Os acionistas da Cielo temem que os dois maiores acionistas da empresa — o Bradesco e o Banco do Brasil — estejam querendo repartir o bolo de resultados da credenciadora de cartões em benefício próprio.
Na sexta-feira antes do Carnaval, a notícia de que os dois bancos — que juntos têm 59% da empresa — estavam prestes a anunciar a aquisição da Elavon, uma concorrente da Cielo com apenas 2% do mercado, levou vários investidores a vender as ações da Cielo, que terminaram o dia em baixa de 5%.
Ninguém quer ser sócio dos bancos num negócio e ver os mesmos bancos competindo por fora.
A Elavon do Brasil é controlada pela Elavon Inc — subsidiária do U.S. Bancorp — com 51% do capital. O Bradesco e o Banco do Brasil estão comprando os 49% que hoje pertencem à Credicard. VEJA Mercados apurou que os dois bancos já fecharam negócio com o Citigroup, controlador da Credicard, e a estratégia por trás da compra é usar a Elavon como uma marca de combate.
“Hoje, quando um cliente Cielo decide ter uma segunda maquininha, o Bradesco e o Banco do Brasil podem perder o fluxo financeiro que vai passar pela outra máquina e não têm uma alternativa a oferecer, mas com a Elavon passarão a ter,” diz uma pessoa familiarizada com os planos dos dois bancos.
A tensão sobre a Elavon é apenas a ponta mais visível de um conflito maior: quem deve ficar com a maior fatia do valor gerado no complexo ecossistema das credenciadoras de cartões?
Para entender o que está em jogo, é preciso entender como funciona este mercado. Para que seus clientes possam pagar com cartões de crédito e débito, os lojistas pagam à Cielo um percentual sobre cada transação. Esta taxa, que grosso modo pode ir de 1% a 3%, é conhecida como MDR (sigla de ‘merchant discount rate’), e é dividida em três partes não iguais: uma vai para a bandeira do cartão (Visa, Mastercard, etc), outra para o banco emissor do cartão que está sendo usado (como o Bradesco ou o BB), e a terceira para a Cielo.
Como Bradesco e Banco do Brasil são, na prática, os controladores da Cielo, sempre houve o risco de que, em algum momento, eles exigissem uma parte maior da MDR para si, retirando dinheiro do bolso dos acionistas da Cielo para colocá-lo no bolso de seus própios acionistas.
Em seu balanço recém divulgado, o Bradesco disse em suas notas explicativas que recebeu da Cielo em 2015 pagamentos quase três vezes maiores do que no ano anterior. Mais tarde, o CEO da Cielo, Rômulo Dias, esclareceu aos investidores que o aumento, de fato, fora da ordem de 50%. Ainda assim, o número causou estupefação no mercado, já que nem a receita da empresa havia subido tanto de um ano para outro. Dias justificou os pagamentos maiores dizendo que o Bradesco ‘bateu suas metas’ com a empresa, mas, no mercado, prevaleceu a impressão de que o banco exigiu uma parte maior do bolo.
Não há dúvida de que os bancos têm procurado formas de capturar mais valor na cadeia de transações. Uma estratégia tem sido desenvolver bandeiras próprias, reduzindo os pagamentos que hoje são feitos à Visa e à Mastercard. Isto já está acontecendo. Bradesco, Banco do Brasil e Caixa já converteram parte de seus clientes que usavam a bandeira Visa para a Elo, a bandeira que os três bancos lançaram em abril de 2011 e que já tem cerca de 10% do mercado.
“Antigamente, você sabia que a Visa e a Mastercard seriam os árbitros da relação dos bancos com a Cielo,” porque são as bandeiras que ditam os termos contratuais básicos e mantem o equilíbrio do sistema, disse um gestor. “A partir do momento que os bancos controlam a bandeira também, eles têm muito mais força para pressionar a empresa.”
Mas se os bancos sempre tiveram o poder de apertar a Cielo, por que só estariam fazendo isso agora? A resposta, como sempre, está na economia. A recessão está desafiando os bancos (e todo mundo) a encontrar novas formas de gerar valor. A Cielo vale quase 60 bilhões de reais na Bovespa — 50% a mais que o próprio Banco do Brasil — mas este valor de mercado invejável é neutro para os resultados de seus controladores. E enquanto as ações dos bancos negociam a 5-6 vezes o lucro estimado, a Cielo negocia a 15-16 vezes.
“Em casa que falta pão todos brigam e ninguém tem razão,” diz um gestor. “Com a economia do jeito que está, a bola dividida entre os bancos e a Cielo está ficando mais dura.”
Num mercado em que os bancos têm acesso aos usuários dos cartões e são, eles mesmos, os maiores credenciadores de lojistas, talvez seja inevitável que, com o tempo, a Cielo deixe de ser uma empresa independente, listada na Bolsa, e passe a ser uma área de negócios dentro dos bancos — assim como aconteceu com a Redecard, sua maior concorrente, que foi completamente adquirida pelo Itaú.
Nos últimos anos, a ação da Cielo tem sido um verdadeiro refúgio. Muitos investidores a vêem como imune à inadimplência (que afeta os bancos e o varejo) e protegida da inflação (já que, à medida que os preços sobem, a base sobre a qual a Cielo cobra sua taxa também cresce). Agora, esse pequeno oásis num mercado de capitais cada vez mais desértico está ameaçado por dúvidas sobre seu modelo de negócios que estão começando a incomodar muita gente.