Em sua missão de achar o novo motor de crescimento para a Kroton num Brasil pós-FIES, o CEO Rodrigo Galindo está trabalhando para transformar a Somos — sua aquisição mais recente — no ‘one-stop shop’ das escolas do ensino básico.
“Estamos restruturando completamente o nosso go-to-market, organizando os serviços e soluções que já existiam na Kroton e na Somos e preparando uma nova oferta,” disse o CEO Rodrigo Galindo. O rollout acontece a partir de abril.
Galindo quer que a Somos se torne uma plataforma de soluções que seja leve em ativos, gere recorrência de receita e tenha potencial de crescimento. Não por coincidência, este modelo de negócios é hoje o ‘holy grail’ dos investidores: tudo que é “as a service” tem um ROIC parrudo e merece um múltiplo equivalente.
Até agora, a Somos já vendeu um ou mais destes serviços a 4 mil escolas parceiras, mas o mercado é muito maior: o Brasil tem 33 mil escolas privadas no ensino básico, 17 mil delas de porte médio ou grande.
Nas escolas que já atende, a Somos vende, em média, apenas 35% dos produtos em seu portfólio, uma penetração que a companhia quer aumentar.
No Brasil, o mercado de K-12 — que vai do jardim de infância ao ensino médio — gira R$ 100 bilhões por ano em mensalidades, e a Kroton hoje morde apenas 1% dessa torta.
Uma outra forma de atacar este mercado — e monetizar a base da Somos — é o projeto de ‘escolas aliadas’, que será implementado a partir do segundo semestre de 2020.
A Kroton está se preparando para oferecer as soluções operacionais de que toda escola precisa: cobrança, gestão de folha, back office, contabilidade e marketing digital. Hoje, as escolas gastam em média 35% de sua receita nestas soluções de G&A — atividades que elas não gostam ou não sabem fazer bem.
“Este processo é disruptivo porque ele é todo baseado em tecnologia e é capaz de viabilizar as pequenas escolas, que vão poder ter um serviço de mais qualidade por um custo mais baixo,” diz Galindo. “É um projeto ainda, que precisa se provar. Mas a lógica é que eu consigo fazer uma parceria com a escola e obter um ROIC mais alto que qualquer negócio, porque eu não preciso ser dono do ativo.”
Para implementar essa estratégia, a Kroton mudou sua filosofia de apenas “go digital” para incluir “be digital”. A principal diferença: aceitar que vai cometer erros no processo.
A companhia falou com 25 especialistas em transformação digital e, começando em abril de 2018, em apenas sete meses tombou 100% de seu pessoal de TI para times “ágeis” de desenvolvimento, seguindo o SAFe (Scaled Agile Framework), uma forma de trabalhar que permite a grandes organizações facilitar o gerenciamento de tarefas com vários desenvolvedores integrados.
“Não temos mais o time de TI e o time de negócios. Temos 53 times ágeis de desenvolvimento,” diz o CEO.
Os ministros da Educação e da Justiça assinaram um protocolo de intenções para investigar indícios de corrupção no MEC, e vem se falando em uma “Lava-Jato da Educação” — o que inclusive tem pesado sobre as ações do setor. Vocês já tiveram algum tipo de interlocução com o MEC nesse sentido? O que pode dizer aos investidores preocupados com esse processo?
Não, a gente não teve nenhuma interlocução. Do nosso lado, apoiamos qualquer iniciativa que venha para garantir que o recurso que deveria ser destinado às pessoas que precisam da educação se beneficiem dele. Se tem qualquer indício de que qualquer instituição não está aplicando devidamente, tem que se investigar. Estamos super confortáveis de que não existe nenhum motivo associado a essa iniciativa que justificaria qualquer tipo de movimentação [das ações da Kroton] . Estamos super tranquilos.
Com o fim do Fies e a economia fraca, a sua base de alunos está estável e vem até caindo, apesar da abertura de novos campus. Esse é o ‘novo normal’ da Kroton?
Desde 2017, estamos num momento atípico que é a formatura das grandes safras de alunos de Fies – basicamente, a última grande safra de Fies se forma este ano, então a gente deve voltar a ter crescimento. A questão é que esses alunos de Fies tem evasão mais baixa. Conforme você vai perdendo alunos Fies, naturalmente a taxa de evasão fica mais alta. Vamos terminar o ano com praticamente 6% do total de alunos sendo Fies, contra os 10% atuais [considerando presencial e EAD] . Esse percentual já foi mais ou menos de 20% ou 23%, no consolidado.
Mas esse ‘crescimento’ é um efeito estatístico, não? O crescimento não vinha exatamente de o aluno poder estudar “de graça”, financiado pelo governo?
Você abaixou a base, mas a partir disso deve voltar a crescer. O que imaginamos é que vamos crescer em patamares superiores aos do mercado.
Além do fim do Fies, houve o efeito da recessão. Você acredita que com a economia voltando vai haver aumento de matrículas?
Do ponto de vista econômico, o principal indicador que nos afeta é o desemprego. Devemos ter uma melhora significativa nas nossas matrículas quando a gente começar a ver o desemprego cair.
No mercado há uma preocupação de que essa redução de base seria mais estrutural, porque a pirâmide etária está mudando, o número de formados no ensino básico não aumenta e o estoque de ‘working adults’ que não tinham formação já foi em grande parte atendido nos anos de financiamento barato. Você concorda com isso?
Não, não vemos isso na captação. A redução da base não tem sido na captação, que tem crescido. Ela está mais relacionada a um aumento da evasão, por conta da redução da quantidade de alunos Fies que já comentei, que tem evasão mais baixa.
Mas o número de inscritos no Sisu [o sistema que permite que a nota do Enem seja utilizada para entrada em curso superior] tem caído, o que indica que os potenciais entrantes na faculdade estão diminuindo. O que explica essa redução?
Essa relação [entre Sisu e matrículas] não é tão direta, porque temos uma demanda represada histórica. A taxa de penetração do ensino superior no Brasil ainda é de 17%, muito baixa. O grande desafio do ensino superior no Brasil é affordability [capacidade do aluno de pagar].
Affordability tem dois jeitos de resolver: com algum tipo de financiamento – seja público ou privado – ou melhora na economia, que significa mais capacidade de pagamento. Se algum desses elementos acontecerem, acho que temos uma recuperação importante do cenário, não vejo uma questão estrutural.
E tem alguma conversa com bancos ou parceiros para esse financiamento privado deslanchar de alguma forma?
Não, não existe nada estruturado.
Como está o diálogo com o novo governo?
A gente não teve — nem via associação, nem via empresa — nenhum contato com o novo governo.
Nos últimos semestres, houve uma agressividade muito grande de preço por parte das faculdades privadas, com descontos expressivos, especialmente nas primeiras matrículas. Como está a captação neste começo de ano?
Não posso dar muita informação, nada que seja prospectivo, mas o que posso passar qualitativamente é que estamos alinhados com todas as expectativas, não houve nenhuma surpresa. Estamos bem alinhados com as metas que a gente tem, estamos bem confortáveis.
Mas a dinâmica é parecida com a de anos anteriores?
Desde o início do ano, nossa perspectiva mudou bastante para 2019. Nossa expectativa inicial era de que 2019 seria de queda em todos os indicadores e 2020 seria o ano da inflexão. Antecipamos o ano de inflexão dos indicadores financeiros, principalmente geração de caixa e ‘cash conversion’ [conversão de EBITDA em caixa].
Desde 2017, com um afrouxamento na regulação para credenciamentos nos polos de ensino à distância, houve uma disparada na oferta. Como você tem visto a competição?
Nos produtos menos sofisticados, aqueles com 100% da operação à distância, temos uma competição maior e impacto em preço. Por isso, melhoramos o portfólio. Quanto mais características de presencialidade o curso à distância tem, menos sujeito a impacto de preço você está. Hoje, praticamente 80% dos nossos alunos do EAD tem pelo menos um encontro presencial e boa parte deles tem três encontros presenciais por semana. Isso aumenta a percepção de valor, tanto é que a gente tem conseguido manter a receita praticamente estável e margem até cresceu um pouquinho nos últimos anos.
Mas a receita está estável num momento em que houve aumento do número de polos, certo? Ou seja, a receita por polo está diminuindo.
Exatamente, a estratégia é crescer o número de polos para não perder receita. O mercado está competitivo, mas com estratégias inteligentes e complementares temos conseguido responder a esse aumento de competição. Houve um salto de competição muito grande em 2017 e 2018 e agora vai ter uma estabilização. Não estamos vendo um salto de competição em 2019 e acredito que, em algum momento, o mercado se equilibra de novo, com uma redução desses polos, porque o crescimento foi muito grande nos últimos anos.
Além de vocês, a Eleva, o Grupo SEB e o Positivo estão atuando como consolidadores no K-12. Como tem sido a concorrência pelos ativos de educação básica?
Não posso te dizer como está a competição hoje porque a gente não está em processo de prospecção. Pelo menos no primeiro semestre de 2019 não estamos fazendo aquisições de colégios de educação básica, porque ainda estamos assumindo a plataforma [da Somos] e fazendo o processo de integração. Tem muito valor para gerar melhorando a qualidade de integração das escolas que a gente já adquiriu em Somos, aumentando a qualidade de serviço.
A Kroton tem uma margem EBITDA bem alta, que beira os 40%, e a Somos tem uma margem mais baixa. O que podemos esperar nas margens da empresa combinada?
Não deve ter uma mudança tão significativa no perfil de margem da organização com a entrada de Somos, até porque tem muita sinergia para capturar e oportunidades de gerar valor. A base de que se parte é pouco relevante. O valor está no que podemos extrair daqui para a frente.