Ela cuida das contratações do mais polêmico hedge fund americano. Seu trabalho: garantir que os analistas e gestores tenham ideias fora da caixa – e, claro, ganhem dinheiro.

O fundo pertence a um bilionário megalomaníaco de talento inquestionável e ética nem tanto. (Acusado de insider trading, ele fechou um acordo que o proibiu temporariamente de gerir recursos de terceiros.)

Parece uma sinopse de ‘Billions’, a série da Showtime que virou mania no mercado financeiro. Mas não é.

Na vida real, Wendy Rhoades – uma espécie de ‘coach’ cujas técnicas tiram o melhor da equipe da Axe Capital – atende por Lauren Bonner, e está levantando a bandeira da igualdade de gênero em Wall Street.

Formada em Harvard e com anos de experiência na contratação de analistas e gestores para a Bridgewater Capital – o maior hedge fund do mundo – Bonner foi contratada no começo de 2016 para trabalhar na Point72, a gestora criada para administrar a fortuna pessoal de US$ 11 bilhões de Steve Cohen, o gestor que inspirou o personagem de Bobby Axelrod.

Com quase dois anos de casa, Bonner entrou com um processo por discriminação contra a gestora, justo quando a proibição de Cohen de administrar dinheiro de terceiros expirava e ele havia acabado de levantar US$ 3 bilhões em capital externo.

“Eu estava acostumada a ser a única mulher na sala, mas era tratada com respeito”, ela disse à revista New Yorker, referindo-se a seus trabalhos anteriores na Bridgewater e em startups de tecnologia. “Na Point72, era assustador.”

No processo, Bonner narra que o CEO Douglas Haynes deixou a palavra ‘pussy’ escrita em letras garrafais numa lousa em seu escritório com paredes de vidro, sem razão aparente, constrangendo mulheres que participavam das reuniões na sua sala.

Ainda de acordo com a queixa, num evento de fundraising, um consultor contratado pela companhia perguntou a outro homem, ao apresentar uma de suas funcionárias: “Você quer transar com ela? Você pode. Ela trabalha para mim.”

Bonner alega ainda que colegas do sexo masculino rotineiramente faziam comentários sobre a aparência física das mulheres e que as funcionárias eram preteridas em promoções.

Na Point72, a executiva desenvolveu uma ferramenta que usa algoritmos e análise de dados para recrutar gestores e analistas fora das tradicionais escolas de negócio americanas. “Se você sabe quais os traços de um grande investidor, não precisa continuar contratando o presidente do clube de investimento de Wharton”, Bonner disse à New Yorker. “Você pode achar uma pessoa que está se formando em agricultura em Iowa. Essas pessoas vão ter uma perspectiva diferente e isso é financeiramente importante para a empresa”.

A ferramenta foi abraçada pela Point72 e Bonner foi bem avaliada em suas avaliações de performance — mas ainda assim diz que foi preterida em promoções e que um homem com menos experiência foi contratado para um cargo superior com um salário maior (Em 2018, de acordo com seu processo, ela deve ganhar um salário base de US$ 300 mil mais um bônus de US$ 225 mil.)

O comitê que bate o martelo sobre quem entra, quem sai e quem é promovido na companhia é formado apenas por homens. Segundo o processo, dos 135 gestores de portfólio da Point72, apenas um era mulher. O mesmo vale para os 32 diretores da gestora: 31 homens.

(Curiosamente, o roteiro de ‘Billions’ questiona os papéis de gênero com a personagem Taylor, que assume o comando da firma com o afastamento de Axe e se define como ‘não-binária’ – uma pessoa a quem gênero não se aplica. Na cena em que se Taylor apresenta a Axe, ela diz: ‘Hi, my name is Taylor. My pronouns are ‘they, their and them‘”).  

Em março, poucas semanas depois que Bonner deu entrada no processo, a Point72 anunciou a contratação de uma firma de advocacia para conduzir uma ‘revisão interna da sua cultura’. Logo em seguida, Haynes renunciou ao cargo de CEO e o diretor de RH, Mike Butler, também deixou a companhia.

Apesar de ter entrado com o processo, Bonner segue dando expediente na Point72.

“Muita gente tem me perguntando recentemente porque mais mulheres não falam sobre isso [a discriminação em Wall Street] se a situação é assim tão ruim”, ela disse à revista. “Minha resposta é: mais mulheres não falam abertamente sobre isso exatamente porque a situação é tão ruim. É por isso. É um pequeno clube, e um clube no qual só homens são admitidos, e as mulheres morrem de medo de não conseguir outro emprego.”