No ano de sua fundação, em 1600, a East India Company recebeu do governo britânico uma concessão para operar por 15 anos. Mas o desejo de uma das mais antigas corporações do mundo de estender seu monopólio acabaria impactando a política britânica por dois séculos. 

Quando o Parlamento tentou introduzir concorrência, dando uma concessão a outra empresa, alguns acionistas da East India Company compraram ações da rival e forçaram uma fusão, recuperando sua condição de monopólio. Em seguida, para garantir esse status e barrar futuros concorrentes, a East India Company fez um empréstimo de £ 3,2 milhões ao Tesouro britânico, o qual, em troca, estendeu o monopólio da empresa sobre o comércio internacional (supostamente por mais alguns anos). Mas quando aquele prazo expirou, a East India Company continuou fazendo lobby e pagando propina para continuar operando sozinha, o que durou até 1813 no caso da maioria dos produtos, e até 1833 no caso do chá.
 
Luigi Zingales, o professor da Universidade de Chicago mais conhecido por seu livro ‘Capitalismo para Todos’, conta o caso dos ingleses para ilustrar o que nós, brasileiros, já estamos cansados (e enojados) de saber: empresas com grande poder de mercado possuem lucros maiores, e portanto mais dinheiro para investir na compra de influência política, a qual utilizam para preservar ou ampliar seu market share.

Além da classe política — do baixo clero aos mais altos sacerdotes — o grande denominador comum nas investigações de corrupção do Brasil são grandes empresários e os executivos de alto escalão. Mas não quaisquer empresários: principalmente aqueles que comandam companhias com poder de mercado, monopolistas ou oligopolistas, para usar o jargão acadêmico.

Zingales sempre foi um acadêmico preocupado com os vícios do capitalismo. Em seu ‘Um capitalismo para o povo’ (2012), ele já argumentava que o sistema de livre mercado precisa ser justo, eficiente e meritocrático — em oposição ao capitalismo de compadres, de Estado, no qual empresas crescem graças a suas conexões políticas e não pelo trabalho duro, inovação e eficiência.
 
Mas o grande objetivo de seu último paper, ‘Towards a Political Theory of the Firm’, é desmontar a teoria econômica neoclássica que diz que as firmas não possuem poder nem estão interessadas em mudar as regras do jogo dos mercados onde atuam. Segundo a teoria, o custo de se tentar comprar influência política é elevado demais, e os benefícios seriam poucos.

Na realidade brasileira, os neoclássicos parecem ingênuos supremos.

Eles descrevem um mundo quase utópico de ‘concorrência perfeita’, no qual os lucros econômico são próximos de zero, não existem barreiras a entrada de novas firmas e os produtos são homogêneos e as empresas não possuem poder e nem enxergam benefícios em dispender recursos para modificar as regras do jogo, estão preocupadas demais em sobreviverem a concorrência. 

Mas, na vida real, especialmente em mercados com poucas firmas operando, como a telefonia celular, o lucro econômico não é zero: sobram recursos, e as firmas acabando se engajando em modificar as regras do jogo, de forma a proteger a rentabilidade futura dos seus investimentos e suas fatias de mercados.

Zingales diz que as firmas operam de forma diferenciada. Em países com Estado fraco, as firmas ocupam o espaço que deveria ser do governo, como por exemplo a contratação de milícias para segurança de empreendimentos de mineração na África, uma vez que o Estado é incapaz de fornecer a segurança; ou simplesmente a atividade empresarial sucumbe, como na Somália por exemplo. 

Estados altamente predatórios sobre a economia, que interferem fortemente na atividade empresarial, são aqueles onde há o maior número de relações de proximidade de grandes firmas com agentes políticos, pois os primeiros temem serem prejudicados pelo governo, e o segundo precisa do apoio financeiro dos mesmos para se manter no poder. Deve ser uma experiência terrível viver em um país assim…

O Brasil está em algum lugar no meio do caminho entre o Estado neutro e o Estado predatório sobre a atividade empresarial. Vimos grandes empresas como a Odebrecht e a JBS na Lava Jato, a JBS na Zelotes e na Carne Fraca, e a Gerdau na Zelotes, sem falar das empresas estatais. Todas empresas com poder de mercado. E todas que operavam perto de agentes públicos, de forma lícita quando ainda era legal o financiamento empresarial de campanhas e, como revelado, de forma ilícita com caixa dois e propinas.

Zingales classifica esse processo como um ciclo vicioso: empresas poderosas compram influência política para se manter no mercado e com isso faturam mais, retroalimentando o processo. É a captura mútua do Estado pelo empresário, e do empresário pelo Estado.

Segundo Zingales, a solução para o problema — a quebra do ciclo — está na ampliação de leis antitruste, que visam impedir que empresas possuam enorme concentração em certos mercados, o que acaba inibindo a concorrência, bem como a fiscalização sobre setores que são mais suscetíveis a se cartelizarem, principalmente aqueles que operam com poucas empresas, como companhias aéreas em um país, ou postos de gasolina em uma determinada região geográfica.

No Brasil, por exemplo, uma das soluções certamente seria fortalecer a governança das agência reguladoras, um enorme gargalo para o investimento. Presidentes e diretores de agências reguladoras ainda são cargos preenchidos via indicação política quando deveriam ser ocupados por pessoas com notório saber na área, com diretorias de mandato fixo, não coincidentes, e com salários de mercado. 

O Senado já aprovou o projeto de lei geral das agências reguladoras, que versa exatamente sobre mandato fixo de 5 anos para os dirigentes das agências reguladoras, sem possibilidade de recondução ao cargo e experiência mínima de 10 anos, comprovada, em área correlata a da agência.

Para Zingales, a melhor arma contra esse tipo de relação perigosa de Estado com maus empresários é a transparência e o conhecimento do público sobre esse mecanismo. É preciso que a sociedade saiba que um Estado que interfere demais na economia abre margem para ser capturado por empresários, e que no final o sistema seja corrompido, gerando benefícios para poucos políticos e homens de “negócio” enquanto milhões pagam a conta.
 
A grande contribuição do paper de Zingales é mostrar que existem diversos incentivos para que as empresas desviem recursos produtivos em busca de influência política. Ao contrário do que diz a teoria neoclássica, as empresas querem sim influir nas regras do jogo — e isso passa por influência política — pois há enormes recompensas em fazê-lo. Porém, instituições regulatórias saudáveis e independentes, um governo transparente e cidadãos bem informados são condições necessárias para manter uma sociedade capitalista operando de forma saudável.

Na foto acima, um funcionário da East India Company em seu cavalo, na Índia.  Aquarela (circa 1825-30) no Victoria and Albert Museum, Londres.

Victor Candido é mestrando em economia pela UnB e foi pesquisador do CPDOC da FGV.