A família Gerdau é um dos nomes mais conhecidos do capitalismo brasileiro. O comando da siderúrgica já está na quinta geração da família que, ao longo do tempo, construiu um império que já tem presença relevante até nos EUA. Este sucesso credenciou o patriarca da família, Jorge Gerdau, a pontificar inclusive sobre a governança no setor público.
Mas, no mercado de capitais, onde a companhia tem sócios, o nome Gerdau enferrujou.
Nos últimos meses, vários movimentos da família Gerdau foram hostis a seus acionistas minoritários, levando alguns investidores a especular o impensável: que os controladores da Gerdau querem, intencionalmente, reduzir o valor da empresa.
Essa crescente percepção de desalinhamento deve ter repercussões de longo prazo sobre o valor de mercado da Gerdau, que tem sido impactado conjunturalmente pela implosão do preço do minério.
No mais recente destes movimentos — uma cambalhota societária anunciada na terça-feira — a Gerdau resolveu gastar quase 2 bilhões de reais recomprando participações minoritárias em suas controladas — uma operação descrita por investidores com termos como ‘economicamente ilógica’, ‘indefensável’ e prejudicial à empresa.
Para ficar apenas em um número: a Gerdau está pagando quase 2 bilhões de reais por participações que vão contribuir com uma geração de caixa (EBITDA) de apenas 100 milhões de reais por ano. Ou seja, a empresa pagou um múltiplo de 20 vezes EBITDA, num momento em que sua própria ação negocia a 6x — um mau negócio.
“Essa reestruturação faria todo sentido, desde que eles estivessem pagando algo próximo ao valuation da empresa,” diz um gestor cujo fundo liquidou uma pequena posição que tinha em Gerdau depois da notícia.
O Fato Relevante da operação não continha sequer a identidade dos vendedores das participações, e a Gerdau julgou desnecessário fazer uma teleconferência com investidores para explicar a lógica de uma operação de 2 bilhões de reais. Com isso, o mercado afogou em especulações.
Uma teoria é de que esta operação pode ser apenas o preâmbulo de algo maior — por exemplo, uma venda de ativos — mas uma fonte da Gerdau disse à coluna que a operação “tem um fim em si mesma,” o que parece descartar aquela hipótese.
“O mercado não deveria ter que adivinhar o que vai na cabeça dos controladores,” diz outro gestor. “Isso é péssimo para a empresa.”
E como para o investidor de Bolsa a única coisa pior do que perder dinheiro é não saber por que está perdendo, a transação derrubou a Gerdau em 7% e a Metalúrgica Gerdau, em 11%.
Este foi o segundo movimento da Gerdau, este ano, que fez seus minoritários espumarem de raiva.
No final de março, a Gerdau e sua controladora, a Metalúrgica Gerdau, consideraram abandonar aquele que já é o nível de governança da Bovespa que oferece a menor proteção aos minoritários: o chamado nível 1.
A Bovespa proíbe que, nas empresas listadas em seus três principais níveis de governança, o CEO da companhia acumule a função de presidente do conselho, e a Gerdau acabara de anunciar que a presidência de seu conselho seria dividida entre André Gerdau (o CEO) e Cláudio Gerdau Johannpeter.
Só naquele dia, as ações da Gerdau e da Metalúrgica perderam cerca de 9%. Um mês depois, com o dano à credibilidade dos controladores já feito, a empresa voltou atrás.
Os controladores informaram que votariam a favor da permanência das empresas no nível 1, mas a mensagem estava dada: uma governança que favoreça os minoritários não é a prioridade da família.
Nos últimos 12 meses, a Metalúrgica Gerdau está em queda de 73% e sua controlada, a Gerdau SA, tem queda de 52%, em linha com o setor.
O comportamento da Gerdau em relação a seus minoritários mostra que o patrimonialismo brasileiro está vivo e saudável, apesar de todo o avanço institucional nas estruturas de mercado e de governança nos últimos 20 anos.
“O empresário brasileiro gosta do mercado de capitais quando isso significa que ele vai ter acesso a recursos a um custo mais baixo,” diz um investidor de private equity. “Mas quando o mercado se vira contra ele, ele liga o F. É impressionante o número de empresários que se arrependem de ser listados hoje.”
A história da Gerdau no mercado de capitais é marcada por episódios traumáticos de desalinhamento entre controladores e minoritários.
Foi só em 1996, quando se preparava para lançar seus ADRs no mercado americano, que a Gerdau tirou do seu estatuto as chamadas ‘partes beneficiárias’: antes de dividir o lucro equitativamente entre seus acionistas, a Gerdau separava 10% do resultado para a família.
Este ‘dízimo’ se traduzia em menos dividendos para os demais acionistas e, acima de tudo, garantia que a família sempre tinha dinheiro suficiente para acompanhar as sucessivas chamadas de capital e manter o controle das empresas. Quando a família foi forçada pelo mercado a abdicar deste direito obsoleto, um dos acionistas controladores, Frederico Gerdau Johannpeter, disse à Folha: “Acabou a moleza. Agora, é viver de dividendos”.
Mas dez anos depois, a família tentou outra ‘moleza’: fazer a Gerdau pagar royalties pelo uso do nome da família. Uma forte reação liderada por investidores — incluindo Mark Mobius, da Templeton — fez a família recuar da proposta, que previa o pagamento de 0,6% da receita líquida de algumas controladas aos Gerdau.
A Gerdau tem ainda outra frente de atrito com os minoritários: o uso de um subterfúgio, pela Metalúrgica Gerdau, para evitar fazer uma oferta pública aos acionistas da Gerdau ON .
“Tudo isso que tem acontecido na Gerdau lembra aquela estória do escorpião que pega carona nas costas do sapo para atravessar o rio,” diz essa fonte. “Quando estão no meio da travessia, o escorpião ataca o sapo e, antes dos dois morrerem, o escorpião diz ao sapo que não conseguiu se segurar: ‘É a minha natureza’”.
No ano passado, a Tarpon Investimentos tentou influir na Metalúrgica Gerdau . A gestora comandada por José Carlos “Zeca” Reis de Magalhães comprou pelo menos 20% das ações PN na Bolsa, tornando-se o maior acionista individual e nomeando dois conselheiros.
A Tarpon queria que a Metalúrgica aumentasse sua recompra de ações em vez de investir no aumento da capacidade em suas usinas. Não conseguiu nada e, há três meses, deixou o conselho.