Durante anos, o mercado de cartões de benefício no Brasil operou com um grau de proteção que beirava o cartel. Grandes operadores dominaram o setor em arranjos fechados, redes proprietárias e pouca ou nenhuma competição.
O discurso era o de proteger o trabalhador, garantindo que o vale-refeição e o vale-alimentação fossem usados exclusivamente para alimentação. Na prática, o resultado foi outro: um sistema caro, fragmentado e ineficiente, onde o custo da intermediação recai justamente sobre quem deveria ser protegido.
Essa estrutura começa agora a ruir. E no lugar dela, surge uma nova trilha — literalmente. Pela primeira vez, as transações com cartões de benefício poderão seguir caminhos abertos, interoperáveis e multibandeira. As bandeiras Visa, Elo e Mastercard estão criando uma trilha específica para esse tipo de cartão, rompendo com o modelo dos arranjos fechados. Isso só foi possível porque o Congresso e o governo mudaram as regras do jogo.
A Lei 14.442/22 e o Decreto 11.678/23 não só preveem a interoperabilidade entre arranjos, como também abrem espaço para portabilidade do benefício e proíbem práticas que distorciam o mercado, como os rebates pagos aos RHs das empresas. Embora ainda faltem normas técnicas complementares, a nova base regulatória está posta. E ela muda tudo.
Muda para os lojistas, que não precisarão mais manter contratos com múltiplos operadores. Muda para os emissores, que terão que competir em qualidade e taxas. Muda para as adquirentes, que agora podem processar uma nova trilha de pagamentos antes inacessível. E, principalmente, muda para os trabalhadores, que ganham liberdade para escolher seu emissor e passam a ter seu cartão aceito em qualquer maquininha.
Nem todos gostaram. As grandes operadoras tradicionais — que há décadas lucram com um sistema opaco e verticalizado — resistem. Alegam riscos jurídicos, defendem a manutenção do modelo e tentam desacelerar o avanço da interoperabilidade. Enquanto isso, novas empresas como Caju, Swile, Flash, Vee e iFood Benefícios pressionam por abertura, competição e eficiência.
Essa disputa é mais do que técnica: é econômica. Trata-se de um mercado bilionário, que historicamente funcionou como uma ilha de ineficiência dentro do sistema financeiro. A nova trilha não resolve todos os problemas do PAT — e talvez nem devesse existir um programa com tanta distorção de origem. Mas ao menos agora, os trilhos apontam para uma direção mais racional: mais competição, menos amarras, maior liberdade de escolha.
O sistema muda. E com ele, a possibilidade de que o benefício seja, enfim, benéfico.
Edson Santos é fundador da Colink Business Consulting e especialista em meios de pagamento.