O Instituto Weizmann é um celeiro de conhecimento científico. Pesquisas desenvolvidas na instituição já renderam seis prêmios Nobel e medicamentos de sucesso como Copaxone, Rebif e Tookad. Royalties de patentes geram de US$ 50 milhões a US$ 100 por ano, enquanto os produtos industriais baseados em tecnologias saídas dos laboratórios da instituição israelense movimentam US$ 37 bilhões.

Fundado em 1934, 14 anos antes do próprio Estado de Israel, o Weizmann é uma universidade que oferece cursos gratuitos de pós-graduação nas áreas de química, física, biologia, bioquímica, matemática e ciência da computação. São 1100 alunos de mestrado, doutorado e pós-doutorado que são estimulados a buscar respostas para os grandes problemas da humanidade. Os cientistas têm que correr atrás de financiamento para as pesquisas e, quando conseguem grandes resultados, ficam com 40% dos royalties. Alguns ficam milionários.

“É um erro comum achar que fazer boa ciência não combina com pedidos de registros de patentes. Somos, de um lado, uma instituição de ponta mundial, que ganha prêmios e que está no topo do topo da elite científica. E temos muitas patentes”, disse ao Brazil Journal Israel Bar-Joseph, vice-presidente de relações institucionais do Weizmann, em visita ao Brasil há duas semanas. “A distinção de ciência aplicada e ciência pura é artificial. Existe ciência boa e ciência ruim. Quando se faz boa ciência, a aplicabilidade aparece. Mas quando a ciência é medíocre, não sai nada.”

O Instituto Weizmann é conhecido por fazer “ciência pura”, sem interferência de interesses da indústria. Mas ao mesmo tempo vocês têm muitas patentes adotadas pela indústria. Como é que vocês atuam? Qual a fórmula?

Acredito que temos um modelo único. Nossa visão é de uma ciência que beneficia a humanidade. Não fazemos ciência pela ciência. Nossa medida de sucesso é o impacto que geramos para a humanidade. Não necessariamente para Israel ou para o setor industrial de Israel. Esse é o primeiro ponto. Em segundo lugar, aprendemos com a ciência que o caminho para as grandes descobertas é longo. Vivemos em uma sociedade altamente tecnológica, Israel é conhecida como ‘startup nation’. E é verdade. Há muita criatividade e inovação. Porém, o que essas startups fazem, de modo geral, é pegar uma tecnologia existente e transformá-la em produtos ou serviços que afetam a nossa vida. O que é muito importante. Mas o nosso mundo é outro: queremos gerar conhecimento. Desenvolver tecnologias e fazer descobertas que são ‘game changers’. Não buscamos conhecimento incremental, mas substancial. 10569 a23429b4 183f 77ea 243b c1d89b6e28bf

E como conseguem fazer isso?

Regra #1: contratando pessoas excelentes. Nosso único critério é a excelência, a qualidade. Não temos cotas ou vagas reservadas. Somos oportunistas. Quando nos deparamos com indivíduos excepcionais, fazemos tudo o que for possível para atraí-los.

Regra #2: quando você consegue contratar pessoas inteligentes, a coisa mais burra a se fazer é falar para elas o que fazer. Se você conta com pessoas muito brilhantes, você deve perguntar para elas o que elas querem fazer. Quando uma pessoa muito excepcional resolve fazer ciência e não ir trabalhar no mercado financeiro, faz isso porque tem paixão, pois quer fazer a diferença. Essas pessoas provavelmente são experts em suas áreas e sabem melhor do que você quais são as questões mais profundas a se investigar e quais os seus desdobramentos.

Regra #3: Pense no longo prazo. Pequenas conquistas são legais, mas geralmente limitadas. Quando você persegue as grandes questões, leva mais tempo, mas quando se alcança algo, é algo bem grande.

No Brasil temos um histórico de registro baixo de patentes. E ainda existe, sobretudo nas universidades públicas, um certo preconceito em fazer parcerias com o setor privado. Como é o modelo do Weizmann?

É um erro comum achar que fazer boa ciência não combina com pedidos de registro de patentes. Somos, de um lado, uma instituição de ponta mundial, que ganha prêmios e que está no topo do topo da elite científica. E temos muitas patentes. Em 2010, dentre os 25 remédios mais vendidos, tínhamos patentes em sete, sendo que em três, a patente era 100% nossa. É um grande impacto. Na farmacêutica Teva, uma das maiores empresas de Israel, 30% dos lucros vêm de um medicamento desenvolvido pelos cientistas do Weizmann. A cada ano, produtos industriais baseados em tecnologias que emergiram dos nossos laboratórios geram US$ 37 bilhões.

Geramos impacto, mas não no curto prazo. O resultado de hoje não começou no trimestre passado. Nossos passos iniciais costumam ser nebulosos. É como nas Grandes Descobertas. Você traça uma rota, se perde, acha que vai pra Índia e acaba nas Américas. No final, você chega e se dá conta de que essa é a grande descoberta. Esse é o nosso modelo. A distinção de ciência aplicada e ciência pura é artificial. Existe ciência boa e ciência ruim. Quando se faz boa ciência, a aplicabilidade vai aparecer. E quando se faz uma ciência medíocre, não sai nada. As pessoas não podem se esconder atrás de uma suposta “liberdade intelectual” ou o que quer que seja. É preciso gerar impacto, mas sem deixar os reguladores, as agências de fomento e outros limitarem o desenvolvimento orgânico da ciência.

Como articular o trabalho independente do cientista com a aplicação prática das descobertas? No Weizmann existe uma “muralha chinesa” separando os dois mundos?

Existe uma muralha, mas uma muralha boa. Não temos interesses comerciais influenciando a integridade dos cientistas e da produção científica. Não fazemos pesquisa por encomenda. Não pegamos dinheiro de empresas que chegam com um briefing para resolvermos um problema X. Outras instituições fazem isso. Mas temos uma parceria com uma gigante farmacêutica, que já se beneficiou algumas vezes de patentes nossas, que financia alguns projetos. A cada ano eles fazem um chamado para propostas, os cientistas se inscrevem e eles financiam a pesquisa. Se disso sai alguma descoberta, eles têm preferência na comercialização. É como um VC. Eles financiam a pesquisa, sem garantias de resultado. Esse é um modelo possível.

Mais algum exemplo?

Temos zilhões de formatos, depende da área, do parceiro. Temos fortes laços com o mundo real. Por outro lado, a gente luta pela manutenção desse ambiente que permite aos cientistas focar na pesquisa de longo prazo. Um dos grandes problemas hoje no estudo acadêmico é que mesmo para quem gera patente, geralmente é uma tecnologia em estado inicial. As empresas e os investidores relutam em apostar em uma descoberta que ainda está em um estágio muito inicial. Por isso muitos desses estudos acabam no “Vale da Morte”. É uma boa ideia, mas não para investir. Nós não somos exceção. Tem muita coisa que a gente faz que não interessa às empresas.

Para resolver isso, criamos uma empresa de desenvolvimento de projetos. Ela faz a ponte entre as descobertas dos cientistas e o setor privado. É um braço externo com pessoas com experiência no mundo dos investimentos em tecnologia. Eles olham para o nosso portfólio e escolhem aquilo que acreditam que tenha potencial de mercado. E constroem um projeto ou um protótipo. Cientistas detestam fazer a parte de desenvolvimento de projeto. Na química, é preciso olhar o grau de toxidade, a embalagem, o processo de entrega etc. Investimos de US$ 500 mil e US$ 1 milhão para transformar uma tecnologia em estado inicial em algo que possa gerar mais interesse por parte dos investidores. Com isso, aumentamos dramaticamente a taxa licenciamento das nossas tecnologias.

E como é feita a distribuição dos royalties das patentes desenvolvidas no instituto?

Nosso modelo é que o cientista fica com 40% e o instituto 60%. Isso ajuda a estimular a ambição dos cientistas e a garantir que os nossos estudantes de PhD não irão virar técnicos em uma grande empresa.  É preciso ter esse tipo de incentivo, mas ele não pode se tornar o único incentivo. O principal tem que ser a paixão pela pesquisa e pela ciência. Temos um grupo grande de cientistas que se tornaram milionários. E estamos felizes com isso. Inclusive temos um cientista que fez muito dinheiro e que investe na própria pesquisa. Ele não gasta com roupa cara nem com jatinho particular. Quando ele ganha uma bolsa para uma pesquisa, ele complementa com recursos próprios. Estou falando de milhões.

No Brasil talvez a gente tenha o pior dos mundos. Geramos pouca patente do lado da ciência pura, pouca coisa que não seja tecnologia incremental. Falta suporte e estímulos para que os cientistas busquem patentes, e interagimos pouco com o setor privado.

Vocês não estão sozinhos. Visitei a Universidade de Tóquio recentemente. E estou falando de Japão, que é um gigante tecnológico. O modelo lá é louco. A Mitsubishi e todas as grandes empresas financiam as pesquisas nas universidades, mas sob a condição de que todas as descobertas devem pertencer às empresas. Ok. Eles estão fazendo descobertas. Mas tudo vai para as grandes empresas. Não é que os pesquisadores e a universidade não se beneficiem. Mas esse modelo impede pequenas startups de terem acesso à tecnologia. É preciso que todo o ecossistema seja saudável. Acho que conseguimos criar esse ambiente em Israel, com as nossas tecnologias sendo adotadas por empresas de diferentes tamanhos. É um erro transformar a pesquisa acadêmica no braço de pesquisa e desenvolvimento da indústria. Por outro lado, é preciso estimular um ambiente de comunicação saudável com o setor privado.

Qual o orçamento do Weizmann e como vocês se financiam?

Nosso orçamento é de quase US$ 500 milhões. Apenas um quarto, pouco menos, vem do governo. A receita de patentes a gente coloca em um fundo de endowment e utiliza os rendimentos, o que dá também uns 25%. Isso ajuda a custear o básico. Outros 20% vêm de filantropia: usamos para financiar projetos extras, como compra de equipamentos, novos laboratórios etc. O restante vem das bolsas que os cientistas precisam ir atrás, junto a instituições nacionais e internacionais, para financiar suas pesquisas.  É uma combinação saudável. De cada dólar, 75% depende da gente. Nós é que determinamos o que fazer com o dinheiro. Não há interferência pública: 25% de recurso público é suficiente, não quero mais.

Os cientistas é que vão atrás das bolsas de pesquisa?

Claro. O Weizmann não é nenhum paraíso. Tem que trabalhar. É saudável pois traz recursos e torna o ambiente bastante competitivo. Hoje, a principal fonte de financiamento de pesquisas para nós é a União Europeia. E tenho orgulho de dizer que nos últimos sete ou oito anos fomos a instituição que mais obteve sucesso na concessão das bolsas da UE. Mais do que qualquer outra universidade na Europa.

Em uma recente entrevista ao Brazil Journal, um dos fundadores da Singularity University, Salim Ismail, afirmou que os desenvolvimentos tecnológicos estão se acelerando de tal forma que em poucos anos vamos curar o câncer, acabar com doenças infecciosas, pois o barateamento da energia vai permitir filtrar a água em qualquer lugar. O sr. compartilha desse otimismo?

Gosto desses futuristas. São muito bons em fazer previsões, especialmente sobre o futuro. Se tem algo que a gente aprende com a ciência é que as grandes descobertas são inesperadas. Isso é o que torna a ciência tão interessante. Não compartilho desse otimismo em relação ao câncer. Estamos fazendo muito progresso, mas quanto mais a gente avança, mais a gente descobre que é mais complexo. Vai haver progresso, mas em 10 anos o câncer ainda estará entre nós e não de forma negligenciável. Na virada do século 19 para o 20, alguém afirmou que a ciência iria acabar pois havíamos solucionado a maior parte dos problemas.

E aí veio o século 20. Na ciência, a quantidade de conhecimento que se pode produzir é infinita. Não é que você soluciona um problema e fica tudo resolvido. Mas estamos vivendo momentos interessantes com a emergência de muitas novas tecnologias. O projeto Genoma, que permite entender melhor o livro da vida, definitivamente influencia a medicina. É um game changer. Na ciência da computação, a Inteligência Artificial é um grande salto. Mas vamos solucionar tudo? A Inteligência Artificial ainda é muito burrinha na comparação com uma criança. Tenho um neto de 6 meses e acho que ele é capaz de competir em inteligência. Mas o fato é que a taxa de novas descobertas está definitivamente se acelerando, com um impacto imenso na vida das pessoas. É, portanto, muito arriscado deixar apenas nas mãos dos cientistas. A sociedade como um todo tem que entender, e o setor público tem que garantir, que os cientistas devem cada vez mais explicar o que estão fazendo. Para termos uma sociedade democrática e saudável é preciso que as pessoas tenham acesso a esse conhecimento. E também para que não sejam manipuladas por populistas. A ciência te ensina a ser muito crítico e a fazer as perguntas certas.

A ciência está ameaçada com o avanço do populismo?

Há uma ameaça e precisamos lutar contra. Nunca direi que tenho as ferramentas eternas, mas desenvolvemos uma metodologia, o método científico, que é capaz de estabelecer o que é certo e o que é errado. Essa é uma grande conquista da humanidade, e que está ameaçada pelos populistas.

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