Após uma oferta bem-sucedida que movimentou R$ 1,5 bilhão em julho, as ações da Energisa chegaram a subir 26% e negociaram acima de R$ 23 em novembro.
Mas desde então, o papel voltou a ser negociado a R$ 18,50, o preço da oferta que marcou a reestreia da companhia na Bolsa e a colocou no radar de grandes investidores.
A queda acontece na contramão do setor elétrico e não encontra muito respaldo nos fundamentos.
Não houve nenhuma grande novidade em relação à companhia — que os bulls consideram uma ‘nova Equatorial’ já que a empresa está tentando um ‘turnaround’ do Grupo Rede, comprado em 2013 — e as recomendações dos bancos que começaram a cobrir o papel variam de ‘buy’ a ‘strong buy’.
Mas há um bode na sala. Quase literalmente.
Há preocupação no mercado sobre a dívida de um dos grandes acionistas da empresa: Antonio José de Almeida Carneiro, universalmente conhecido como ‘Bode’, que tem 13,7% das units de forma direta, por meio dos fundos Gaster e FIP da Serra, e mais uma fatia indireta via Gipar, a holding da família Botelho, controladora da empresa.
No passado, Bode já colocou ações da Energisa como garantia a empréstimos bancários, e alguns investidores temem que ele ainda tenha que vender parte de sua posição para cobrir chamadas de margem.
Nada aconteceria antes de 23 de janeiro. Os maiores acionistas da Energisa – Bode incluso – estão amarrados por um lock-up que vence naquela data. Até agora, não houve mudança relevante no volume negociado na ação, que segue em torno de 500 mil units por dia.
Parte dos problemas de Bode parece ter sido resolvido antes da oferta. O Itaú já chegou a ser dono de 8,5% da Energisa depois de aceitar as ações como garantia oferecida por Bode. Em junho, duas semanas antes da divulgação do prospecto preliminar, o banco vendeu esta posição ao investidor Ronaldo Cézar Coelho, que carrega essa posição nos fundos Samambaia e Top 2016.
Bode e Coelho são amigos de longa data e, como sócios, protagonizaram a fábula da multiplicação do capital. Operadores do mercado financeiro, criaram o banco Multiplic e a financeira Losango, que venderam em 1997 ao Lloyds Bank, que já tinha 50% do negócio. Estima-se que cada um embolsou US$300 milhões na ocasião.
Enquanto Coelho manteve-se relativamente mais líquido, focando em investimentos de portfólio – além de ter entrado na política — Bode fez grandes apostas na economia real.
Em 2006, comprou uma participação relevante na Energisa — à época mais conhecida como Cia. Força e Luz Cataguazes Leopoldina — que estava nas mãos da empresa americana Alliant Energy. Donos de 52% das PNs da empresa e depois de três anos sem receber dividendos, os americanos entraram numa briga societária com os Botelho, e a entrada de Bode pôs fim ao conflito.
No ano seguinte, o ex-banqueiro comprou o controle da incorporadora João Fortes Engenharia. A ideia era usar sua fama de Midas e recuperar o negócio. Mas o ciclo virou, as vendas caíram, a dívida disparou e a empresa passou a exigir sucessivos aportes de capital: em 2014, foram R$ 213 milhões e, em 2015, outros R$ 380 milhões.
Com o lock-up terminando em um mês, os investidores agora se questionam se o Bode terá que vender ações para aumentar sua liquidez. Há dúvidas ainda sobre qual a estratégia de Coelho – se a compra das ações do Itaú foi apenas circunstancial e ele pretende vendê-las em breve, ou se se trata de um investimento de longo prazo.
A Energisa diz que “até o momento não recebeu nenhuma informação sobre eventual acordo de compra/venda de participação de quais acionistas relevantes findo o período de lock-up.”
Por enquanto, a melhor explicação para o recuo da ação tem a ver com sua própria baixa liquidez. O free float da companhia — a parte da empresa nas mãos dos investidores minoritários — é de 32%, mas o número real é menor porque muitos acionistas estão sentados no papel.
“Como essa ação negocia entre R$ 10 milhões e R$ 15 milhões por dia, qualquer fundo montando posição ou tentando sair do papel mexe no preço,” diz o analista de uma gestora que tem Energisa na carteira.
Ainda que o risco de uma oferta iminente possa estar se incorporando ao preço, o mais provável é que uma eventual oferta por um grande acionista tenha uma boa acolhida no mercado.
Para muitos gestores, a tese de investimento na Energisa sugere algo parecido à trajetória da Equatorial (que, no entanto, estava muito mais barata no início do que a Energisa agora). A preços de hoje, analistas estimam que a Energisa remunera o investidor com uma taxa interna de retorno implícita de 2 pontos percentuais acima da Equatorial.
Desde que bateu a carteira da CPFL – que tinha cinco vezes seu tamanho – e levou as oito distribuidoras do Grupo Rede, a Energisa tem cortado custos, melhorado indicadores de qualidade e investido pesado na rede. Todo esse capex deve ser recompensado na revisão tarifária das distribuidoras do Mato Grosso e do Mato Grosso do Sul, que ocorrerá em 2018.