Como investir em ações com um Governo protecionista, em meio a uma economia de baixa produtividade e um Estado interventor que beneficia setores?
Numa carta publicada na sexta-feira, a Atmos Capital tentou responder essa pergunta — e explicou como está se posicionando num momento de mercado em que escolher ativos de qualidade que sobrevivam ao ciclo é essencial para ter bons retornos.
A gestora de cerca de R$ 13 bilhões em ações disse que seu portfólio está dividido em três grupos.
O primeiro são empresas que permitem aproveitar o ‘carrego’ brasileiro — basicamente, companhias de energia com “retorno protegido do ponto de vista regulatório, acima das NTN-Bs de duration semelhante, e que contam com a opcionalidade de alocar capital nessa economia em modo de escassez.”
Nesta categoria, a Atmos tem na carteira nomes como Eneva, Equatorial, Compass e Energisa.
O segundo grupo são empresas de tecnologia com diferenciais competitivos “substanciais” e “exponencialidade de crescimento com retornos marginais crescentes.” O portfólio da Atmos tem big techs americanas, Mercado Livre e Nubank, de acordo com o 13-F da empresa.
“Nestes casos é importante se disciplinar no preço a ser pago de forma a não incluir todo o futuro brilhante na avaliação,” diz a carta. “Quando esses ativos se valorizam apressadamente, podemos vender opções em cima da posição para aumentar o carrego, aproveitando a volatilidade do mercado, e trazendo mais segurança para o investimento.”
O terceiro grupo é o que a Atmos chama de ‘oligopólios brasileiros’ — empresas que não dependem tanto do crescimento do PIB e se beneficiam de um ambiente econômico desafiador. “Os anos recentes expulsaram relevantes players locais e espantaram as multinacionais (…) Em ambientes hostis, sobreviver é o ato mais meritório.”
Nessa categoria talvez se encaixem Localiza, Hapvida, Grupo Soma e SmartFit, todas posições da gestora carioca.
Para a Atmos, Brasília “voltou a ser o centro gravitacional do País” neste Governo — “uma espécie de Pasárgada contemporânea, onde muito vale ser amigo do rei.”
Na carta, a gestora chega a atualizar o poema de Manuel Bandeira. “Vou-me embora pra Brasília / Lá sou amigo do rei / Lá tenho o subsídio que eu quero / Na planta que escolherei.”
“Em consequência do voluntarismo deste governo, além da vocação de transformar o estado em protagonista, torna-se inevitável refletir permanentemente a respeito de programas governamentais e subsídios potenciais,” diz a carta. “Um cuidado adicional deve ser a interpretação da potencial reforma tributária, assim como a ambição de aumento de receita do novo arcabouço fiscal sobre determinados setores (…) Qualquer empresa brasileira com carga tributária abaixo de 34% tem um alvo nas costas.”
Na carta, a Atmos diz que a herança de Bolsonaro para a economia não foi tão ruim quanto o atual Governo quer fazer crer — e faz uma dura crítica à narrativa e às ações que vêm sendo tomadas pelo Lula III.
A gestora reconhec a necessidade de recomposição de recursos do Orçamento para diversas iniciativas de amparo aos brasileiros mais vulneráveis, que os juros estão muito elevados, e que a luta pela reeleição legou gastos enormes e mal direcionados – mas diz que o legado de Bolsonaro está longe de ser uma ‘herança maldita’ no campo econômico, como sustenta o Governo Lula.
Para a Atmos, na parte econômica o governo Bolsonaro fez uma gestão “aceitável,” com reformas importantes, marcos regulatórios decentes, e um BNDES que foi gerido em nível próximo de um “gabarito corporativo”.
“Acima de tudo, afastou da economia um governo ativista que sufoca como um polvo as artérias da iniciativa privada.”
Já o Lula III está indo para o caminho oposto, com um discurso antiquado e obsoleto.
“As sofridas empresas públicas viraram tesouros e as privatizações tornaram-se atos entreguistas de lesa-pátria. Financiamentos internacionais desajustados são travestidos de inteligência diplomática e determinados setores primários tornam-se estratégicos. Por fim, impostos rudimentares já testados e refutados em dezenas de experiências mundo afora são criados,” diz a carta. “O protagonismo do estado volta a ser idealizado como a máquina necessária para resolver nossos problemas e trazer a tão sonhada prosperidade para todos.”
Apesar do cenário hostil para os mercados, a Atmos acredita que a melhor classe de ativo para estar posicionado hoje são as ações.
Na carta, a gestora compara o duration dos principais ativos de sua carteira com o de debêntures e títulos isentos atrelados à inflação, como CRAs e CRIs.
A conclusão é que uma eventual queda de juros teria um impacto muito maior nas ações do que nos títulos de renda fixa, “mesmo os atrelados à inflação com vencimentos longos, pois parte do principal é devolvido ao longo do tempo.”
A Atmos nota ainda que o CDI aumenta o estoque de riqueza no período de juros altos.
“Quando o ciclo se inverte e a redução dos juros se torna inevitável, este estoque turbinado pelo CDI tende a voltar para comprar ações,” diz a gestora. “Acrescentando um epílogo ao célebre comentário sobre a pequenez do mercado de ações brasileiros: Se a porta de saída das ações no Brasil é estreita, a porta de entrada não fica distante.”
Em outra carta, a Atmos discutiu a importância da contabilidade para o entendimento da real geração de caixa das empresas.