No complexo e cada vez mais importante debate sobre os custos da saúde, acaba de surgir um personagem que vai galvanizar a atenção dos políticos e do público, e colocar o custo dos medicamentos no meio da campanha presidencial norte-americana.

Martin Shkreli, de 32 anos, se tornou uma espécie de jovem Mr. Burns do mundo real — o símbolo da ganância desenfreada — depois que o The New York Times publicou ontem a estória da Turing Pharmaceuticals, a empresa de medicamentos fundada e dirigida por Shkreli, ex-gestor de um fundo de investimentos.Sr. Burns

Em agosto, a Turing comprou os direitos de comercializar uma droga chamada Daraprim, um remédio que existe há 62 anos e é usado para tratar crianças com toxoplasmose e pessoas com o sistema imunológico enfraquecido, principalmente pacientes com AIDS e câncer.

Cada comprimido de Daraprim custava 13,50 dólares, até que a Turing aumentou o preço, da noite para o dia, para 750 dólares — meros 5.455% a mais.

O Times foi atrás e descobriu que aumentos abusivos no preço de medicamentos estão se tornando a cocaína da indústria farmacêutica americana.

Exemplo 1: A cicloserina é um medicamento usado para tratar um tipo de tuberculose resistente a vários tipos de drogas. Depois que foi adquirida pela Rodelis Therapeutics, o preço pulou de 500 dólares (a embalagem com 30 pílulas) para impagáveis 10.800 dólares. (A empresa ‘justificou’ ao NYT que precisava do aumento para investir mais e assim poder garantir o fornecimento.)

Exemplo 2: Recentemente, a Valeant (uma das maiores farmacêuticas dos EUA) comprou duas drogas para doenças coronarianas: a Isuprel e a Nitropress. Imediatamente, os preços subiram 525% e 212%, respectivamente. Detalhe: a empresa que anteriormente detinha os direitos já havia quintuplicado os preços das drogas desde 2013, quando as comprou de seu proprietário anterior.

Burns2Exemplo 3: Um antibiótico chamado doxiciclina foi de 20 dólares em outubro de 2013 para 1.849 dólares em abril de 2014.

Hoje de manhã, a matéria do NYT explodiu na cena política americana. Hillary Clinton, a pré-candidata do Partido Democrata, tuitou que esse tipo de aumento abusivo é inadmissível e prometeu apresentar amanhã um plano para combater esta prática. O tweet de Hillary derrubou os preços de várias empresas farmacêuticas, e fez o índice Nasdaq despencar momentaneamente.

No sistema de saúde americano, o programa federal Medicaid (que tenta garantir acesso à saúde para os mais pobres) e alguns hospitais conseguem comprar medicamentos com desconto, mas as seguradoras privadas, o programa Medicare e pacientes hospitalizados costumam pagar o preço de tabela.

Shkreli, o Mr. Burns da estória, conseguiu piorar a situação com frases de sensibilidade ímpar. Explicando a explosão no preço da Daraprim à Bloomberg, ele disse: “Esta droga salva sua vida por 50 mil dólares. Isso ainda é uma barganha para as seguradoras. Neste preço, não é nem pra pensar.”

Para o próprio NYT, posou de empreendedor fazendo a coisa certa: “Isso aqui não é uma companhia gananciosa tentando lesar pacientes. É a gente tentando continuar no azul.” (ele argumenta que, como os pacientes tendem a usar a droga ‘apenas’ por algumas semanas, o aumento não é um ‘big deal’.) Por essas e outras, já foi chamado no Twitter de ‘bloodsucker’ e ‘pharma-Hitler’.

O problema é que Shkreli não tem credibilidade. De acordo com o Times, depois de lançar seu fundo de investimentos com vinte e poucos anos, Shkreli chamou atenção ao empregar uma tática que confirma seus limites éticos (ou a falta deles): ele fazia lobby junto à Food and Drug Administration (a agência do governo americano que aprova medicamentos) para que a agência não aprovasse drogas fabricadas por algumas empresas.  Quais empresas? Aquelas contra as quais seu hedge fund apostava na Bolsa.

Uma pessoa que conhece Shkreli disse à coluna que a comparação com Mr. Burns é um insulto… a Mr. Burns. Mas, como a Daraprim é uma droga de uso limitado — houve apenas 8.800 receitas nos EUA ano passado — Shkreli provavelmente vai se safar.

O debate sobre custos médicos em geral (e de medicamentos em particular) está pegando fogo em todas as partes do mundo. Os fabricantes de medicamentos precisam de políticas públicas que não tolham a pesquisa e o investimento, já que as drogas não nascem do intelecto e boa vontade dos cientistas apenas, mas também do incentivo que os acionistas das empresas têm ao financiar as pesquisas.

Mas casos como o de Shkreli e os outros listados pelo NYT jogarão a opinião pública (com razão) contra a indústria, e os justos provavelmente acabarão pagando pelos pecadores.

 

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