Por mais que a televisão e a internet tentem mostrar a realidade, quem não está no Rio Grande do Sul não tem a dimensão da catástrofe que está acontecendo por aqui.
Dos 468 municípios, são quase 400 afetados. Mais de 200 pontes destruídas, centenas de milhares de lares sem energia e sem água, ao redor de 200 mil casas submersas ou destruídas; parte da safra de grãos e hortigranjeiros, levados pelas águas.
O que fazer?
Meses atrás, tivemos uma tragédia em parte do Estado, a junção de chuva e muito vento. Agora, muitíssima chuva. E se a próxima for de muitíssimos ventos e chuvas?
Quem mora aqui está vendo mudanças na natureza que não aconteciam 10 anos atrás.
Não tenho dúvida, e os especialistas dizem isto, que além da La Niña, as mudanças climáticas são parte importante da construção das catástrofes, e a coisa tende a se acentuar.
Como está nossa infraestrutura para enfrentar estas situações? Obsoleta!
As estradas não têm escoamento adequado do volume de água, as nossas pontes são baixas em relação ao leito dos rios, e suas bases de sustentação são frágeis.
As margens de muitos rios não têm matas ciliares e, em função disso, muita terra e detritos escorrem para os leitos, diminuindo o volume de escoamento das águas. As construções de muitas casas, principalmente as mais humildes, não estão preparadas para a força dos ventos ou das águas.
Em muitas ruas e estradas há plantações em morros que substituem a mata nativa e com isto facilitam as avalanches de terra e árvores.
Estive recentemente no Japão e todas as construções ou lavouras vão somente até o sopé dos morros.
Como agora já é público, das 23 casas de bombas de escoamento de águas, só duas ou três estavam funcionando em Porto Alegre no início da enchente.
Frágil, uma comporta do muro que separa a cidade do Lago Guaíba cedeu.
De 60% a 70% de Porto Alegre ficou sem água. Em minha própria casa, não tenho água até hoje.
Creio que isto basta para descrever como está a nossa infraestrutura.
Gostaria que compreendessem que não faz sentido culpar os atuais ocupantes dos três níveis do Poder Executivo, porque isso seria injusto.
Estamos colhendo o acumulado de um jeito de governar. Com eleições a cada quatro anos, os planos são feitos em uma gestão e abandonados na seguinte, ou pior, são feitos novos planos esquecendo os do passado.
Além disso, vários cargos decisórios na área de infraestrutura são ocupados por políticos sem experiência técnica.
O Poder Público tem adotado uma visão de curto prazo, casuística, sem pensar no futuro – e a política de infraestrutura é, na maioria dos casos, feita de remendos e quebra-galhos.
Novas catástrofes virão.
Se, como dizia Einstein, continuarmos fazendo as mesmas coisas, continuaremos a obter os mesmos resultados – no caso, os mesmos problemas, com as mesmas consequências.
Precisamos de uma mudança na mentalidade para a reconstrução. Uma reconstrução criativa que avalie as causas da destruição e faça o que precisa ser feito de uma maneira diferente, preparando-nos para uma nova realidade, que é bem diferente daquela a que estamos acostumados.
Uma reconstrução que garanta um futuro com segurança, tranquilidade e bem-estar para as pessoas, principalmente os mais pobres, que como sempre são os mais prejudicados.
Isto significa uma mudança de mentalidade. Precisamos pensar diferente, ser criativos, planejar coisas novas e, principalmente, que possam ser executadas rapidamente, usando métodos e equipamentos mais modernos, com mais tecnologia e mais produtividade.
Que esta enorme e maravilhosa solidariedade que está vindo do Brasil inteiro destine os recursos arrecadados em primeiro lugar para ajudar as pessoas com alimentos, saúde e o retorno aos seus lares.
E que os recursos para a reconstrução da infraestrutura sejam aplicados de uma forma eficiente e inovadora, com uma mentalidade de longo prazo. Este é o tamanho do desafio, e toda a sociedade gaúcha precisa se envolver na solução.
José Galló é ex-CEO das Lojas Renner.