A cada movimento no tabuleiro, Marcos Molina está reescrevendo o manual sobre ‘takeovers de fato’ no Brasil.
A BRF chamou um aumento de capital de R$ 6,6 bilhões dizendo que o objetivo da companhia é desalavancar, mas a operação – que equivale a 30% do capital da empresa – parece ter sido desenhada mesmo para resolver a situação da Marfrig na empresa.
Numa jogada ousada em meados deste ano, a Marfrig – controlada por Molina – comprou ações da BRF no mercado até estacionar numa posição de 31,67%.
Parou por aí porque, pelo estatuto da BRF, o acionista que atingir 33,33% do capital precisa fazer uma oferta por toda a companhia com 40% de prêmio.
Mas – e essa é a Pegadinha do Dia – o estatuto também diz que essa oferta não é disparada se o acionista superar os 33,33% “subscrevendo ações em uma única emissão primária, aprovada em assembleia” – exatamente o caso da operação anunciada ontem.
Nas contas de analistas, se a Marfrig ficar com todas as ações do aumento de capital, ela terá o controle da BRF, ou 51% das ações.
Para conseguir isso, Molina teria que oferecer um prêmio pelas ações ofertadas no follow-on de tal forma a deixar desinteressante para outros acionistas acompanharem a operação. Para a base acionária, não seria tanto problema ser diluído por um preço superior ao de mercado.
Se o plano der certo, será uma vitória espetacular para um empresário com fama de caipira e que mais erra que acerta as conjugações verbais – mas que desenhou e executou uma estratégia sofisticada (para não dizer brilhante) para conseguir, na prática, a fusão que o mercado rejeitou há dois anos.
Talvez até por isso, gestores e analistas especulam que a oferta poderia ser um ponto de entrada para algum outro investidor, interessado em atrapalhar os planos de Molina.
O timing do follow-on é particularmente surpreendente porque a BRF fechou ontem a R$ 20,40 – perto de sua mínima histórica, exceto pelo pior momento da pandemia. O preço médio da Marfrig estaria entre R$ 23 e R$ 24, segundo o próprio Molina disse numa entrevista.
O aumento de capital vai ser submetido à assembleia em 17 de janeiro. Os acionistas precisam aprovar a operação porque a emissão de ações excede o limite de capital previsto no estatuto. Como se trata de uma alteração de estatuto, o quórum necessário para a aprovação é de dois terços dos acionistas.
A chegada de Molina ao controle da BRF e a provável saída do CEO Lorival Nogueira e do chairman Pedro Parente não desagradariam os acionistas, que já vêm questionando a gestão da empresa.
A justificativa de que a operação resolve problemas de alavancagem da BRF também faz sentido. A relação entre dívida líquida e EBITDA, hoje em 3,5x, cairia para 2,5x.