Natural da fonte, mais pas beaucoup.

A Perrier, conhecida como a champanhe das águas minerais, está no centro do mais novo escândalo na França. A marca teria usado métodos de purificação não condizentes com o selo de “água mineral natural.”

A revelação acaba de se transformar em crise política porque um relatório do Senado diz que a gigante suíça Nestlé Waters, que adquiriu a Perrier no início dos anos 90, teria feito lobby entre autoridades francesas, inclusive assessores do presidente Emmanuel Macron, para que a borbulhante informação não viesse à tona.

De acordo com os senadores, o Governo tinha conhecimento desde 2022 de que a Nestlé vinha burlando a regulamentação e usando indevidamente a seleta classificação de “natural.”

Call it the French Watergate,” resumiu o site Politico, valendo-se do trocadilho pronto.

O prêmio no preço cobrado pela centenária Perrier se justificava, em boa parte, pela distinção de ser considerada uma água pura como saída de sua fonte, em Vergèze, no sul da França. Mas, assim como acontece com a água de torneira, ela vem passando há anos por um tratamento com filtros de carvão ativado e luz ultravioleta.

Pelas regras da França e da União Europeia, a prática não é condizente com o selo de “natural”.

Segundo a imprensa francesa, a Nestlé Waters enviou um relatório aos reguladores dizendo que o uso de métodos de tratamento se fez necessário no passado em razão de “esporádicas contaminações bacterianas ou químicas” causadas por “contaminações fecais.”

O caso foi revelado pelo jornal Le Monde e pela Radio France, que publicaram reportagens conjuntas em setembro. A empresa teria chegado a pagar € 2 milhões para encerrar um processo legal.

A novidade desta semana foi o documento do Senado denunciando o acobertamento político da informação.

“Esse escândalo é um livro-texto sobre a captura dos reguladores e conluio do governo com a indústria,” disse ao New York Times o senador que liderou as investigações, o oposicionista Alexandre Ouizille, do Partido Socialista.

De acordo com o relatório do Senado, o ex-secretário-geral no gabinete de Macron no Élysée, Alexis Kohler, manteve reuniões com executivos da Nestlé. Macron, entretanto, negou que tivesse conhecimento do caso.

A Nestlé Waters confirmou que manteve conversas com as autoridades sobre o assunto, mas seguindo as “regras da ética.”

A empresa disse ainda que “todos os seus produtos de água mineral natural no mercado sempre foram e continuam sendo seguros para beber, e sua mineralidade única corresponde ao descrito no rótulo.”

Um caso parecido havia estourado em 2019. As marcas Cristaline e Vichy Célestins, da Sources Alma, estariam passando por tratamentos de purificação, de acordo com uma denúncia. A empresa negou.

Mas a partir dessa notícia a Nestlé Waters, dona também da marca Vittel, teria procurado voluntariamente as autoridades para informar sobre os seus métodos de purificação.

A empresa negociou uma transição, deixando de usar carbono ativado e passando a empregar uma microfiltragem com poros de 0,2 mícron. Pela regras existentes, filtragens abaixo de 0,8 mícron configuram risco de alterar a composição natural. Mas as autoridades revisaram as normas e autorizaram a Nestlé Waters a utilizar esse método.

Está sob análise agora se a Perrier poderá continuar usando a classificação de “água mineral natural”. Por ora, a empresa recebeu a ordem para suspender o tratamento das águas envasadas.