NEW YORK – A americana Dylan Mulvaney, uma transgender de 26 anos e 1,8 milhão de fãs no Instagram, comemorou em março seu primeiro ano como mulher. Ao longo de meses, sua transição de gênero foi meticulosamente acompanhada por mais de 10 milhões de seguidores no TikTok, ultrapassando um bilhão de visualizações.
Como presente de aniversário, a Bud Light, uma das principais marcas da Anheuser-Busch InBev, fez uma lata comemorativa com o rosto de Dylan e, em 1 de abril, a influencer postou um vídeo vestida como a personagem de Audrey Hepburn em Breakfast at Tiffany’s.
Naquele dia, estava acontecendo a final four do March Madness, o principal torneio de basquete das universidades americanas. Trata-se de um dos campeonatos de maior audiência no país, e do qual a Anheuser-Busch InBev é a maior patrocinadora.
Apesar disso, enquanto bebe a cerveja no vídeo, Dylan diz que “não faz ideia” do que seja a March Madness – apenas que é algo “relacionado a algum esporte” – e que merecia comemoração.
Nem a escolha do porta-voz nem o script desceram redondo para o cliente médio da Anheuser-Busch InBev, cuja Budweiser sempre esteve associada à testosterona e esportes ‘macho man’ como o futebol americano.
A reação ao post de Dylan foi imediata: pessoas começaram a postar fotos de latas da Bud Light jogadas no lixo, enquanto outros usavam as latas como objeto de tiro ao alvo.
Mas para a reputação da Anheuser-Busch InBev, o que veio depois ainda foi pior — mostrando a calibragem delicada que as marcas precisam ter para ser mais inclusivas, sem com isso alienar parte da clientela.
A partir daquele dia, a companhia suspendeu sua agenda de postagem e optou pelo silêncio – no que um colunista chamou de ‘um novo fundo do poço na coragem empresarial.’ A marca ficou calada por duas semanas, deixando Dylan sozinha, “de cabeça erguida em meio a um furacão de ódio.”
“A Bud Light chutou um vespeiro e saiu correndo,” comentou Ben Schott, um colunista da Bloomberg.
Os motivos da Anheuser-Busch para “ousar” contratando Dylan são claros.
Alissa Heinerscheid, a vp de marketing da Bud Light, disse a um podcast uma semana antes do escândalo que a marca está em declínio e que, sem novos consumidores, não terá futuro. Por isso, disse ela, sua missão é atrair mais diversidade e juventude.
Um estudo da Morning Consult com americanos entre 13 e 38 anos mostra que 72% deles seguem algum influencer – seja por voyeurismo, inspiração, para seguir tendências ou diversão.
Mas marcas que querem ousar em suas mensagens geralmente se preparam para as reações do público – o que nitidamente não aconteceu neste caso.
Para uma executiva de branding, não está claro se a postagem de Dylan fazia parte de uma estratégia de longo prazo da Bud Light – refletindo um compromisso real da empresa com a diversidade – ou se foi apenas uma inserção oportunística, com a empresa tentando forçar uma situação sem conexão com a história da marca.
“As marcas estão perseguindo um discurso de inclusão, mas nem toda marca tem substância pra isso,” o dono de uma das maiores agências do País disse ao Brazil Journal.
“No caso da Anheuser-Busch InBev, a peça não teve uma cadeia de aprovação. Qualquer escolha que você vai fazer hoje, você tem 1000 oportunidades de testar — e precisa testar. Cerveja é mainstream, ou seja, fala para todo mundo, não é nicho.”
Anos atrás, a Natura&Co fez uma campanha de Dia dos Pais em que o protagonista era Thammy Miranda, um pai trans. O pastor Silas Malafaia propôs boicote à marca, mas a rede sociais apoiaram a Natura em peso.
“Na época, a Natura não recuou, porque a marca tinha escopo para aquela mensagem. O problema não é a mensagem; é adequar a mensagem ao público,” disse este publicitário.
A Anheuser-Busch InBev rompeu o silêncio com uma carta do CEO da América do Norte, Brendan Whitworth – que, sem nunca mencionar a influencer, falou do compromisso da empresa com “os militares, profissionais de primeiros socorros, trabalhadores e fãs de esportes”, e que “a intenção não era participar de uma discussão que dividisse o país, já que o propósito da cerveja é justamente agregar pessoas.”
Ben Schott, o colunista da Bloomberg, chamou a carta de “uma declaração bizarramente complicada e incongruentemente patriótica.”
Por outro lado, o professor de jornalismo Nathian Rodriguez, da San Diego State University, disse à CBS, que não há nada para a Bud Light ou a Anheuser-Busch Inbev se desculparem, lembrando que esta não foi uma campanha nacional, e a Bud Light fez apenas o que já faz há anos: uma opção pela diversidade nas redes sociais.
Esta semana, numa tentativa aparente de contornar a polêmica e agradar seu público mainstream, a Budweiser, a marca irmã da Bud Light, levou ao ar um novo comercial.
Ele mostra um cavalo clydesdale, símbolo da marca, galopando por diferentes cidades americanas, e homens se confraternizando com a cerveja.
O recado foi dado.