Quando ainda era estudante de marketing na FAAP, Alex Szapiro começou sua vida profissional como liquidante do Banco Garantia, uma profissão varrida do mapa pelo avanço da tecnologia.

Hoje, como presidente da Amazon no Brasil, cada passo seu é monitorado pelo mercado, que teme que a Amazon varra do mapa outros varejistas.

Amada pelos clientes e temida pelos concorrentes, a Amazon está há quase cinco anos no País mas ainda vende — apenas — livros aqui.  Como a empresa parece produzir uma novidade por semana nos EUA, é frequente ouvir a crítica de que a Amazon não está tomando riscos suficientes aqui.

Qual é, afinal, o problema da Amazon no Brasil?  Seria a logística brasileira?  Nosso sistema tributário complicado?

Nessa conversa com o Brazil Journal, Alex desfaz estes mitos e diz que a Amazon só quer saber do cliente.

Depois do Garantia, Alex foi trainee do corporate bank do Citibank, foi um dos primeiros funcionários do Submarino (agora parte da B2W), e trabalhou nas operações brasileiras da Palm e da Apple.

Quando vocês começam a vender mais do que livros no Brasil?

A gente não abre o plano: meus concorrentes lêem o seu site [risos]. Mas eu já passei por cinco multinacionais diferentes, já trabalhei em empresas locais, e uma coisa interessante da Amazon é que não tem essa questão da pressa. A gente faz quando a gente sente que está pronto para fazer. Nosso foco é olhar o ‘input’ do cliente. Veja o segmento de livros: a gente acha que tem tanto ainda por fazer! No Brasil, a gente lançou o livro digital em dezembro de 2012, lançamos o livro físico em agosto de 2014, lançamos o marketplace para livros agora, há 45 dias…

Alex SzapiroUma obsessão minha é ter em estoque um exemplar de cada livro que existe no Brasil. Um varejista normal pensa, “o ‘turn’ do meu inventário tem que ser o maior possível”. Para nós, a métrica mais importante é a seguinte: mesmo que um livro não venda há cinco anos, quando alguém entra para buscar aquele livro, a gente tem ele em estoque.

Outra métrica: quanto da demanda que as pessoas estão olhando eu consigo entregar em 48 ou 72 horas?  A minha obsessão é cada vez mais abaixar o tempo de entrega para este cliente. O sucesso da Amazon está baseado em sortimento, oferta (pode ser o menor preço ou não) e conveniência (entregar no menor tempo possível, ter as ferramentas do one-click…).  Então, essa questão da expansão, é lógico que estamos olhando expansão e infelizmente eu não posso abrir [detalhes], mas mais importante do que a expansão em si é, ‘como posso ter certeza de que estou fazendo o melhor pro consumidor nas coisas que eu já trabalho hoje?’ As métricas do time aqui estão todas baseadas nisso.

Você não pode falar de timing, mas é óbvio que a Amazon no Brasil um dia vai ter tudo que tem lá fora?

Não posso te dizer isso.  

A logística brasileira tem sido um problema para vocês tanto quanto as pessoas dizem?

Todo mundo fala da logística no Brasil, e eu falo o seguinte: a Amazon cresce absurdamente na Índia, e a Índia é dez vezes mais difícil de se fazer logística que no Brasil. Começando pela seguinte questão: na Índia, muitas das cidades não tem CEP. Ou seja, pra você fazer a entrega de um produto, você fala: ‘o produto vai para a casa azul, atrás da casa verde… a 50 metros da igreja amarela’.  É assim que funciona!

Por que estou dizendo isso? Porque todos os desafios que a gente vê são resolvíveis. Na Índia, a gente só pode operar com marketplace; pela legislação indiana, um varejista estrangeiro não pode operar no país. A Amazon criou uma série de inovações para operar lá:  a gente vai com um carrinho de sorvete a milhares e milhares de pequenas lojas, escaneia os produtos, ajuda esse lojista a entrar na internet, e ao mesmo tempo usa essa loja como um ‘pick up point’, ou seja, o cliente pode pedir pra entregar na casa dele ou na loja.  Se você usa inovação e tem um time para fazer isso, nenhum desafio é intransponível. A questão logística no Brasil não é um desafio. Quando você troca de Estado na Índia, é quase como trocar de País.

E a questão tributária?

A questão tributária também… A questão tributária é complexa, mas uma vez que você desenha e codifica…

Dá pra fazer ‘same-day delivery’ no Brasil?  

Sim.  Tem empresas hoje fazendo. Por exemplo, a Loggi.  As pessoas criam esse mito [da logística]. A diferença entre os criadores dos mitos e aqueles que resolvem os problemas — sem citar nenhum nome — é que algumas dessas empresas não querem investir porque estão muito preocupadas com o P&L (o resultado). Na nossa visão, o P&L é uma decorrência das coisas que você faz certo.

Como nasce um projeto dentro da empresa?

Todo projeto novo que a gente vai fazer aqui dentro nasce de um press release. Em muitas empresas, o projeto novo nasce de um business plan. Aqui não. O dono do projeto tem que escrever um press release interno [que será publicado quando o projeto estiver pronto]:  “Rio de Janeiro, dia tal e tal.  Hoje, a Amazon lança o produto tal e tal….” Quando você faz um press release, tem uma grande vantagem: você está mostrando para todo mundo o que o produto é.  Grande parte do problema nas inovações das empresas é que a pessoa que montou o produto tinha uma ideia, a pessoa que vai codificar o produto tinha outra ideia, a pessoa de marketing entendeu outra coisa e a pessoa de vendas, outra coisa. Quando você faz o press release, todo mundo entende o problema que a gente quer solucionar. Todo mundo lê o press release e a gente começa a desenvolver o produto.

Vocês lançaram o marketplace de livros no Brasil há menos de dois meses. Vocês permitirão que grande varejistas concorrentes vendam seus produtos no marketplace?

Sim. Por exemplo, a quarta ou quinta maior livraria do Brasil, a Livraria Curitiba, entrou recentemente. Temos dois tipos de clientes no marketplace: indivíduos e profissionais. Temos um cliente no Nordeste que gosta de revender todo livro que ele compra depois que ele lê.  Também tem os sebos.  Os sebos hoje no Brasil têm nichos: comic books, etc. Os sebos podem entrar na plataforma como indivíduos ou profissionais. 

Parece apenas lógico que você não vai ficar só no livro, que em algum momento a Amazon daqui vai ser igual à de lá…. Quantas pessoas vocês estão contratando no País?

Centenas.  Muito desenvolvedor, mas muita gente de business também.  Quem entrar no nosso site vai ter uma noção disso.

Tem algum varejista nacional, como uma Livraria Cultrura, por exemplo, que já esteja vendendo no seu marketplace ou eles te vêem apenas como concorrente?

Não, que eu saiba não. Mas como o marketplace é uma coisa aberta, se eles quiserem entrar e vender, não tem nada que os impeça, porque no final do dia quem vai escolher é o consumidor final.  Se [a Livraria Cultura, por exemplo] tiver uma oferta de livros melhor, ou tiver um estoque que eu não tenho.. fantástico, porque eu estou resolvendo o problema do meu cliente.

Então é assim: vocês não olham para nenhum varejista online como concorrente — eles é que podem olhar pra você e talvez dizer, ‘ah, ele é concorrente, não vou vender nele.’

É isso!

Vocês vão trazer o Alexa para o Brasil?

Não há planos por enquanto.

Jeff BezosCom relação ao seu time de programadores, você tem gente em Seattle [sede da Amazon] e nas operação locais, mas onde está a maior parte?

Aqui. Eu já tenho hoje um time grande, e estamos contratando muita gente porque muita coisa é local.  A gente não é uma empresa ‘one size fits all’.  Você tem que trabalhar descentralizado. Claro, tem muita coisa que é desenvolvida em Seattle e usada no mundo todo, mas tem muita coisa que são nuances do mercado brasileiro, ou que são desenvolvidas aqui porque dão velocidade.  A Amazon entende que a operação local tem que ter a descentralização e a independência para trabalhar e resolver as questões locais. 

Quanto a Amazon já fatura no Brasil?

Não falamos.

Há alguns anos havia rumores de que vocês estavam negociando com a Saraiva, e nos EUA sempre que um grande varejista americano quebra, alguém levanta a possibilidade da Amazon comprar uma rede física. Aliás, a Amazon já tem três formatos de loja física: a Amazon Go, Amazon Books (livrarias) e o Amazon Fresh Pickup, aquele pickup de groceries que está em beta em Seattle. Vocês descartam crescer por aquisição no Brasil?  O que faria sentido para vocês?

A questão de aquisição, se você olhar o histórico da Amazon no mundo, ela geralmente compra empresas que têm um management fantástico, que tenham inovações que ela possa usar em outros lugares do mundo, ou que ela possa usar pra aprender. Não existe uma regra, mas esses traços têm sido comuns a todas as aquisições.

Quais são os grandes mitos sobre a Amazon no Brasil hoje, coisas que as pessoas acreditam mas não são verdade?

Acho que a questão da pressa. Isso vem muito do pensamento de curto prazo. Temos tantos desafios interessantes pra gente resolver, e trazer inovação.  Os acionistas da Amazon no mundo todo sabem como o Jeff [Bezos] pensa. Ele é uma pessoa de longo prazo. Quando uma ação cai 30%, as pessoas não ficam mais burras por isso, e quando sobe 30%, não ficam mais inteligentes. O mercado financeiro não pode ser um ‘voting machine’. Você tem que trabalhar para as coisas que são certas para o cliente, porque aí no longo prazo você vai ter um ‘payoff’. Mas quando você tem uma visão de curto prazo, é muito difícil isso, porque como você vai decidir entre tomar uma decisão para o P&L ou para o cliente?

 
Aliás, quando a gente entrevista pessoas aqui, eu gasto 10% do tempo perguntando sobre a experiência da pessoa (até porque a experiência está no CV), e 90% do tempo com perguntas específicas para ver o ‘fit’ daquela pessoa na cultura da empresa. Uma pergunta clássica é, “Me dá um exemplo de alguma coisa que você fez que impactou negativamente o P&L mas foi muito bom pro cliente.” Muita gente diz, “Mas eu nunca fiz isso! Acho errado!” A nossa visão é de resolver o problema do cliente e com o tempo o resultado vai vir.

Voltando na questão da pressa, a impressão que eu tenho é que as pessoas olham para os EUA e vêem que toda a semana a Amazon lança uma novidade e dizem: ‘lá é assim porque é fácil fazer negócios. No Brasil, é tão difícil que demora anos para sair do livro para outras categorias.’

Eu seria ingênuo se te dissesse que o Brasil não é um país complexo, mas por outro lado essa complexidade dá muita gana pras pessoas resolverem os problemas.  Você sabe que desde a década de 70 o executivo financeiro brasileiro é considerado um dos melhores do mundo porque sabia trabalhar num ambiente de inflação, tecnologia bancária… Quando lançaram a TED aqui no Brasil, quantos países no mundo tinham uma transferência bancária imediata?  Nosso sistema bancário surgiu de uma necessidade…  

 
Outra coisa sobre a pressa é o seguinte:  dos cento e poucos milhões de pessoas conectadas na internet agora, eu diria que nem todo mundo conhece a Amazon.  Nós conhecemos, talvez seja um punhado de milhões de pessoas, mas muita gente que está comprando com a gente hoje não viaja para Miami, para Nova York, pra Europa. Nossos clientes estão em todas as faixas etárias e em todas as classes sociais.

Mas obviamente você está otimista com o ecommerce no Brasil.

Extremamente otimista. Os números que a gente tem visto são muito melhores que a nossa expectativa: números de venda, clientes novos, repetição de compra….  Não sei se a gente foi conservador, sempre tem essa possibilidade, mas a gente vê muito isso. 

Fazendo um paralelo: eu faço parte do conselho da Universidade de Tel Aviv. Todo ano a gente leva um grupo de brasileiros para Israel pra entender um pouco o ecossistema israelense de startups.  Israel é um país de 8 milhões de habitantes que basicamente era um deserto até 50 anos atrás.  Como é que esse país tem empresas como o Waze, a Mobileye [empresa de tecnologia para veículos autônomos vendida recentemente à Intel por US$ 15 bilhões), e se tornou um polo de cyber security?  Como é que esse país se tornou o maior per capita de VCs do mundo?

Sem demérito para os israelenses:  retire do Brasil o minério de ferro, a soja, o petróleo, e veja se isso aqui não vai florescer…

É isso que eu estou dizendo:  na adversidade, as pessoas são muito criativas. Claro, tem outros fatores em Israel: a pessoa sai do Exército e vai viajar o mundo por dois anos. Volta dessa viagem e já sabe os problemas que quer resolver, ela pensa numa empresa global desde o momento zero porque não existe mercado local em Israel… Então você criou um ecossistema.  Há alguns anos, o CEO da Microsoft em Israel me disse: ‘O meu maior problema é contratar gente, porque as pessoas não querem trabalhar em empresa, querem abrir seu próprio negócio.’