Alexandre Bettamio diz que o Brasil está fora do jogo dos investimentos globais e precisa fazer o dever de casa se quiser voltar a atrair recursos de longo prazo.
“Nós não estamos no big league. Estamos numa partida de várzea,” o brasileiro que lidera o investment banking global do Bank of America disse ao Brazil Journal. “Estamos longe do centro das atenções do dinheiro grosso do mundo porque não temos o princípio básico, que é ter o selo de qualidade.”
O selo de qualidade é o investment grade, que o Brasil havia conquistado no primeiro governo Lula, mas perdeu na era Dilma.
Hoje há US$ 50 trilhões de fundos globais para investir em ativos com investment grade, enquanto o pool para ativos sem este selo é de apenas US$ 2 trilhões, disse Bettamio.
Há mais de 15 anos no BofA, Bettamio foi promovido a head da América Latina em 2013. A área hoje é a geografia com a maior margem de todo o banco, e tem crescido mesmo num período de adversidade do mercado.
Em 2023, assumiu como co-head de investment banking global, o que lhe dá uma visão sobre EUA, China, Europa e a própria América Latina.
Abaixo, os principais trechos da entrevista.
O ano começou com o mercado muito animado com as agendas de desregulamentação e corte de impostos do Governo Trump. Aí veio o ‘Liberation Day’ e as tarifas que estragaram um pouco essa festa. Que avaliação você faz do dano que isso causou à credibilidade dos Estados Unidos como o lugar mais seguro de investimentos do mundo?
Eu não acho que os Estados Unidos perderam a aura de reserva do mundo, ou de país de melhor qualidade de investimento. Eu acho que só perderam um pouco do glamour que tinham. Os EUA valem mais ou menos 27% do PIB mundial, mas o valor de mercado das suas empresas na Bolsa é 65% do market cap global. Isso era muito menos antes.
Então o que está acontecendo agora é uma realocação de capital, tanto que se você olhar Brasil, Europa e os países emergentes, eles estão em alta este anos, e é tudo dinheiro de gringo.
Então não houve um descrédito dos Estados Unidos?
Se você tira o barulho e olha os fundamentos da economia americana, ela está muito sólida, crescendo este ano de 1,7% a 2%, com uma inflação relativamente controlada. Pode ter uma alta agora pela questão tarifária, mas nossa visão é que essa inflação cai bem em 2026. Nossa visão também é que os juros caem no final do ano. Os EUA também estão com pleno emprego, e têm um excesso de liquidez.
A alavancagem média das empresas americanas está em 1,3x EBITDA. Em 2000, quando estourou a bolha da Nasdaq, era 4x. O money market account, que é nosso ‘CDIzão’, tem mais de US$ 7 trilhões. Era US$ 3 trilhões na média dos últimos 10 anos. Tem muito dinheiro empoçado. Os depósitos bancários estão no all-time high. O cash balance das companhias all-time high. Os private equity funds têm um dry powder de quase US$ 4 trilhões, ou seja, dinheiro levantado nos últimos 2 ou 3 anos que não foi investido ainda. É muito dinheiro. E quando você olha o estoque de ativos que os fundos têm para vender é gigantesco. Deve ser na ordem de US$ 3 trilhões.
Então, do ponto de vista dos fundamentos da economia, os Estados Unidos continuam fortes, continuam sendo o país de maior inovação. Ainda é o centro acadêmico de excelência. Você tem rule of law, uma economia pujante, mercado consumidor forte. Então é muito difícil competir contra isso.
Entre as violações institucionais que o Governo Trump tem cometido e as tarifas, você não acha que vai haver um slowdown significativo da economia, dada a incerteza gerada?
Eu acho que o nome do jogo é volatilidade e incerteza. Você tem ainda uma incerteza razoável porque a verdade é que a questão das tarifas não acabou a discussão. Você tem um prazo. Até julho vamos saber. Então existe uma incerteza, e como consequência uma ‘vol’ razoável. A ‘vol’ este ano tem sido muito forte comparado com o ano passado. E toda vez que a ‘vol’ cresce muito, o capital freia, deixa de ser investido, e ninguém consegue captar nada.
Mas foi só dar uma acalmada nessas últimas três semanas que você teve mais de 100 ofertas de ECM [equity capital markets], que é algo expressivo. Ofertas de convertibles, block trades, IPOs, follow-ons. E só porque a ‘vol’ baixou. Isso mostra o capital reprimido, a vontade de fazer negócios.
Mas você tem que ter uma certa credibilidade, uma certa pacificação de mercado para você poder operar. E o mercado está operando agora com a visão de que as tarifas vão ficar em patamares razoáveis, que não terão como consequência um impacto na economia que gera uma recessão.
Qual a chance de uma recessão nos EUA hoje?
O mercado precifica uma chance de recessão de 35%, e o nosso call também é esse. Mas não estamos vendo por enquanto nenhum indicador que a gente possa dizer com certeza que o cenário está preocupante. O que tem é uma preocupação por conta dessas incertezas, fruto de um comportamento imprevisível. Se uma empresa quer fazer um investimento grande de capex, ela espera, até entender a regra do jogo. Essas questões acabam influenciando, e com isso diminui aquela tonelada de investimentos que estariam acontecendo se isso não existisse.
O que pode dar errado no curto prazo nos Estados Unidos?
O risco é essa incerteza gerar ausência de investimentos, as tarifas gerarem inflação e você ter um cenário de recessão e ter uma queda substancial dos ativos. Mas nossa leitura hoje é que a chance disso é pequena.
Como o Brasil está nesse contexto global, e o que temos que fazer para atrair investimento de longo prazo?
Nós, enquanto nação, enquanto ativo a ser investido, a gente está longe de ser o ativo mais atraente. Nem o selo de qualidade de investment grade nós temos.
Tem US$ 50 trilhões de dinheiro disponível para ser investido através de fundos em ativos com investment grade, tanto empresas quanto governos. Mas para ativos que não têm investment grade, esse dinheiro disponível cai para apenas US$ 2 trilhões. Se você olhar só o corporativo, tirando Governos, é US$ 10 trilhões contra US$ 1 trilhão.
Então nós não estamos no jogo, não estamos no big league. Estamos aqui no jogo de várzea. Não estamos no centro das atenções do dinheiro grosso do mundo porque não temos o princípio básico, que é ter o selo de qualidade. Ser confiável, previsível, bom pagador.
Uma vez que a gente tenha isso, aí sim vamos discutir qual é a nossa pauta, qual a nossa narrativa, o nosso storytelling. Porque aí você entrou no jogo, aí vamos competir. Estamos lá no campeonato, mas como nos tornamos um ativo interessante, atraente? Temos que crescer, trazer alternativas de investimento atraentes, dar retorno, ter uma moeda forte.
O que define a soberania de um país é a sua moeda. Se você tem uma moeda fraca, que se desvaloriza, porque você vai comprar essa moeda?
Veja só: quem investiu US$ 1 milhão na Bolsa brasileira em 2010, no ápice dos BRICS, quando o Cristo estava decolando naquela capa da The Economist, hoje tem US$ 500 mil.
E quem investiu US$ 1 milhão na Nasdaq – que era o patinho feio dos Estados Unidos – hoje tem US$ 8 milhões. Duro, né?
O Brasil perdeu sua atratividade de investimento. ‘Ah, mas tem muita gente que ganhou dinheiro nesse meio tempo.’ É verdade! No stock picking tem cara que entrou certo e saiu certo… mas se você segurou e ficou comprado esse tempo todo, você perdeu dinheiro.
E o que o Brasil precisa fazer para sair dessa situação?
Boa parte disso é moeda. A moeda veio de R$ 1,80 para R$ 5,70. Qual investimento vai conseguir vencer uma desvalorização dessas? O valor da sua moeda é muito importante para definir a atratividade de um País, que se reflete em seu grau de investimento.
Para ter o investment grade, precisa ter responsabilidade fiscal, temos que ter uma reforma administrativa, vender ativos, privatizar empresas que não precisam que o Governo esteja tocando. Temos que reduzir a dívida para termos um estoque de dívida menor e um custo de carrego menor. Temos que gerar superávit primário. Não tem a opção de não gerar! Não existe ‘ah, não vamos.’ Não tem essa opção se você quer receber investimentos expressivos.
Porque dinheiro tem no mundo. Não falta dinheiro. Mas nós somos atraentes?
Se você é um gringo e tem um mandato de investir US$ 20-30 bilhões, para que vai investir num País longe, fora do seu território, com outro idioma, e que você olha nos últimos 10 anos e não gerou dinheiro? Um País com mudanças políticas expressivas, incertezas econômicas, jurídicas, e moeda fraca. Você pensa não duas, mas três vezes.
Esse fluxo recente de recursos estrangeiros tem sido oportunístico?
Esse fluxo tem vindo por uma questão de realocação de capital, porque havia uma concentração de riqueza nos Estados Unidos, fruto de uma exuberância americana. E agora se chegou à conclusão de que se foi ao extremo, então é hora de realocar.
Além disso, os ativos estavam muito baratos. O Brasil estava tão barato, tão barato, que passou a ser uma oportunidade interessante por conta da atratividade de preço – mas não por uma visão fundamentalista.
Porque se tivesse uma visão fundamentalista, onde estaria o meu dinheiro, o seu dinheiro? Na Bolsa. Mas te garanto que está em CDI.
Que país é esse que vive de renda fixa? Nós estamos nos sufocando sem perceber. Enquanto está todo mundo esperando ganhar juros de 14%, 15%, ninguém está botando dinheiro nas empresas. É um auto engano o que estamos vivendo. Quanto tempo a gente aguenta isso enquanto sociedade?
Os valuations amassados no Brasil têm mais a ver com o ciclo de commodities ou com o ciclo político?
Acho que existe uma combinação das duas coisas. Tem o ciclo de commodities que de fato impacta. Você pega a China desacelerando, tem um impacto expressivo. E você tem tido políticas que não têm ido ao encontro do nosso problema fiscal. Então, quando você combina as duas questões, o problema se torna mais complexo de ser resolvido.
Você poderia estar tendo a mesma questão das commodities, mas você poderia estar tendo uma ação fiscal mais eficiente. Essa é uma opção. Não estou dizendo que seria fácil, mas é factível. E com isso, você estaria diminuindo a preocupação de qualquer investidor em relação à credibilidade do Brasil.
A gente não deveria ter uma discussão ideológica na agenda fiscal ou no investment grade. Isso é suprapartidário. É igual corrupção. Combater a corrupção não é uma bandeira da esquerda ou da direita. Corrupção não pode ter.
Inflação não é uma agenda da direita e nem da esquerda. Não pode ter. Responsabilidade fiscal não deveria ser uma discussão partidária também. Você tem que ser respeitado, admirado, desejado enquanto ativo para ser comprado.
Aí depois vai na questão ideológica, que é ver como você vai usar esse dinheiro que entra e que você vai ter mais espaço no orçamento da União. Vamos usar para projetos sociais? Espetacular. Que também acho que não deveria ser uma agenda nem de direita nem de esquerda. Projeto social deveria ser uma agenda nossa. Mas com responsabilidade e com porta de saída.
O que uma mudança no Governo significaria para a operação de vocês aqui e para os seus clientes?
Acho que não é o Governo. São as políticas que têm que ser colocadas. E vamos lembrar uma coisa: quem nos deu investment grade? Foi o Lula. Era um Governo de esquerda e que foi super responsável fiscalmente. Tinha o Henrique Meirelles, que deu a pauta. A gente perdeu o investment grade com a Dilma, não com o Lula.
Por isso, quando o Lula foi eleito de novo, o mercado deu o benefício da dúvida. Mas foi surpreendido com políticas diferentes. Mas não acho que o Lula seja irresponsável fiscalmente. Não acho mesmo. Ele pode não estar querendo fazer o dever de casa, mas pode ser que agora, vindo a eleição, ele mude. Não sei.