O melhor negócio do Brasil sempre foi sonegar imposto e esperar pelo próximo Refis.
Desculpe a franqueza, mas essa é a crua e deplorável realidade dos fatos.
(Nota explicativa para você que paga seu imposto religiosamente em dia: o Refis é aquele velho esquema pelo qual a Receita Federal convida quem está devendo a parcelar a dívida em suaves prestações em troca de regularizar sua situação.)
A tese por trás dos Refis sempre foi: ‘é melhor receber um pouquinho todo mês do que não receber nunca’, mas o ‘moral hazard’ que isso criou ainda está por ser quantificado.
Como o Brasil faz um Refis atrás do outro, muitas empresas simplesmente não pagam porque sabem que, ao virar a esquina, encontrarão um Refis melhor ainda.
“Se você olhar o primeiro Refis… o primeiro era sério,” diz um especialista em reestruturar dívidas de empresas. “Você tinha as vantagens — que eram indiscutíveis e até generosas — mas se você não honrava pontualmente, você perdia tudo o que havia obtido (o perdão de multa e correção monetária) e ainda revertia ao status quo de antes. Depois do segundo, a coisa evoluiu, digo, involuiu para uma esculhambação.”
Na semana passada, o deputado Newton Cardoso Jr., do PMDB de Minas Gerais, resolveu exponencializar a esculhambação.
Relator do projeto de lei que vai estabelecer as regras do próximo Refis, o deputado mudou as condições propostas pelo Governo para favorecer ainda mais os devedores.
O Tesouro esperava arrecadar R$ 13,3 bilhões com o novo Refis este ano; pelo projeto aprovado em comissão semana passada, não arrecadará sequer R$ 500 milhões.
“As empresas se financiam nos tributos porque o Fisco é ineficiente para cobrar,” diz o especialista. “Você recebe em 2017 uma autuação de 2014, e depois disso tem pelo menos mais três anos na esfera administrativa antes de entrar na fase judicial. O empresário pensa, ‘o Fisco não me quebra, mas o Itaú me quebra’.”
Quando o caso vai pra Justiça, os advogados do devedor conseguem, por liminar, aquilo que o jargão jurídico chama de ‘certidão positiva com efeito negativo’. Tradução: o juiz reconhece a existência da dívida mas suspende sua execução acatando algum argumento ‘operacional’ do devedor (“se eu for executado, minha linha de produção vai parar e a empresa quebra” ) ou mesmo ‘social’ (“se eu tiver que pagar esse imposto, as crianças de São Paulo ficarão sem merenda”).
Reconheça-se, claro, que há devedores de boa fé, que questionam na Justiça o que a Receita lhes cobra por acreditarem ser indevido. Há também empresários, principalmente do setor industrial, que fazem escolhas de Sofia o tempo todo para manter suas fábricas operando.
Mas, exceções à parte, a cultura do ‘devo, não nego, pago quando quiser’ já se arraigou no tecido corporativo brasileiro.
O mais enfurecedor é que muitos Congressistas estão legislando em causa própria e à plena luz do dia.
Recentemente, o repórter Julio Wiziack da Folha de São Paulo descobriu que deputados e senadores devem um total de R$ 3 bilhões em tributos federais. Só as empresas do deputado Newton Cardoso Júnior devem R$ 68 milhões.
O Refis sempre foi um prêmio para quem não paga em dia — mas até para padrões brasileiros, a malandragem já passou do limite.
Não adianta achar que a Lava Jato está passando o País a limpo se quem deve à União é tratado com mais carinho do que quem paga em dia.
Imagine o colapso instantâneo do Estado se os hoje adimplentes passarem a usar o seguinte critério: ‘Devo, não nego. Pago quando o deputado pagar….’