Um investidor vendeu ontem 10 milhões de ações da BRF, o equivalente a 1,25% do capital da companhia.
O block trade executado pela corretora BTG Pactual começou a R$ 21,25 e acabou saindo a R$ 21,32.
A compra foi pulverizada, e tudo o que se sabe é que o vendedor era um investidor local — o que gerou especulação de que os fundos de pensão podem estar reduzindo sua participação na companhia. Os maiores acionistas da BRF são a Petros, com 11,5% do capital, e a Previ com 9,5%.
Na sexta-feira passada, a Kapitalo anunciou que montou uma posição de 5% na companhia — cerca de R$ 800 milhões — o que a transformou no quarto maior acionista da BRF. Segundo fontes próximas à gestora, a Kapitalo não tem uma agenda ativista.
Como uma das poucas grandes corporations brasileiras, sempre há investidores apostando que a BRF pode ser um alvo óbvio para algum grande private equity ou mesmo um investidor estratégico — seja o clássico “algum chinês” que frequenta todas as teorias de M&A, ou a também veterana de boatos Tyson Foods — mas não há elementos para acreditar que qualquer movimento do gênero esteja acontecendo ou seja iminente.
O fato é que a empresa parece barata, mas não está sozinha. Um dos grandes mistérios do mercado este ano é por que as companhias de proteína não andam. A JBS — ainda mais descontada que a BRF em termos de cashflow yield — nunca gerou tanto caixa, mas o papel continua atolado no R$ 22-23 como um zebu no Pantanal.
Na BRF, a dupla Pedro Parente-Lorival Luz fez avanços significativos nos últimos dois anos e parece estar adiantada em suas metas de desalavancagem e rentabilidade. A BRF deve entregar este ano uma margem EBITDA em linha com suas margens históricas de 12%, e é possível que a alavancagem caia para 2,5x — ainda que, e este é um ponto importante, a contabilidade pelo IFRS remova cerca de R$ 600 milhões em despesa anual e ajude a margem EBITDA em quase 2 pontos.
O argumento dos comprados é claro.
Apesar dos avanços, a ação está no mesmo preço de dois anos atrás e cai 39% desde o início do ano — 25 pontos percentuais pior que o Ibovespa. O papel negocia a 6,1x o EBITDA esperado para os próximos 12 meses, um desconto de 29% em relação à sua média histórica de 8,8x, fazendo da BRF “a companhia mais descontada do setor de proteínas em termos relativos,” segundo o JP Morgan.
Nos múltiplos atuais, a BRF ainda negocia a um prêmio sobre JBS e Minerva Foods, ambas ao redor de 5,5x EV/EBITDA, mas este prêmio já foi muito maior. Cinco anos atrás, no auge do envolvimento da Tarpon com a companhia, que acabou em desastre, o papel negociava a R$ 70. Hoje, negocia a R$ 21.
A BRF é um ativo estratégico — um dos maiores players de proteína do mundo — com marcas fortes e share dominante no Brasil e em países do Oriente Médio.
A companhia se beneficia de um momento em que a China enfrenta escassez de proteínas e a debacle da moeda brasileira aumenta a competitividade do agronegócio. “Com essa desvalorização da moeda o Brasil ficou muito competitivo: os produtores de milho, frango, arroz… tá todo mundo vendendo a preços em reais que nunca viram antes,” disse um investidor.
Os comprados vêem a alavancagem como um copo meio cheio: a companhia gerou caixa no último semestre para começar a desalavancar, e com o tempo a redução da dívida no balanço dará espaço à valorização do equity.
Ainda assim, alguns investidores ficaram desapontados no ano passado, quando a companhia não surfou a febre suína que dizimou o rebanho da China na intensidade que eles esperavam. “Quando aquilo aconteceu, a expectativa foi pra lua,” diz um investidor. “A companhia foi bem, mas o mercado esperava o extraordinário.”
A dúvida agora é se o setor está perto do pico do ciclo e se os meses à frente podem ser menos favoráveis. Nos últimos meses, a inflação dos grãos no Brasil está muito à frente da inflação das proteínas, e a compressão de margem que está acontecendo agora pode aparecer nos próximos trimestres.
No início da pandemia, a BRF não repassou a alta de preços temendo um risco reputacional, na visão de gestores. Mais recentemente, a companhia começou a fazer reajustes, e agora que a inflação de alimentos está generalizada, talvez haja mais por vir.