As palavras mais belas da língua inglesa não são ‘Eu te amo,’ e sim: ‘É benigno.’
Os fundadores da Acuamark Diagnostics concordam com a piada de Woody Allen.
É nessa startup que o médico e empreendedor belga Bernard Peperstraete e o especialista em microbiologia israelense-americano Francis Barany, dono de dezenas de patentes, estão apostando pesado em um exame de sangue preventivo para detectar o câncer ainda nos estágios 1 e 2 — uma inovação que aumentaria as chances de sobrevivência dos pacientes e reduziria drasticamente o custo social e emocional da doença.
Parênteses: Por incrível que pareça, apesar dos bilhões gastos em pesquisa sobre o câncer, ainda não existe um pré-diagnóstico da doença com base em amostras sanguíneas. Só existe o sequenciamento genético NGS, que no entanto é muito caro.
“Existe uma percepção de que o câncer é uma doença cara, mas não precisa ser assim, e muito menos uma sentença de morte,” dizem os fundadores, citando o Dr. André Ilbawi, supervisor de projetos oncológicos na OMS.
Em cerca de 60% dos diagnósticos, o câncer já está nos estágios avançados — três e quatro — incluindo as metástases. Isso representa cerca de 50% de chance de sobrevivência, dependendo do tipo ou subtipo. O diagnóstico precoce pode reduzir a taxa de mortalidade pela metade e evitar gastos socialmente descabidos na gestão da doença.
Com sede em Nova York, a Acuamark está no mercado em sua quarta rodada de capital, uma Série A. Na mais recente, em 2019, a empresa foi avaliada em US$ 22,5 milhões.
Há pouco mais de um ano, tornou-se uma ‘empresa residente’ da Johnson & Johnson, passando a fazer parte do hub global de innovation labs da companhia.
“Além do custo emocional dos pacientes e familiares, o preço social do câncer no mundo, seja no sistema de saúde privado ou público, é estimado em US$ 1,3 trilhão por ano,” diz o brasileiro Marcel Naime, cuja incubadora de impacto Global Bonsai investiu em duas rodadas e assessora a Acuamark em parcerias para cooperação científica e desenvolvimento comercial.
A Acuamark foi criada em 2012 dentro da Weill Cornell Medicine — a faculdade de medicina e centro de pesquisa da Cornell University — e se tornou independente por meio de um spinoff em 2014.
Em 2017, alguns testes clínicos da Acuamark já mostravam eficácia, mas o número de amostras ainda era baixo para submetê-los à Food and Drug Administration (FDA), o órgão regulador americano.
“Com os investimentos, estamos criando um laboratório independente e parcerias científicas para obter 20 mil amostras de sangue de pacientes, seguindo protocolos da FDA”, Marcel disse ao Brazil Journal. “É um processo burocrático, lento e custoso.”
Pelo sangue humano correm partículas liberadas por células de todos os órgãos. “Com uma amostra, a Acuamark investiga se certas moléculas estão presentes na corrente sanguínea, o que potencialmente indica a presença e a localização do câncer já na fase inicial”, diz o investidor que perdeu a mãe para a doença há 20 anos. “Já provamos eficiência em testes de câncer de cólon, pulmão e próstata. O objetivo é cobrir até 90% dos tipos da doença.”
O produto será um kit de diagnóstico que vem com protocolos de operação, suprimentos de coleta e os reagentes necessários para o exame. O teste será compatível com os equipamentos que usam o processo PCR/LCR (a reação em cadeia de polimerase) em grande parte de laboratórios de análise. Barany, inclusive, é o inventor de dois métodos moleculares de diagnóstico que tornam os resultados do PCR mais precisos.
Na prática, o teste seria incluído no check-up anual de rotina de qualquer pessoa, a pedido de um clínico geral. Custaria uma fração dos testes de alta sensibilidade atuais, possibilitando acessibilidade no sistema público de saúde ou coberto por seguros privados.
Se o resultado da fase um for negativo, o paciente repete o teste só no ano seguinte. Se houver algum alarme, o teste é repetido de três a seis meses, tempo em que o corpo se autorregula caso haja algo fora do normal naquele momento.
Passados estes meses, caso o segundo teste aponte algo suspeito, envia-se o paciente para um especialista, que solicita exames adicionais, como os de imagem ou biópsias, procedimentos normalmente custosos. Enquanto hoje cerca de 40% dos pacientes passam por este processo penoso — grande parte deles desnecessariamente — com o novo teste o número cairia para 2%.
Cerca de 17 milhões de novos casos de câncer são diagnosticados a cada ano no mundo, e quase 10 milhões morrem da doença. A Organização Mundial de Saúde projeta que, até 2040, os novos casos aumentarão para 25 milhões/ano, com 13 milhões de mortes/ano.
O Ministério da Saúde brasileiro estimou 650 mil diagnósticos positivos em 2020 no país, sendo que 150 mil só em São Paulo. Parte do grande número da capital paulista deve-se ao fato de que ali se recebe muitos pacientes de outros estados. Mundialmente, no entanto, a pandemia agravou o quadro de diagnósticos, dado que milhares de pacientes deixaram de fazer exames preventivos no último ano.