A Folha de S. Paulo anunciou hoje que não vai mais publicar seu conteúdo no Facebook, tornando-se o primeiro grande jornal do mundo a abandonar a plataforma. 

A decisão mostra a tentativa do jornalismo profissional de afirmar seu valor (e seu potencial de monetização) numa era em que as redes sociais se tornaram empresas de centenas de bilhões de dólares enquanto jornais e revistas definham ao redor do planeta.

A ruptura vem semanas após o Facebook mudar seu algoritmo para privilegiar conteúdos publicados pelos próprios usuários – em detrimento do conteúdo distribuído por empresas, incluindo as que produzem jornalismo profissional.

Segundo pessoas próximas ao jornal, a decisão já vinha sendo pensada há tempos, mas o anúncio das mudanças no algoritmo foi a gota d’água.  O Facebook já chegou a ser responsável por um quarto dos acessos externos da Folha, mas esse número vinha caindo porque o Face já vinha alterando os algoritmos mesmo antes do anúncio.

No artigo publicado hoje, a Folha informa que em janeiro o volume total de interações (compartilhamentos, comentários e curtidas) obtido pelas 10 maiores páginas de jornais brasileiros no Facebook caiu 32% na comparação com o mesmo mês do ano passado. A participação da rede social nos acessos externos a notícias nas maiores publicações do país caiu de 39% em janeiro de 2017 para 24% em dezembro.

Há anos, jornais de todo o mundo vêm criticando a rede de Mark Zuckerberg por conta dos algoritmos baseados em gostos pessoais, que acabam interditando o debate, e por criar um ambiente fértil para a proliferação de fake news.

A Folha disse que o Facebook cria ‘bolhas de opiniões’. 

“As redes sociais, que poderiam ser um ambiente sobretudo de convívio e intercâmbio, são programadas de tal modo que estimulam a reiteração estéril de hábitos e opiniões preexistentes”, afirma a Folha. “Em contraste com esse condomínio fechado das convicções autorreferentes, caberá ao conjunto de veículos semelhantes à Folha enfatizar sua condição de praça pública, em que se contrapõem os pontos de vista mais variados e onde o diálogo em torno das diferenças é permanente”. 

Além disso, as publicações alegam que o modelo de remuneração proposto pelo Facebook acaba por sufocar ainda mais as empresas jornalísticas, que lutam para rentabilizar seu modelo de negócio em tempos de receita publicitária em queda.

A tentativa de aproximação do Facebook com os jornais veio com o Instant Articles, uma ferramenta em que os veículos transferem gratuitamente seu conteúdo para a rede social, sem cobrar pelo acesso a ele, em troca de acelerar o carregamento das páginas. A remuneração oferecida pelo Facebook vem da venda de anúncios dentro de sua própria plataforma. A Folha rejeitou os termos e foi o único grande jornal brasileiro a não aderir ao Instant Articles.

Além disso, a Folha sempre se recusou a produzir qualquer conteúdo de graça, como vídeos e ‘lives’ que só poderiam ser acessados pelo Facebook e não direcionam tráfego para o site do jornal.

Há duas semanas, Rupert Murdoch divulgou uma nota dura, convocando o Facebook a remunerar o bom jornalismo. “Se o Facebook quer reconhecer os veículos mais confiáveis, deveria pagar a esses veículos uma taxa semelhante à que as companhias de TV a cabo pagam para ter os canais em sua grade”, disse o empresário, que controla uma série de jornais incluindo o The Wall Street Journal. 

Para ele, o pagamento pelo conteúdo jornalístico “teria um impacto mínimo nos lucros do Facebook, mas um grande impacto nas perspectivas para o mercado editorial e jornalistas”.

Na mesma época, o editor-executivo da Folha, Sérgio D’Ávila, publicou um artigo que já deixava clara a animosidade com a rede social. 

Numa resenha do filme “The Post”, D’Ávila exalta o timing da estreia, que chegou “dias depois de o Facebook anunciar uma mudança no algoritmo que deve expulsar o jornalismo profissional das páginas de seus usuários em favor das fotos do cachorrinho lambendo o gatinho e dos vídeos do aniversário da vovó”.

E arremata: “Existisse em 1971, a rede social deixaria de fora a notícia de que sucessivos presidentes americanos ludibriaram a opinião pública em relação à Guerra do Vietnã”.