Um dos mais ativos empresário-políticos dos anos 90, Emerson Kapaz ensaia um retorno à vida pública para colocar em prática um conceito que defende há trinta anos — e que finalmente entrou na moda: o empresário-cidadão.
Afastado da política há quinze anos, Kapaz voltou a se filiar ao PSDB, discretamente, no fim de 2015. Ainda não trabalha oficialmente por uma candidatura a governador em 2018 – “é muito cedo para isso” — mas acredita que a renovação da política trazida pela Lava Jato pode abrir espaço para nomes menos tradicionais, como o seu.
Numa política dominada por dinossauros, mamutes e jurássicos em geral, Kapaz é uma espécie de unicórnio: metade de seu DNA vem do setor privado, metade da política.
Um dos sócios da Brinquedos Elka, fundada por seu pai, ganhou projeção como o fundador do Pensamento Nacional das Bases Empresariais (PNBE), um movimento que tentava dar voz às pequenas e médias empresas dentro da FIESP e pregava a ideia de que o empresário tem que ser também um ator político, e não mero espectador.
Sua entrada na política se deu pelas mãos de Mario Covas, que o convidou para ser secretário de Desenvolvimento Econômico, Ciência e Tecnologia. Serviu quatro anos. Covas lhe disse então que, para sentar na sua cadeira um dia, Kapaz precisava antes entender o Legislativo, o que desembocou num mandato de deputado federal pelo PSDB entre 1999 e 2002.
Aprovou uma reforma da Lei das SA que fortaleceu os acionistas minoritários – apesar de seu projeto inicial, que arrancou elogios de Armínio Fraga, então presidente do Banco Central, ter sido desfigurado durante a tramitação e sair, no final, com menos garantias que o esperado. Segue o jogo.
Há mais de um século, Max Weber escreveu que a vocação política pertence aqueles que, mesmo diante das dificuldades, dizem “apesar de tudo” e seguem em frente. Se isto for verdade, Kapaz pode dizer que é vocacionado: sua carreira política foi cercada de ‘apesares’.
Ele quer voltar à vida pública apesar de não ter conseguido espaço no PSDB para disputar a prefeitura de São Paulo quando estava no auge, como almejava; apesar de ter se frustrado ao migrar para o então recém-fundado PPS no começo dos anos 2000 com a promessa de que poderia ser o candidato a prefeito – e ter sido atropelado por Mangabeira Unger, que lançou uma candidatura concorrente direto de Harvard; e apesar de mais recentemente ter apoiado Andrea Matarazzo à prefeitura, na candidatura que foi atropelada por João Doria, e que resultou na saída do correligionário do partido.
Fora da política, Kapaz fez costuras no mundo empresarial. Fundou e presidiu o Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (ETCO) e dirigiu o Instituto de Desenvolvimento do Varejo (IDV). Mais recentemente, vem atuando como conselheiro de empresas e é diretor da GD Solar, empresa que implanta parques para geração de energia solar.
É difícil prever se sua volta à política vai vingar – especialmente no PSDB, um partido cada vez mais rachado por feudos.
Mas a política continua sendo o ramo do improvável, e o zeitgeist é claro: os que até agora olhavam a política de fora serão chamados a ocupar os espaços deixados pelos políticos tradicionais.
Numa conversa de uma hora com o Brazil Journal, Kapaz defende que essa hora chegou e critica a negação da política. “Quando você diz ‘eu sou o não-político,’ você dá uma visão de que não vale a pena fazer política, que só vale a pena ser empresário. E a grande diferença está em ser empresário com visão política.”
Que cenário você vê para a política nacional e estadual nos próximos dois anos?
O país está em um dos seus melhores momentos — econômico, político e social. Estamos construindo por ondas nossa possibilidade de ser um país maduro. É uma construção que está vindo de longe. O que faltava para o Brasil? Justiça. Todo mundo fazia o que bem queria nesse país. Nesse sentido, a Lava Jato é o grande marco do Brasil. Ela coloca uma posição em relação à cidadania. A corrupção não vai acabar, mas tenha em mente que você vai ser preso se for pego. E mesmo que você seja o Marcelo Odebrecht, você vai apodrecer na cadeia.
E quais as implicações desse marco para as eleições de 2018?
Primeiro, hoje não se quer ninguém que tenha compromisso com esse passado. Segundo, não tem mais o efeito do marketing político comprado por milhões de dólares para enganar a população. A eleição de 2018 para mim é a virada. Será uma eleição onde tem justiça, Lava Jato, tribunal eleitoral funcionando. Há uma tentativa de tentar interromper esse processo, mas não vão conseguir. E, na minha opinião, não vai vir um salvador da pátria, tipo o Bolsonaro. Não vai passar. As pessoas vão querer alguém que tenha capacidade de gestão.
Tem também a questão orçamentária, que aflorou com o impeachment da Dilma. Hoje nós estamos discutindo o Orçamento. A PEC do Teto é sensacional porque obrigou as pessoas a entenderem que o Orçamento é para valer. E um cara que entrar para a administração pública e não souber administrar recursos não vai ser nada. Por isso, a visão do empresário na política é super positiva hoje, ela agrega valor.
Vai ser a eleição da renovação?
Vai, já tinha acontecido aqui. O Doria pegou a onda da renovação em São Paulo. Na verdade, o bom do Doria é que ele é uma renovação, sim, para o PSDB. Num primeiro momento a fórceps, porque ele colocou o pé na porta e entrou, mas ele é uma renovação hoje muito importante, não só para o PSDB como para a política nacional.
Ele colocou no trilho hoje uma coisa que eu lá atrás falei e nunca aconteceu, mas ele chegou no momento certo: é o empresário que tem e gosta de fazer política. Está certo que ele foi muito pouco para a política. Ele é muito mais empresário, ele é tipo mais um cara como o Bloomberg [ex-prefeito de Nova York].
Você se filiou novamente em 2015. Pretende se movimentar para colocar o seu nome para a eleição de 2018?
Eu tenho conversado dentro do partido. Eu não estou colocando meu nome, ainda é pouco prematuro para isso. Tenho a sensação de que é o momento de voltar, estou mais maduro, reconhecendo uma série de coisas. Eu vejo que o país está num momento de uma visão muito importante que eu já tinha lá atrás, que é a coisa do cidadão-empresário, hoje ela realmente está voltando a ser muito forte.
Tem que aguardar para ver o que vai acontecer. O PSDB é um partido assim, tem que esperar as coisas avançarem. Acho que o Doria está abrindo uma perspectiva muito inteligente, interessante, uma onda difícil de segurar. Traçou um perfil que será procurado no Brasil todo. Se ele sair da prefeitura e for candidato a presidente, é um outro PSDB, é uma outra onda que virá.
A minha intenção não é voltar para o Legislativo. Se um dia eu for voltar para a política, eu quero voltar no Executivo, que é onde eu sempre quis estar.
Você acha que o PSDB está pronto para a renovação?
Ela virá porque o partido precisa, e ela virá porque a Lava Jato imporá. São duas coisas inevitáveis: na Lava Jato, nem ainda temos noção do que aparecerá. Quando a Lava Jato aparecer de vez, vamos viver o que chamo de ‘apagão político’. Você vai olhar e falar, “nossa, quem sobrou?”
Nessa hora, tenho dito para os empresários: não podemos nos esconder como a gente sempre fez, é hora de nós entrarmos, de nós exercemos nosso papel de empresário-cidadão que quer atuar. Acabar com aquela coisa de que o empresário financiava todo mundo. Tem que escolher.
Tem uma novidade na política, que é o Partido Novo. Eles têm essa ideia, se não de Estado mínimo, de Estado eficiente. E, assim como você lá na fundação do PNBE, o Novo atrai pequenos e médios empresários. O PSDB tem que ser mais parecido com o Novo?
O Partido Novo é muito bom para o Brasil, mas ainda é um partido que precisa amadurecer dentro do sistema político. Ele é bom, também vai criar uma onda muito forte, mas terá que conviver com o sistema político que está aí. E essa talvez seja a grande dificuldade.
O próprio PSDB, para sobreviver, terá que se renovar, ele não conseguirá sobreviver se continuar apostando em liderança velha, antiga, ultrapassada. Ele terá que apostar no novo também. Vai ter essa reciclagem dentro dos partidos. Se os partidos souberem aproveitar e trazer lideranças novas para o jogo vai ser muito bom, senão eles vão definhar.
O PSDB é muito criticado, inclusive por tucanos históricos, como um partido que não abraçou a ideia de privatizações. Qual sua posição sobre esse assunto? Que estatais o Estado precisa ter?
O menor número possível. Estou lendo um livro chamado ‘A Riqueza Pública das Nações’. É extraordinário você ver a tese defendida pelos autores dos patrimônios que os Estados e municípios têm e que não são aproveitados. São inacreditáveis. [O Estado] não tem que ser mínimo nem elefante, tem que ser um Estado do tamanho necessário para o que você precisa naquele momento, que caiba numa arrecadação saudável para a população.
Você acha que a gente vai ver empresários se candidatando?
Muitos. Não é qualquer um porque também existe um medo muito grande. Hoje, infelizmente, a política provoca medo em vez de provocar inspiração, que é sempre o que eu achei que a política deveria fazer. As pessoas olham a política com medo e infelizmente com nojo.
O Doria tem o discurso da negação da política. Precisa ter a negação? Política e gestão são duas coisas opostas?
Não precisa ter essa negação. A colocação correta é: eu sou empresário, quero fazer política e quero fazer política com P maiúsculo. Outra política, e não essa que estou vendo aí. Os partidos também precisam mudar. A gente reclama muito que não acontece nada. Por quê? Porque os partidos são fracos. As pessoas não participam, ninguém vai lá debater, tem sempre um encastelamento dentro dos partidos… A política é uma coisa nobre que tem que ser resgatada e valorizada.
As pessoas negam a política por associá-la muito à corrupção. Para você o que é a política?
É a arte nobre da negociação. É a grande capacidade de intermediação entre público e privado, entre conseguir defender o interesse público e, se possível, no caso do empresário, por exemplo, saber como é a visão privada. Tem um vazio político muito grande no mundo porque as pessoas perderam a capacidade de entender que a política é um instrumento de conjugação das forças da sociedade. Não tem mais estadista no mundo. Hoje o cara mais respeitado do mundo é o Papa!
Ao mesmo tempo, o que me entusiasma no Brasil é que estamos fazendo a lição de casa. As pessoas falam desse governo, mas ele está fazendo exatamente o que deve. O Michel tem a claríssima noção de que ele é temporário, vai ficar mais um ano, vai ficar com baixa popularidade e fazer o que deve ser feito.
E também, por entender a política, ele sabe que se você não negociar com as regras que estão lá, nada disso vai passar. Não adianta pegar um cara voluntarioso agora e dizer: “Não, não, não… Congresso, aqui comigo não! Não quero nada”. Não passa nada! Era o Collor: caiu!