Os relacionamentos estão cada vez mais líquidos, e a pandemia – de tanto juntar a gente debaixo do mesmo teto – afastou muitos casais.
Ainda assim, o amor perdura.
Há os casais tradicionais, a tal “base da família,” e há os casais que tiveram que brigar com o mundo para sê-lo.
Há os velhinhos que estão juntos há 50, 60 anos – um testamento à capacidade humana de aturar qualquer coisa. Há os que separam ‘amor’ de ‘sexo’, como Rita Lee, e há os que não fazem mais sexo mas continuam ali, juntinhos.
Há, por fim, os românticos incuráveis, que insistem e perseveram nesta causa perdida chamada amor (mas que talvez devesse chamar-se idolatria) – e são estes seres idealistas, estes dom quixotes do coração, que compram flores no Dia dos Namorados e fazem tudo valer a pena.
No Flower Bar, no Shopping Iguatemi, o dia quente e abafado de São Paulo pesava impiedoso sobre as bromélias, as camélias, as dálias e os antúrios – que suavam numa sombra, esperando uma brisa que nunca vinha.
As estrelas desta temporada, nos disseram as floristas, eram as tulipas vermelhas, as mais requisitadas. Talvez por serem lindas e instagramáveis – descobrimos no Google que elas significam “amor verdadeiro” – ou talvez porque os farialimers não resistam à flor que encarnou a maior especulação financeira da história.
Despeitadas – mas nunca despetaladas – as rosas inglesas e colombianas mantinham-se em seu canto esperando o arranjo floral que lhes desse a dignidade de ser úteis.
O Flower Bar é a criação de uma outra flor – uma espécie transplantada do Pampa argentino para o topo da Serra do Mar. Há 12 anos no Brasil, a argentina Lucila Hoberman fundou aquele cantinho lá se vão seis primaveras, inspirando-se na arte brasileira e na diversidade da nossa flora.
“Burle Marx deu protagonismo a flores e folhagens exuberantes,” me disse Lucila. “Ele descobriu novas espécies e valorizou o Brasil em seu paisagismo. Tudo isso foi uma grande inspiração para mim.”
No catálogo da loja, arranjos florais incríveis homenageiam Caetano, Maria Bethânia, Carybé, Gil, Ney Matogrosso, Tarsila do Amaral, Vinícius de Morais e, naturalmente, Burle Marx – o único ‘marxista’ que a Faria Lima endossa.
Mas como não existe free lunch, beleza e poesia têm preço, e um arranjo do Flower Bar pode chegar a R$ 1.500,00.
As três floristas se desdobravam para a montagem dos pedidos que chegavam por whatsapp, enquanto algumas clientes buscavam arranjos para seus respectivos amados – com um pendor para dálias e antúrios brancos.
O Santo Graal do Dia dos Namorados, porém, não estava disponível: faltavam peônias em São Paulo. Cultivadas em regiões de clima frio, não é fácil encontrá-las no Brasil, o que as torna disputadas quando chegam por aqui.
E se ainda havia alguma dúvida de que o amor continua vencendo todos os obstáculos – a guerra, o iPhone, o jogo do Palmeiras – aparece um cliente que nos conta sua história (sem jamais revelar seu nome).
Era um empresário que acabara de conhecer pessoalmente a vendedora de uma loja do Iguatemi com quem já falava por aplicativo há algum tempo. Jubilante, não teve dúvidas: tulipas vermelhas para a candidata a rainha.
“Cinquentão quando fica apaixonado fica bobo,” ouvimos ele dizer à florista.
Ela apenas sorriu.