Para oferecer preços mais baixos sem colocar a mão no próprio bolso, o Grupo Pão de Açúcar (GPA) sacou uma arma poderosa mas até então subestimada: a inteligência de mercado sobre os hábitos de consumo dos quase 12 milhões de membros de seus programas de fidelidade, o Pão de Açúcar Mais e o Clube Extra.
Lançado há um mês, o aplicativo ‘Meu Desconto’ oferece promoções personalizadas para quem está cadastrado nos dois programas. A cada 15 dias, o cliente recebe ofertas sob medida, que levam em conta o que ele já consumiu e o que pode vir a consumir, dado seu perfil de compra. Para ter acesso ao preço promocional, ele precisa apenas ativar a oferta no aplicativo e fornecer seu CPF ao passar no caixa.
Nos primeiros 30 dias, o app teve 1,4 milhão de downloads, e 400 mil novos clientes se cadastraram nos programas de fidelidade, um aumento de 3,2% na base.
A verdadeira inovação, no entanto, está na outra ponta da cadeia. Nem R$1 dos descontos, que começam em 20% e chegam a mais de 50%, sai do bolso do GPA. Todos os descontos são inseridos no sistema e bancados pelos fornecedores.
A moeda de troca do Pão de Açúcar era um tesouro que estava enterrado debaixo de uma camada de algoritmos: o grupo abriu para a indústria toda a base de dados de seus programas de fidelidade.
Os fornecedores têm acesso ao perfil de quem consome (e de quem ignora) seus produtos, e podem fazer ofertas ‘nichadas’. A identidade do consumidor é preservada. De acordo com o GPA, trata-se de um ganha-ganha: o grupo melhora sua margem bruta e tráfego, e o fornecedor aumenta a assertividade de seu produto.
“A indústria consegue entrar e verificar o cliente que ela quer impactar: os mais fiéis ou menos fiéis, os abandonadores…” diz Renato Camargo, gerente de programas de fidelidade do GPA. “Ele pode fazer um desconto só para quem compra a categoria mas não compra seu produto, por exemplo. Ou para quem compra o produto de menor valor da marca e poderia subir para uma categoria mais premium. A oferta vai direto para esse cliente, sem passar pelo GPA.”
No modelo tradicional, quando decide dar desconto em algum produto, o fornecedor tem que abrir mão da margem em contratos que envolvem volumes expressivos negociados direto com o supermercado. Com o novo sistema, ele pode decidir ‘promocionar’ para, por exemplo, apenas 100 mil pessoas. Quando uma pessoa ativa e compra com o preço da oferta, é só este desconto que impacta sua linha de custo.
“O varejo não pode se dar ao luxo de investir numa promoção sem saber qual é o retorno. Com a nossa plataforma, o fornecedor consegue ver quase em tempo real o que está acontecendo, quanto [a promoção] está rendendo e qual o real interesse por cada oferta. Como o investimento é mais assertivo, dá pra fazer promoções mais relevantes para o consumidor”, diz Camargo.
A iniciativa vem num momento em que o GPA precisa fortalecer sua bandeira mais premium, o Pão de Açúcar, que acabou negligenciada nos últimos anos com o avanço do atacarejo e das lojas de bairro.
Num segundo trimestre de bons resultados para o grupo, o Pão foi o destaque negativo, com o faturamento em queda de 1%, e a direção já sinalizou que vai focar na bandeira, reformando suas 15-20 maiores lojas nos próximos trimestres. (O Pão tem 185 lojas.)
Além dos descontos, a ideia do aplicativo é melhorar a experiência de compra. Em breve, os apps devem ganhar funções que mostram o mapa das lojas, apontando onde fica cada produto e categoria, e uma ‘fila virtual’ em que o cliente pode agendar a hora que quer passar no caixa para evitar as filas.
O app muda também a equação das estratégias promocionais que fizeram com que a bandeira Extra retomasse o fôlego nos últimos trimestres, após anos comendo poeira do Carrefour.
Um dos pilares da revitalização do negócio de hipermercados foi a promoção ‘1, 2, 3 passos da economia’, com descontos de 20% na compra da primeira unidade, 50% na segunda e a terceira de graça — que se provou acertada, mas à custa de rentabilidade.
O custo dos descontos era normalmente dividido entre o Extra e o fornecedor, numa conta em que o volume de vendas compensa a perda de margem. Agora, o GPA está usando o app como uma ferramenta para rever sua agressividade promocional e melhorar a relação com os fornecedores.
Segundo Camargo, a demanda do ‘Meu Desconto’ por clientes do Extra vem surpreendendo. Nos primeiros dias após o lançamento, a maior parte dos downloads acontecia por clientes do Pão de Açúcar — de mais alta renda e, portanto, mais habituados aos apps e a programas de fidelidade.
Conforme as ofertas foram circulando, via campanhas publicitárias e no boca a boca, a balança se inverteu, e cerca de 65% dos downloads agora são feitos por clientes do Clube Extra.
No Extra, o clube de fidelidade é mais recente, apenas de 2013, e soma cerca de 7 milhões de clientes. Já o ‘Cliente Mais’ do Pão de Açúcar foi lançado há 17 anos, quando programas de fidelização eram quase exclusividade das companhias áreas, e hoje tem mais de 4 milhões de usuários.
O desenvolvimento do aplicativo e do sistema levou cerca de seis meses. A ideia do ‘Meu Desconto’, nascida no Brasil, já foi apresentada na França e em breve deve ser replicada por outras empresas controladas pelo Casino.
E quando a concorrência decidir replicar? “Estamos na frente, voltando a ter aquela pegada de inovação que pautava o GPA. É a evolução do varejo: no mundo da informação, não dá mais para ter aquele ‘black box’ com o fornecedor como era nos anos 80.”