No início deste mês, a safra 2023 do vinho chileno Almaviva foi lançada na Place de Bordeaux por € 75 a garrafa. No ano passado, a safra 2022 havia sido apresentada por € 115. Alguma redução já era esperada, mas a queda de quase 40% surpreendeu.

Na sequência, uma garrafa do Seña, outro ícone do Chile, foi ofertada por € 58, contra os € 98 da safra anterior. Os dois rótulos, que são os principais tintos chilenos negociados em solo francês, sinalizam para uma crise no sistema de venda da Place de Bordeaux, questionam quanto se paga por um vinho latino-americano e, do lado do consumidor, trazem a boa notícia da queda dos preços.

A estimativa do mercado é que o Almaviva passe a ser vendido por algo na faixa dos R$ 1.500, e o Seña, por algo próximo dos R$ 1.000. Atualmente, a World Wine comercializa o Almaviva 2022 por R$ 3.390, e a Ravin vende o Seña 2021 por R$ 2.598.

Atento à redução, Guillaume Verger, sócio da importadora Tanyno, disse que decidiu aumentar o volume que compra destas duas marcas neste ano. Ele encomendou 4 mil garrafas de Almaviva e 1.500 do Seña, enquanto no ano passado foram respectivamente 1.500 e 200 garrafas. “As notícias de queda de preço sempre atraem a curiosidade dos consumidores,” disse Guillaume.

Juliana La Pastina, presidente do grupo La Pastina, que engloba a World Wine, a importadora brasileira que mais compra vinhos na Place, avalia que esta redução faz parte de uma readequação dos preços dos rótulos premium vendidos neste fórum, digamos, privilegiado.

“Muitas vinícolas, não apenas as chilenas, inflacionaram seus preços nas últimas safras e agora precisam administrar a procura dos vinhos e os seus estoques mais altos,” disse Juliana.

A Place de Bordeaux é o sistema pelo qual os grandes vinhos bordaleses são comercializados. Ela reúne ao redor de 300 negociantes com acesso aos châteaux, que ofertam estes rótulos de prestígio mundo afora.

Até 1998, quando a primeira safra do Almaviva, uma joint venture entre a chilena Concha y Toro e o francês Château Mouton-Rothschild, foi comercializada na Place, apenas os rótulos bordaleses eram vendidos por lá. Hoje vinhos de prestígio fora de Bordeaux – como os italianos Ornellaia e Masseto, o neo-zelandês Craggy Range, argentinos como o Cheval des Andes e rótulos premium da Catena, como o Adrianna Vineyard Mundus Bacillus Terrae – também comercializados na Place.

Mas o forte são mesmo os rótulos bordaleses, e eles também estão readequando seus preços. Em abril, por exemplo, quando são lançados os rótulos de Bordeaux na Place, o Château Lafite Rothschild precificou a safra 2023 em € 396 a garrafa, valor 31,7% abaixo da safra de 2022. O Château Mouton Rothschild, por sua vez, foi apresentado por € 324, com redução de 34,6%, e o Angélus por 260 euros, valor 25,7% abaixo do ano anterior.

São diversos os fatores que explicam esta retração.

A primeira é a saída de cena da China como comprador dos grandes vinhos, uma tendência que começou ainda durante a covid. “Além da redução enorme da China e do desaparecimento da Rússia como comprador destes vinhos, a Inglaterra enfrenta problemas com a sua saída do Brexit, o que reduz a procura pelos vinhos na Place”, disse Christian Wylie, CEO da uruguaia Bodega Garzón, que tem o seu vinho ícone, o Balasto, vendido na Place.

A esta questão se somam as incertezas da economia mundial. “Há uma insegurança no mercado e o aumento de impostos que o (Presidente) Trump colocou nos vinhos europeus só aumentou essa insegurança,” disse Rogério D’Avila, sócio da importadora Ravin.

Há cerca de dois meses, os rótulos europeus pagam 15% de imposto para entrar nos Estados Unidos, o maior mercado consumidor de vinhos.

Há outros fatores que vem impactando nos preços da Place de Bordeaux. Um deles é a discussão sobre o papel dos negociantes. Até hoje, eles apenas vendem os vinhos para os diversos mercados e não investem na construção de marca nos mercados consumidores.

Num rótulo conceituado de Bordeaux, isso não é necessário. Todos sabem do valor de um Mouton Rothschild ou de um Margaux, mas investir em imagem é importantíssimo para os não tão conhecidos rótulos do chamado Novo Mundo.

“Ninguém vai pagar mais de R$ 1 mil por um rótulo chileno,” disse Guillaume, da Tanyno. Na sua visão, mesmo com todo o trabalho de imagem e de qualidade realizado pelos produtores chilenos, os vinhos do país ainda não contam com o prestígio dos rótulos europeus e, num período de retração, o consumidor faz conta e prefere as grandes marcas clássicas. Assim, só resta aos produtores reduzirem os preços.