Se no Brasil até o passado é incerto, na Justiça do Trabalho a incerteza é ainda maior.

Apesar de ter prevalecido no Supremo Tribunal Federal o entendimento de que não há vínculo empregatício entre entregadores e motoristas de aplicativos e as plataformas para as quais eles prestam serviços, os juízes do Trabalho têm decidido de outra maneira.

O iFood saiu derrotado hoje de uma Ação Civil Pública movida em 2021 pelo Ministério Público do Trabalho.

Por 2 votos a 1, os desembargadores da 14ª Turma da 2ª Região do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo (TRT 2) decidiram que existe sim vínculo trabalhista dos entregadores com a plataforma de pedidos – e condenaram o iFood a pagar uma indenização de R$ 10 milhões.

O entendimento reforma a decisão da primeira instância, na qual uma juíza havia decidido contra o vínculo.

No STF, depois de várias decisões monocráticas de seus ministros, a 1ª  Turma do STF decidiu de maneira unânime, em dezembro de 2023, que não existe vínculo.

Além de passarem por cima do STF, os juízes da 14ª  Turma do TRT 2 resolveram inovar e criar uma maneira de calcular o tempo de hora trabalhada. Pela decisão dos desembargadores, o vínculo se dá pela hora trabalhada entre o recebimento de uma chamada e a entrega das mercadorias.

Existe na Câmara um Projeto de Lei Complementar que propõe uma regulamentação em que as horas trabalhadas pelos motoristas e entregadores sejam calculadas pelo tempo de trabalho efetivo, e não pelo período em que estejam logados às plataformas – mas, até onde se tem notícia, o PLP encaminhado pelo Executivo em março não fala em vínculo e ainda não foi apreciado pelos parlamentares.

A decisão do TRT não tem efeito imediato, e o iFood disse que entrará com recurso.

De acordo com a plataforma, o entendimento dos juízes “destoa de decisões recentes do próprio TRT e gera insegurança jurídica para o setor de delivery ao estabelecer um modelo de vínculo empregatício por hora trabalhada, que não tem previsão na legislação atual e não seria viável diante da dinâmica flexível e autônoma do trabalho por aplicativo”.

“A determinação impõe a uma única empresa obrigações que, se cabíveis, deveriam ser discutidas para todo o setor, o que atrapalha a competitividade do mercado, cria assimetrias e prejudica o modelo de negócio do iFood,” diz a nota.

Segundo a empresa, a sua plataforma atende mais de 380 mil estabelecimentos e 360 mil entregadores. 

Executivos do setor receberam a notícia com preocupação, porque era uma questão que já parecia pacificada, mas voltou a ganhar força nos tribunais trabalhistas.

Na terça-feira, a 99 saiu vencedora em uma ação semelhante a esta contra o iFood, mas a votação foi apertada. A relatora tinha votado a favor do vínculo, mas dois outros desembargadores se posicionaram de maneira contrária.

André Porto, diretor-executivo da Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia (Amobitec), disse que as discussões regulatórias sobre o trabalho intermediado por plataformas estão sendo realizadas no Executivo e no Legislativo com a colaboração dos representantes dos trabalhadores e das empresas. Para Porto, a redução da incerteza jurídica requer a construção de uma legislação específica.

“Defendemos historicamente a regulamentação na esfera legislativa, com o reconhecimento da natureza de trabalho autônomo exercido por motoristas e entregadores por aplicativo, assegurando direitos como o pagamento mínimo por hora efetivamente trabalhada, não hora logada – porque muitos trabalham logados a mais de um aplicativo,” disse o executivo.

Enquanto a nova lei não é aprovada, o setor espera uma definição mais ampla do STF, com uma decisão plenária de alcance geral.

Na próxima semana, haverá no Supremo uma audiência pública para discutir o vínculo em um processo que envolve a Uber e cujo relator é o Ministro Edson Fachin.

O STF decidirá sobre um recurso da Uber questionando uma decisão em que o Tribunal Superior do Trabalho (TST) entendeu que a relação do motorista com a plataforma cumpria os requisitos da CLT para configurar vínculo empregatício.

Espera-se que esse julgamento tenha repercussão geral e crie a jurisprudência que valha para todos os milhares de processos relacionados ao tema. Caso prevaleça o posicionamento contrário à existência do vínculo, restará saber se os juízes trabalhistas vão acatar o veredicto do Supremo.

LEIA MAIS

Sete anos depois, a Reforma Trabalhista está em córner