Num momento em que o mercado imobiliário tradicional anda meio zumbi, um grupo de empresários procura um sopro de vida no lugar menos provável: o mercado de cemitérios.
Debaixo de sete palmos da terra, garantem, há um segmento promissor e resiliente, esperando para ser consolidado. As pessoas, afinal, insistem em continuar morrendo — um dos poucos hábitos que a crise não afetou.
Os planos são ambiciosos e incluem levar o negócio à bolsa de valores já nos próximos anos.
O start já foi dado. Ex-diretor do Credit Suisse e hoje à frente da H11 Gestão de Recursos, o administrador Vicente Conte Neto trabalha na estruturação de um fundo imobiliário de R$ 300 milhões, o FII Brazilian Graveyard & Death Care Services.
O FII já conta com uma participação de 30% no cemitério Terra Santa, em Belo Horizonte, adquirida em abril por R$ 50 milhões. O produto deve ser oferecido ao público no início de dezembro.
Em Londrina, os irmãos Tiago e Lucas Schietti, da Horus Investimentos, já colocaram o cemitério da família, o Parque das Allamandas, em outro fundo que deve captar R$ 250 milhões no ano que vem.
Em ambas as iniciativas, o dinheiro será utilizado para adquirir fatias minoritárias em outros cemitérios já em operação (eles não revelam os nomes por uma questão ‘estratégica’) e a previsão é que haja uma fusão entre as gestoras mais à frente.
Conte conhece o negócio desde pequeno: ele é filho de um dos sócios de um cemitério-parque em São José do Rio Preto que abriu seus portões há 25 anos. E garante: o segmento é um mega gerador de caixa, com margem EBITDA que pode superar os 50% em empreendimentos já consolidados.
“Há um preconceito com o setor, mas a lógica é semelhante ao investimento em empresas de saúde: a população está envelhecendo, há uma demanda cada vez maior e um mercado com baixa oferta, principalmente de serviços com qualidade”, afirma.
Nos Estados Unidos, o mercado de ‘death care’ conta com cinco empresas na Bolsa, desde as que operam cemitérios até as que oferecem serviços funerários. A maior delas oferece um misto das duas coisas, e atende pelo nome insuspeito de Service Corporation Internacional (SCI). Vale US$ 5 bilhões na Bolsa de Nova York.
Por aqui, apesar dos cemitérios privados contarem até com um sindicato patronal, o Sincep, não há muitos dados disponíveis sobre o mercado.
Cada cidade tem sua regra para construção e administração de cemitérios — em São Paulo, por exemplo, ela é uma prerrogativa exclusiva de associações religiosas — e, em todo o País, a maioria dos empreendimentos está nas mãos de pessoas físicas, que investiram no negócio há décadas e já estão na segunda ou terceira geração. (A lista inclui empresários como o gaúcho Ronaldo Bolognesi, mais conhecido por investimentos em energia e incorporação do que pelo cemitério Parque da Paz, em Porto Alegre).
A maior parte da receita — cerca de 80% — vem da comercialização de jazigos, diz Conte, e a principal métrica dos empreendimentos é o Valor Geral de Vendas (VGV), a mesma usada pelas incorporadoras que constroem casas para gente viva. Os 20% restantes vêm dos serviços, como velório e a taxa de manutenção dos túmulos.
O potencial depende muito da região, mas, com os espaços cada vez mais restritos, não raro o metro quadrado dos mortos é mais caro que o dos vivos. Em Londrina, por exemplo, há jazigos comercializados a R$ 18 mil.
Como em todo processo de consolidação, a gestão profissional é a alma do negócio de guardar esqueletos. Conte diz que há espaço, por exemplo, para melhorar as condições de financiamento: as vendas de jazigos costumam ser feitas em até 30 parcelas, apenas. No Terra Santa, ele já parcelou em até 240 vezes, e estuda a venda casada com seguros de vida, num modelo que pode ser replicado em outros empreendimentos.
Ele está de olho ainda nas Parcerias Público-Privadas (PPPs) que estão brotando em diversos municípios no Brasil. No radar: as concessões que devem sair em São Paulo, São José do Rio Preto, Londrina, Uberaba e Belo Horizonte. A ideia é que os fundos participem de consórcios para disputar as concorrências.
“Dá para ganhar muita eficiência, com regularização de jazigos e melhora na administração. Muitos cemitérios hoje não atendem nem as condições mínimas de higiene”, afirma Conte.
Quando se trata de serviços, as fronteiras são ainda mais inexploradas. Segundo o gestor, um outro nicho é a construção e operação de crematórios, uma tendência que vem ganhando adeptos no Brasil – inclusive para o mercado pet. (Aqui, uma lição cruel do business do além-túmulo: como os bichinhos têm expectativa de vida mais curta, o ‘giro’ é maior e o investimento se paga em menos tempo.)
Sobre o perfil dos investidores sondados para o fundo, um novo ensinamento sobre o mercado da morte que você só vai ler aqui no Brazil Journal: “Fundos de pensão, pessoas físicas de alta renda e seguradoras de vida – esse, inclusive, é um ótimo hedge para o negócio delas.”