Auf wiedersehen, conservadorismo fiscal.
A coalização liderada por Friedrich Merz, o provável futuro chanceler da Alemanha, anunciou um ambicioso plano de expansão dos gastos públicos, com investimentos na defesa e na infraestrutura.
Descrita pelo Deutsche Bank como uma das maiores mudanças de paradigma desde a Segunda Guerra Mundial, a proposta cria mecanismos para que despesas militares e investimentos em infraestrutura não fiquem sujeitos aos severos limites de endividamento público do país.
O projeto propõe criar um fundo fora do Orçamento para bancar até € 500 bilhões em obras e projetos industriais que devem ser realizados ao longo dos próximos 10 anos. Já os gastos em defesa ficariam livres do limite atual de 1% do PIB.
O plano ainda precisa passar pelo Parlamento. Se aprovado, a Goldman Sachs estima que o PIB alemão pode crescer 2% em 2026, em vez do 0,8% previsto atualmente. Na avaliação do Bank of America, o projeto pode ser um “game changer” para a economia do país.
Nos mercados, o plano fez o índice DAX da Bolsa de Frankfurt pular 3,8% – e puxou os juros da dívida federal.
O yield dos Bunds com vencimento em dez anos abriu 0,31 ponto para 2,79%. Segundo o Financial Times, foi a maior alta diária desde 1997. Já a Bloomberg diz que o salto foi o mais intenso desde 1990, logo depois da queda do Muro de Berlim.
O pacote de gastos foi recebido como o momento ‘whatever it takes’ do establishment político alemão. Encurralados de um lado pelo avanço da extrema-direita do Alternativa pela Alemanha (AfD), e de outro pelas políticas e ameaças de Donald Trump, os partidos centristas puseram de lado antigos dogmas na tentativa de reanimar a economia e lidar com a nova geopolítica.
“A nova estratégia de destravar centenas de bilhões de euros para transporte, energia e construção é uma mudança dramática que evoca o discurso de Mario Draghi, o então presidente do Banco Central Europeu, para salvar o euro em 2012 – algo que se tornou sinônimo de determinação política,” disse a Bloomberg.
A União Democrata Cristã (CDU), o partido de centro-direita da ex-chanceler Angela Merkel e agora liderado por Merz, está em negociações para ter o apoio do Partido Social Democrata (SPD), de centro-esquerda, para formar o novo governo, após as eleições do mês passado.
Merz anunciou seu plano de aumento dos gastos em defesa e na infraestrutura ao lado de lideranças do SPD, o partido do chanceler Olaf Scholz, derrotado nas urnas.
“Estamos cientes das tarefas que temos pela frente e queremos dar os primeiros passos necessários,” disse Merz. “Tendo em vista as ameaças à nossa liberdade e à paz em nosso continente, o mantra para nossa defesa tem que ser: custe o que custar.”
Segundo o relato da Deutsche Welle, Merz disse esperar que os EUA cumpram no futuro “os compromissos mútuos” da OTAN. “Mas sabemos também que o financiamento para a defesa de nosso país e da aliança deve ser expandido agora de maneira significativa.”
Ainda como parte do plano, os 16 estados da federação passariam a ter permissão para tomar empréstimos equivalentes a até 0,35% de seus PIBs.
Segundo um relatório do Citi, o plano ficou bem acima do que era esperado. Somando os fundos para defesa e infraestrutura, o pacote deverá representar algo como 20% do PIB – algo ainda mais surpreendente diante do histórico de conservadorismo fiscal da CDU.
Para o banco americano, os políticos alemães querem demonstrar tanto para Trump como para Vladimir Putin que estão falando sério sobre ampliar os investimentos em segurança. Mas ainda faltam detalhes sobre o real alcance do plano e, na realidade, os números podem ficar abaixo do anunciado.
A dívida bruta da Alemanha está em 63% do PIB, um dos menores níveis entre as grandes economias globais – bem abaixo do endividamento de franceses, ingleses e americanos. A dívida brasileira, pelos critérios do FMI, está ao redor de 85% do PIB.
Sem a alteração das regras constitucionais, a eventual expansão dos gastos militares teria que ser feita a partir dos cortes em outras áreas – o que teria impactos negativos no já fraco crescimento econômico. A reforma necessita da aprovação de dois terços do Bundestag, o Parlamento alemão.
As emendas teriam que ser aprovadas antes do dia 24 de março, quando tomam posse os parlamentares eleitos no mês passado. Na nova configuração, os partidos de extrema-direita e de extrema-esquerda poderão formar um bloco para impedir a aprovação de alterações constitucionais.