O logo da sueca Saab adjacente ao da Embraer, na lateral de um imenso hangar, entrega o jogo: é nesse complexo em Gavião Peixoto, a pouco mais de 300 km de São Paulo, que “moram” os primeiros caças Gripen da Força Aérea Brasileira. Ao todo, o Brasil encomendou 36 caças em 2014 a um custo aproximado de US$ 4,7 bilhões.
Apesar dos valores e velocidades serem de fato mais próximos do reino aeronáutico do que do automotivo, este artigo não trata de caças ou aviões.
Finalmente, mais de 15 anos após minha primeira tentativa de obter credenciamento, tenho a oportunidade de cobrir uma Driver Top Speed Cup, o evento cercado de mística dentro do universo do automobilismo brasileiro — e que acontece nas pistas desse hangar.
Por que tanta seletividade de acesso? Primeiramente, não custa lembrar: a planta de Gavião Peixoto — que concentra a fabricação militar da Embraer — é, na prática, o mais próximo que temos no Brasil da célebre “Área 51” da Força Aérea americana: se a indústria bélica brasileira tem segredos, é aqui que eles estão guardados.
Em segundo lugar: o perfil de brasileiros proprietários de supercarros custando múltiplos de sete dígitos é bastante… eclético. E dentro desse ecletismo, há quem prefira não aparecer.
Surgida em 2011, a Top Speed Cup conseguiu abrir para os donos de superesportivos as portas da grande pérola de Gavião Peixoto: a pista de testes de pousos e decolagens da Embraer.
Com 4.967 metros de comprimento e 95 de largura, é a maior das Américas e a quinta maior do mundo. Fun fact: trata-se da única pista de pouso homologada pela NASA no Hemisfério Sul para receber pousos do ônibus espacial, em caso de imprevisto. Para efeito de comparação, a pista principal do aeroporto de Congonhas possui 1.940 metros de extensão e apenas 45 de largura.
Possuir um superesportivo preparado, muitas vezes com mais de 1.000 cv de potência, é ao mesmo tempo um privilégio e um problema: afinal, como sentir na prática o ápice de desempenho automotivo que a engenharia humana é capaz de produzir? Na Alemanha, a resposta seria em uma autobahn sem limite de velocidade e em um horário sem trânsito.
No Brasil, a única resposta talvez seja o Aeródromo de Gavião Peixoto.
“É o playground perfeito para os meus clientes,” diz Fernando Leão, o dono da Pit Stop Shop, uma das principais preparadoras de supercarros do país, em São Paulo. “Nenhuma estrada no Brasil, independente da questão dos limites de velocidade, comporta esse nível de performance. Felizmente, na Top Speed Cup, meus clientes realmente conseguem experimentar na prática o que eles me pagaram para poder experimentar. Aqui, eu realmente ‘cumpro’ o que os números de potência no dinamômetro da oficina prometeram.”
A Top Speed Cup é uma competição de números. Leva o troféu de vencedor quem acelerar em linha reta para registrar as maiores velocidades em três radares colocados na pista, nas marcas de meia milha (804m), 1 milha (1.609m) e 2 milhas (3.218m).
Houve um tempo em que a chance de exceder a barreira dos 300 km/h era o grande atrativo de um evento como esse, mas a evolução vertiginosa da tecnologia nos últimos anos tornou essa marca “carne de vaca”. O carro que mais chama a atenção do público é uma Lamborghini Huracán Performante em um roxo espetacular, que chega a exceder a marca de 400 km/h em uma passagem.
Sob a tenda da Pit Stop, os dois carros mais velozes em ação têm números, digamos, mais humildes: 371 km/h é o recorde obtido por um dos dois Porsche 911 GT2 RS preparados por Fernando. Chegar aos 300 km/h em um carro de rua – mesmo sendo ele o 911 mais potente da história da Porsche, como o GT2 RS – é um processo dolorosamente difícil e, acima de uns 270 km/h, lento.
O crescimento do arrasto aerodinâmico é exponencial, sendo necessárias doses cavalares, com o perdão da redundância, de cavalaria para superar os 300 km/h com fôlego de aceleração sobrando para se rumar até 350 ou 400 km/h.
Se o seu bólido tem menos de 1.000 cv, nem apareça na Top Speed Cup com esperanças de vitória. Injetar a potência extra por meio de preparação altamente sofisticada em carros esportivos é o negócio da Pit Stop, da BTS (especializada em Mustangs), da PDK e de mais um punhado de oficinas que operam nesse Olimpo da preparação nacional, quase todas na cidade de São Paulo.
Com um público tão estratificado financeiramente, também existem os stands de vendas — que variam de importadoras de supercarros a incorporadoras como a FG Empreendimentos, além da própria Embraer –, todos ansiosos para aproveitar a euforia pulsante de quem acabou de acelerar a mais de 300 km/h para fechar negócio em (mais) uma Ferrari, uma cobertura em Balneário Camboriú ou um Phenom 300.
Praticamente nenhum dos participantes está cansado da viagem até Gavião; aliás, a Driver disponibiliza um voo fretado partindo do Campo de Marte. Já os supercarros chegam à Embraer separados, de plataforma.
O sol começa a descer no horizonte, e chega minha hora de voar baixo. Capacete afivelado, embarco em uma Lamborghini Urus com um kit Mansory. A potência da “Urona” aferida em dinamômetro passa de 800 cv, e o carro ainda está acelerando com força quando tiramos o pé a 290 km/h, seguindo a recomendação do nosso host: espalhafatoso e cheio de apêndices, o kit aerodinâmico da Mansory foi pensado muito mais para impressionar modelos russas saindo da balada em Dubai do que para oferecer performance (e não sair voando) acima de 300 km/h.
Os quase 300 km/h podem parecer pouco por aqui, mas não custa lembrar que a Urus é um SUV de mais de 2 toneladas, capaz de carregar cinco pessoas e bagagem no mais absoluto conforto.
O retorno na contramão dos 5 km de pista, a 80 km/h, passa comicamente devagar. Retomando o lugar na fila para mais uma puxada, encontro o simpático Carlos Oliveira. Aos 69 anos, o empresário paulista do ramo de frigoríficos é um dos pilotos de idade mais avançada competindo nessa Top Speed Cup, o que não o impediu de passar de 369 km/h em sua GT2 – o único de seus três Porsche 911 realmente “fuçado” para esse tipo de competição.
Em um dia de sol escaldante, Oliveira poderia estar à beira-mar em praticamente qualquer lugar do mundo, mas o sorriso debaixo do capacete após bater seu recorde explica a escolha.
“Isso aqui é uma adrenalina como nenhuma outra nessa vida,” resume. “Saio daqui renovado.”