diz ele. “Para andar ainda sinto, mas deitado e sentado a dor simplesmente desapareceu.”