Se você acompanha as notícias do Brazil Journal diariamente, existe uma grande probabilidade de você trabalhar em uma firma de investimentos, ou quem sabe em uma consultoria econômica e de risco político, tendo a missão de traçar cenários e fazer julgamentos sobre as perspectivas para os próximos meses.
Breaking news: sua capacidade de fazer prognósticos certeiros não deve ser muito mais acurada do que a de um chimpanzé atirando dardos.
Quem diz isso é o psicólogo Daniel Kahneman, ganhador do Nobel de Economia em 2002 e professor emérito de Stanford, em Ruído: Uma falha no julgamento humano (432 páginas, Objetiva, R$ 84,90). O livro foi escrito em parceria com Olivirer Sibony, professor de estratégia na HEC Paris, e Cass Sustein, professor de direito em Harvard.
Os autores analisam como as avaliações feitas por juízes ou especialistas técnicos são sujeitas a equívocos por fatores tão prosaicos quanto a temperatura ambiente ou o dia de aniversário de uma pessoa. “Onde quer que haja um julgamento haverá ruído na decisão”, sentenciam eles.
O ruído, na classificação dos autores, é uma das duas causas responsáveis pelos erros de avaliação. A outra é o viés, tema do best-seller Rápido e Devagar, publicado por Kahneman há dez anos. Se uma balança errar repetidamente o peso para cima ou para baixo ela é enviesada. Mas se a balança exibir erros aleatórios, sem uma tendência identificável, a sua falha é um caso de ruído. O viés, dizem os autores, é a média dos erros de julgamento. Já o ruído é a variabilidade de julgamentos que deveriam ser idênticos.
Os vieses são, por exemplo, os vícios e as ciladas das decisões intuitivas. Podem estar associados à discriminação contra certos grupos, ou podem dizer respeito ao otimismo excessivo dos analistas financeiros em tempos de bull market.
A sociedade presta muita atenção nos erros causados pelos vieses, e é ótimo que isso aconteça. Mas o ruído é tão relevante quanto nos equívocos ocorridos em avaliações que deveriam ser objetivas e técnicas, afirmam os pesquisadores. “O tema do viés é debatido em milhares de artigos científicos e dezenas de livros populares, mas poucos mencionam o problema do ruído”, dizem eles. Vieses são erros sistemáticos, mais fáceis de serem identificáveis. O ruído é o erro imprevisível, o qual não se identifica facilmente. “Por isso, em geral, nós o negligenciamos — mesmo quando causa graves danos.”
Estudos realizados nos últimos anos revelaram que os ruídos são muito mais frequentes do que se poderia imaginar, sobretudo quando se levam em consideração as decisões de juízes, médicos e outros profissionais com preparo específico para executar avaliações. Um exemplo: o estudo “Refugee Roulette”, que avaliou decisões sobre pedidos de asilo nos EUA, identificou que um juiz acolheu 5% das solicitações, enquanto outro, 88%. É uma disparidade gigantesca. Outro dado: quando dois pedidos são aprovados em sequência, a chance de um terceiro ser aprovado é 19% menor, independentemente do mérito no caso. Aquilo que deveria ser uma decisão o mais objetiva possível é na verdade uma grande loteria.
Na medicina, há também muito ruído, até mesmo em áreas como a radiografia, onde se poderia imaginar uma dose menor de disparidade nos diagnósticos. A carga de trabalho pode ser um fator decisivo em algumas prescrições. Um estudo envolvendo 700 mil consultas revelou que os médicos são mais propensos a prescrever opioides ao final de um longo dia de trabalho. “Não é lógico que o paciente sinta mais dor às quatro da tarde do que às nove da manhã”, dizem os autores. “Quando o médico está sob pressão, parece mais inclinado por uma solução rápida, a despeito dos graves efeitos adversos.”
Na Justiça as coisas não são muito melhores. Na França, um estudo de 6 milhões de decisões, ao longo de doze anos, revelou que os réus recebem tratamento mais leniente no dia do aniversário. Nos EUA, o assunto merece escrutínio desde pelo menos 1973, quando o juiz Marvin Frankel listou uma série de casos em que os veredictos para situações bastante semelhantes poderiam variar de uma pena branda de 30 dias de prisão ou até 15 anos atrás das grades. Como enfatizam Kahneman e seus coautores, não deveria ser aceitável que dois indivíduos similares, condenados por uma mesma infração, recebam sentenças drasticamente diferentes.
Há exemplos também em decisões no setor privado, como no caso das avaliações dos prêmios das empresas de seguro: a variação pode chegar a 55%, mesmo em situações praticamente idênticas. Tudo isso tem um custo. Tanto nas empresas como no setor público, existem diversas decisões cotidianas em que já existe uma forte influência do viés. O ruído agrega uma camada adicional de imprecisão e falhas.
Há, claro, atividades em que a variabilidade de julgamentos não traz necessariamente contratempos. Segundo os autores, a diversidade de opiniões é fundamental para a elaboração de novas ideias, e não existe inovação sem que haja pensamento contra a corrente. A diversidade contribui para criar novos mercados. “Mas nas questões de julgamento o ruído de sistema é sempre um problema”, ressaltam. “Se dois médicos fazem diagnósticos diferentes para a mesma pessoa, no mínimo um deles está errado.”
Então o que fazer? Os autores apontam alguns caminhos para diminuir o ruído. O primeiro passo, como numa reabilitação, é reconhecer a existência do problema. Um ponto importante é a elaboração de regras e protocolos, além de usar modelos matemáticos sempre que possível. Apesar das limitações dos algoritmos, eles podem praticamente eliminar o ruído em alguns casos.
Um julgamento deve buscar a precisão, não refletir a expressão individual e arrogante de uma única pessoa. A média de julgamentos independentes sempre terá menos ruído do que decisões monocráticas. Uma boa estratégia é estruturar as decisões em várias tarefas independentes e resistir às tentações da intuição. Segundo os autores, a intuição tem seu valor, mas deve ser informada, disciplinada e protelada.
O que define os melhores analistas não é a inteligência em si, mas a capacidade deles de empregá-la adequadamente, fazendo reavaliações constantes. Eles vivem em um estado de “beta perpétuo”, na definição do psicólogo e cientista político Philip Tetlock, autor de Superprevisões: A arte e a ciência de antecipar o futuro. Tetlock coordenou um estudo que avaliou as previsões de 300 especialistas, entre eles jornalistas famosos, consultores, acadêmicos e assessores de alto escalão. A pesquisa cobriu um período de 20 anos. Conclusão: em média, os sabichões não se saíram muito melhores do que um leitor atento do New York Times.
Outra lição: a crença segundo a qual erros aleatórios não importam porque “se cancelam” é furada. Se há múltiplos tiros dispersos ao redor do alvo, não faz sentido dizer que, na média, os tiros acertaram na mosca. As empresas, o governo e os profissionais podem tomar decisões melhores se aprenderem a lidar com o ruído e mitigá-lo. Senão, seu julgamento não será muito mais apurado do que um lançamento de dardos ao acaso.