Michel Temer pintou a cara para a guerra e lançou mão de todas as flechas para vencer a batalha contra a denúncia da Procuradoria Geral da República.

Agora, quando poderia investir seu capital político junto ao baixo clero para aprovar uma reforma da Previdência corajosa e abrangente — a que o Brasil realmente precisa — o Presidente se esconde debaixo da mesa e diz ao Estadão que aceita uma reforma desidratada, que mude apenas a idade mínima e acabe com os privilégios.

10229 0ba02076 00ad 0e49 0000 5ccbd71dd9cbDisse Temer ao jornal que mais apoiou sua permanência no cargo: “Se vocês fizerem um retrospecto histórico, verificarão que a cada oito, dez anos, há uma atualização. … A gente faz agora a reforma que é possível. E, sendo uma reforma possível, ela não será tão abrangente como deveria sê-lo. Então, é possível que daqui a seis, sete, oito anos, tenha que fazer uma nova atualização.” 

Uma nova atualização daqui a seis anos não é ‘possível’ — é coisa líquida e certa.  O Presidente sabe disso.

Se o stress dos últimos dias fez Temer se esquecer da gravidade da situação, aqui vai um ‘aide-mémoire’.  Só no governo federal, a despesa com aposentadorias e pensões no ano passado foi de 10% do PIB (sendo 8% o INSS e 2% os servidores públicos federais), pouco mais da metade da despesa primária do governo central, que chegou a 19,8% do PIB. E, sem uma reforma abrangente, até 2026 essa despesa crescerá dois pontos do PIB, no mesmo período em que a despesa primária terá que cair cerca de cinco pontos do PIB para cumprir o que determina a PEC do Teto.

O País não vai aguentar. 

Por mais que ‘acabar com os privilégios’ seja essencial, uma reforma diluída deixaria muita coisa de fora.

Por exemplo, como ficariam os regimes especiais para professores e militares nos estados e municípios?  Segundo, como ficaria a proibição de acumular aposentadoria e pensão em valores que ultrapassem  dois salários mínimos? Terceiro, como ficaria o caso das contribuições para o regime de previdência rural? Hoje, um dos problemas é que a contribuição é feita por unidade familiar, e não por pessoas individuais. Quarto, como ficaria, além da idade mínima, o tempo mínimo de contribuição que estava sendo elevado para 25 anos?  E por aí vai.

Boa parte do Brasil acha que Temer, por ser um cacique dessa máquina cleptopolítica chamada PMDB, jamais será um estadista.  Mas outra parte do País acha que o Presidente ainda pode deixar um legado: sabendo que nunca será mesmo popular, Temer poderia entrar para a História como o Presidente mais reformista desde FHC.  Os próximos dias dirão o que ele escolheu.

 
Ou, talvez, ele não tenha escolha: depois da guerra contra a denúncia, é possível que todo o poder real de Temer tenha se esvaído, no último estertor para a salvação do mandato, e que agora o centro do Poder gravite ao redor da Presidência da Câmara. Talvez seja dela que a sociedade deve esperar a liderança e a articulação necessárias para uma reforma abrangente.

10296 1232b387 e14c 0000 004e 69d3b9568fcaContrastando com a fadiga presidencial, o deputado Arthur Maia, o relator da reforma, acordou cedo hoje e falou à Rádio Jovem Pan.

“O tema Previdência já está aprovado na comissão, já tem um texto que representa a linha média do sentimento da base do Governo, e o que ele precisa é ir pro Plenário. … Quem quiser jogar pra platéia, dizer que não precisa de reforma, ignorar o que está acontecendo no Rio de Janeiro (onde não se paga mais Previdência) ou em Minas Gerais ou no Rio Grande do Sul, e fazer de conta, de forma mentirosa, que está tudo bem, paciência!  Arque com sua palavra e com sua responsabilidade.  Quem tiver compromisso com o Brasil e com a verdade votará na reforma. É simples assim. Devemos votar imediatamente.”

O âncora do jornal quis saber ‘qual é o grande entrave’ que o relatório tem à frente.

“Eu acho que realmente existe um grupo de pessoas que continua nessa de jogar para a plateia.  Tem pessoas que sempre preferem jogar o problema para a amanhã, independente do desastre que pode decorrer dessa postergação.  Tem muita gente que é assim.  Paciência.  O que eu vejo é o seguinte: está cada dia desmistificada essa mentira de que a reforma prejudica os mais fracos. Isso é mentira.  Essa reforma acaba é com privilégios.  Ninguém, depois dessa reforma — eu, deputado, o outro que é senador, o outro que é procurador de justiça, o juiz, o desembargador, qualquer funcionário público estadual, municipal ou federal — ninguém vai poder ganhar mais do que R$ 5.531,00.  Ninguém!  Isso é uma mudança de paradigma inédita no Brasil. E é por isso que os privilegiados e poderosos não querem essa reforma, e ficam jogando com essa conversa de que os mais fracos serão prejudicados.  Isso é mentira!  Nós estamos tirando os privilégios dos favorecidos que se aposentam cedo e com salários milionários.”

Já no finalzinho da entrevista, o deputado desabafou, dizendo que precisava ‘tirar o nó da garganta’.

“Eu, ao longo desse processo, atendi no meu gabinete cerca de 200 pedidos de audiência. Desses, 180 foram de funcionários públicos, foram de pessoas que ganham R$ 10 mi, R$ 20 mil, R$ 30 mil, R$ 40 mil, que vão para lá achando que merecem continuar tendo privilégios. Não esteve no meu gabinete, hora nenhuma, aquele que ganha um salário mínimo, aquele que recebe um Benefício de Prestação Continuada porque é um deficiente físico. Quem esteve no meu gabinete foram os privilegiados.  E são esses que nós estamos combatendo.  A decisão de acabar com os privilégios ou não é votar ou não votar a favor da reforma.  É isso que nós temos que enfrentar.”