Uma nova geração de políticos democratas pode começar a emergir na eleição desta terça-feira, quando os EUA votam para renovar 435 vagas na Câmara, um terço do Senado e 36 dos 50 governos estaduais.
De acordo com as últimas pesquisas, o país está prestes a romper barreiras históricas elegendo, entre outros firsts, a primeira governadora negra e o primeiro governador abertamente gay. A tônica da eleição: um maior ativismo dos democratas em resposta a Donald Trump.
Estados que há 40 anos são governados pelos Republicanos estão suscetíveis à chamada ‘onda azul’, como South Dakota.
Uma das disputas mais emocionantes está na Geórgia, onde Stacey Abrams está virtualmente empatada com o republicano Brian Kemp, que ocupa o cargo de secretário de Estado.
Advogada, pequena empresária e deputada estadual há 10 anos, Abrams conseguiu se conectar com o eleitor transformando suas vulnerabilidades em capital político: assumiu que tem dívidas com o Fisco, está penando para pagar o crédito estudantil que foi seu passaporte para a Yale Law School, e tem familiares com problemas de drogas e passagem pela cadeia.
Seu adversário sofre acusações de racismo porque, como secretário de Estado, atuou para redesenhar as zonas eleitorais de forma a diluir o voto negro, impedindo que ele se tornasse maioria em algumas zonas. As leis eleitorais do Estado também exigem que o cadastro do eleitor seja ‘exatamente igual’ aos dados da carteira de motorista, o que acaba por invalidar o título de eleitor da população menos educada (e frequentemente negra).
Num Sul ainda atormentado por essas tensões raciais, Abrams tem navegado o tema com pragmatismo e elegância. Na campanha, quando lhe perguntam se seu adversário é racista, Abrams responde: “Não sei o que está no coração dele. Mas, independentemente de suas intenções, o preconceito racial está inserido no sistema e isso mina a confiança na nossa democracia.” A resposta gera empatia na comunidade negra sem alienar o eleitorado branco progressista.
Abrams tem tanto carisma que celebridades estão indo ao Estado bater de porta em porta pedindo voto para ela. O ápice destes apoios: Oprah Winfrey – que transcende o debate racial e é uma unanimidade em quase todos os estratos sociais americanos – e Barack Obama.
Mais do que qualquer outro, o endosso de Oprah – que você pode ver aqui – pode realmente fazer a diferença. Um estudo sobre o “efeito Oprah” feito na Universidade de Maryland sustenta que a apresentadora conseguiu pelo menos 1 milhão de votos a mais para Obama nas prévias contra Hillary Clinton.
Esta semana, o vídeo de uma eleitora ‘surtando’ ao abrir a porta de casa e se deparar com Oprah pedindo votos para Abrams viralizou.
Outro estado há muito dominado pelos republicanos, a Flórida deve eleger o democrata Andrew Gillum, numa disputa que já se transformou num plebiscito sobre Trump.
Prefeito de Tallahassee, Gillum tem 39 anos e é o primeiro candidato negro a (sequer) disputar o governo da Flórida – e também o primeiro membro de sua família a completar o ensino médio e fazer faculdade. Seu discurso principal é a preocupação com os 45% dos moradores da Flórida que não têm renda suficiente para “terminar o mês”. “Cresci vendo os meus pais tendo que decidir qual conta pagar, pois não dava para pagar tudo,” diz.
Gillum defende melhores salários para professores e uma renda mínima de US$ 15 a hora. Enquanto seu oponente Ron DeSantis exibe como troféu o apoio da Casa Branca, Gillum fala em leis mais duras para o porte de armas e se preocupa com a mudança climática.
Sua campanha começou módica (a mais barata dentre os candidatos democratas durante as prévias), mas ganhou um mega empurrão de Tom Steyer, o fundador do Farallon Capital, um dos maiores hedge funds do mundo.
Democrata roxo e bilionário, Steyer vendeu sua participação no Farallon há seis anos e se reinventou como ativista político e de causas ambientais. Já doou US$ 5 milhões para a campanha de Gillum – mais do que para qualquer outra campanha este ano – e lançou um movimento pelo impeachment de Trump. A poucos dias da eleição, Gillum está mais de 10 pontos à frente de seu adversário.
No Colorado, o democrata Jared Polis – deputado por cinco mandatos – pode se tornar o primeiro governador abertamente gay do país.
Aos 43 anos, casado e pai de duas crianças, Polis é um dos deputados mais ricos do Congresso americano. Fez uma fortuna estimada em US$ 400 milhões ao fundar e vender startups nos primórdios da internet, no final dos anos 90. No Congresso, participa de comissões ligadas à liberação da maconha, direitos LGBT e blockchain – temas caros ao Colorado, um Estado progressista onde a liberação da cannabis já é realidade há anos.
Jared Polis nasceu Jared Schutz, mas mudou de sobrenome aos 25 anos para homenagear a avó. Quando tinha 11 anos de idade, o moleque foi à Câmara Municipal se opor a um projeto imobiliário que seria erguido sobre uma área de cânions (onde ele brincava todo dia depois de ir à escola). Depois que Jared falou aos vereadores por 10 minutos, o pedido de alvará foi negado, e o prefeito disse ao jornal local que “a fala daquele jovem rapaz fez toda a diferença.”
O adversário de Polis, o republicano Walker Stapleton, tem tentado se descolar de Trump, mas sem sucesso. Tuítes do Presidente declarando seu apoio têm surtido o efeito contrário.
Outra disputa que está energizando os democratas envolve o Senado. No Texas, contrariando todas as previsões, Robert Francis ‘Beto’ O’Rourke – um deputado democrata de El Paso – pode surpreender com uma vitória sobre o republicano religioso Ted Cruz, que tenta a reeleição com uma das campanhas mais caras de todo o País. O Houston Chronicle, que endossou Cruz há seis anos, agora apoia O’Rourke.
O Texas não elege um democrata para o Senado desde 1988 – e se O’Rourke vencer, será com um discurso pró-imigrantes mexicanos numa época em que demonizá-los ajudou a eleger um presidente. As pesquisas ainda colocam Ted Cruz à frente na disputa, mas se os millennials resolverem comparecer em massa, o homem que Trump apelidou de ‘Lying Ted’ pode ser aposentado.
De origem abastada – a mãe tinha uma loja de decoração e o pai foi Secretário da Marinha de John F. Kennedy – O’Rourke viveu intensamente antes de se dedicar à política: teve sua banda de punk rock, chegou a bater o carro embriagado (depois prestou serviços comunitários), e trabalhou de ‘babysitter’ em Nova York.
Mais articulado que a média dos democratas, tem lotado seus eventos com multidões jamais obtidas pelo partido no estado.