Há aproximadamente 15 anos, publiquei com meu amigo Paulo Tafner o livro Demografia: a ameaça invisível, no qual chamávamos atenção para a importância das mudanças demográficas pelas quais o Brasil estava passando.
É inevitável lembrar da mesma expressão ao ver os números recentemente divulgados pelo IBGE ao projetar a evolução da população brasileira para os próximos 45 anos, até 2070.
A novidade foi bem coberta pela imprensa, exceto por uma omissão importante: de um modo geral, a comparação foi feita entre a “fotografia” futura e a “fotografia” atual da população, mas deixa de lado um elemento fundamental: a comparação da projeção feita agora com as que eram feitas no passado.
Ou seja, a essa altura todos sabemos que a população irá envelhecer, implicando em desafios sérios para o País – mas isso é “chover no molhado”. O relevante para efeito das políticas públicas é: o cenário mostrado difere ou não do que se tinha até então?
É aqui que residem os pontos mais interessantes. E, neste aspecto, a cobertura jornalística falhou, ao não ressaltar pontos que entendo serem fundamentais. Vou tratar de alguns deles aqui, focando nos três grupos etários mais importantes: genericamente, as crianças, os adultos e os idosos. Comecemos pelos primeiros.
O IBGE faz exercícios de projeção da população há muitos anos. Como se trata de uma parafernália enorme de informações, que envolve um monumental esforço de modelagem, não é algo trivial de ser feito com assiduidade.
As “rodadas” de revisão foram feitas nos anos de 2000, 2004, 2008, 2013, 2018 e, agora, em 2024, com algum atraso natural devido ao atraso na realização do Censo de 2020, adiado para 2022.
Sabia-se que a população de meninos e meninas estava encolhendo, mas o que a revisão recente nos trouxe de novidade é que isso está ocorrendo a uma velocidade bastante maior que a prevista.
Numa primeira olhada, o leitor pode concluir que são números parecidos, mas quero ressaltar o efeito cumulativo que isso tem. Vamos aos números: a revisão de 2018 nos dizia que em 2024 haveria 43,8 milhões de crianças de 0 a 14 anos e que em 2060 esse número cairia para 33,6 milhões.
O que o novo exercício de projeção nos diz é não apenas que há menos crianças já atualmente, pois seriam 42,1 milhões, como também que em 2060 serão 26,8 milhões. Em outras palavras, se para cada 100 crianças nessa faixa em 2024, em 2018 o IBGE nos dizia que em 2060 esse número diminuiria para 77, agora está nos dizendo que para a mesma base 100 em 2024, em 2060 o índice agora cairá para 64.
Mais ainda: em 2070, serão 57. Em outras palavras, mesmo que as despesas com este grupo etário específico se mantenham constantes no valor atual, o valor per capita aumentará 77% nas próximas décadas – um tema a ser levado em conta por qualquer administrador responsável ao decidir a alocação de recursos públicos.
Outra descoberta trazida pelo IBGE é que há cada vez menos mão-de-obra disponível – a população em idade de trabalhar. Sucessivas projeções do IBGE nos dizem há anos que o número de pessoas em idade de trabalhar aumentará a uma velocidade declinante e depois começará a cair em termos absolutos.
A novidade agora é que este processo vem se acelerando.
Tomemos como referência de “população em idade de trabalhar” o grupo de 15 a 64 anos. Naturalmente, outra definição numérica gerará conclusões um pouco diferentes acerca do ano da mudança, mas qualitativamente qualquer definição etária (20 a 59 ou 20 a 64 anos, por exemplo) irá apontar resultados parecidos.
Na revisão de 2018, o IBGE nos disse que este grupo etário de 15 a 64 anos cresceria gradativamente até o ano de 2037, e então começaria a declinar. Na revisão que acaba de ser divulgada, essa trajetória se inverte um ano antes, mas o mais importante é a informação da Tabela 2, na qual foi também adicionado o número referente à revisão anterior à de 2018, ocorrida em 2013.
Observe-se que a população “em idade de trabalhar” projetada para 2024 agora é 3% inferior à prevista em 2013. São 5 milhões de pessoas a menos!
Dada a dimensão do número de desempregados, é uma informação-chave para entender, por exemplo, porque o mercado de trabalho começa a ficar apertado e já há escassez de mão-de-obra em alguns campos.
Por último, um terceiro ponto a ser ressaltado: os idosos. Tão importante quanto saber quantos idosos teremos no futuro, é indagar qual será a relação de dependência entre esses idosos e a população que irá, com seu trabalho, sustentar o pagamento dos benefícios previdenciários desse contingente.
Aqui, é necessário olhar os dados da Tabela 3, que para efeitos comparativos e para dar uma ideia mais panorâmica da dinâmica do tema, traz também a projeção feita no ano 2000, na época até 2050.
A tabela mostra que não temos apenas um problema de envelhecimento relativo da população em relação à população em idade de trabalhar. O que os dados indicam é que esse fenômeno se acentua a cada revisão feita pelo IBGE.
Na projeção feita no ano 2000, em 2050, para cada 100 pessoas na faixa de 15 a 64 anos, haveria 25 na faixa de 65 anos e mais de idade. Na revisão atual, na mesma época, serão 37. Quase 50% a mais!
O que um país responsável faria diante disso? Ele iria se preparar melhor para o futuro.
E o que o Brasil tem feito? Permitir aposentadorias em idades absurdas (no meio rural, aos 55 anos!) e dar aumento real todos os anos – devido à legislação sobre salário mínimo aprovada pelo Governo Lula – para dois de cada três beneficiados do INSS.
Para piorar: permitindo adicionalmente uma expansão dos benefícios assistenciais de mais de 10% ao ano. O que nos remete à frase de Thomas Jefferson: “Tremo por meu país quando penso que Deus é justo”.
Vale a pena o leitor pensar no nome do partido anti-establishment que representa a extrema direita espanhola: “Se Acabó La Fiesta” (SALF). Setenta anos de irresponsabilidade fiscal na Argentina produziram o fenômeno Javier Milei.
Um dia a casa cairá. Vale a reflexão.
Fabio Giambiagi é pesquisador da FGV/IBRE.