O retrovisor do Chevrolet dirigido por Chris Rego, a CMO da GM no Brasil, mostra os concorrentes chineses se aproximando rapidamente e, com o advento do carro elétrico, tentando uma ultrapassagem perigosa para as montadoras de Detroit.
A GM tem uma visão mundial de que o futuro é o carro elétrico, mas no Brasil os chineses estão querendo antecipar esse futuro. Em poucos meses, a BYD saiu do 20º e último lugar do ranking de carros mais vendidos no país para o 14º.
Apesar disso, Chris está confiante na estratégia que a GM traçou para o carro elétrico no País – e, para ela, os chineses até ajudam, popularizando um produto ainda pouco conhecido.
O brasileiro sequer sabe que dá para carregar o carro na tomada, ou que a bateria não vicia, como acontece com o celular. Preço? “Quem compra carro elétrico hoje não olha preço,” afirma a CMO.
Chris chegou à montadora há pouco mais de um ano, depois de quatro anos como diretora de marketing do Big, a rede de supermercados que a Advent criou ao comprar o Walmart no Brasil e depois revendeu ao Carrefour.
O cargo de CMO da GM nunca havia sido ocupado por uma mulher. No Brasil, carro ainda é assunto de homem, e mesmo o mundo corporativo do setor ainda reflete isso.
No feed de Chris Rego no LinkedIn, há uma foto em que ela aparece rodeada por 19 homens, tendo como pano de fundo um grande estacionamento de carros. A postagem é sobre uma parceria da Chevrolet com a Carbon, uma empresa que faz blindagem de automóveis.
Se o futuro é o elétrico, o presente ainda são as picapes e SUVs a combustão, e a GM precisa correr atrás do prejuízo. A empresa perdeu a liderança do setor em 2021, e desde então permanece no terceiro lugar.
Neste ano, a GM paralisou fábricas porque a capacidade de produção era maior que a demanda. No mês passado, demitiu mais de mil funcionários – e depois teve que cancelar as demissões por ordem judicial.
Nesta conversa com o Brazil Journal, a CMO da GM fala sobre os chineses, o futuro do carro elétrico e como posicionar a marca nesta nova era.
A GM no mundo já anunciou que o futuro do carro é 100% elétrico. Como será a virada no Brasil?
A GM hoje tem dois carros elétricos sendo vendidos no Brasil: o Bolt e o Bolt EUV. Mas já anunciamos Blazer EUV e Equinox para o ano que vem. Estamos começando a desenhar esse portfólio e essa é uma das maiores transformações da indústria nos últimos 100 anos. É uma disrupção super relevante e todos os nossos próximos negócios estão focados nesse desenho. Mas o Brasil terá um tempo de transição um pouco maior do que alguns outros países, até por todo o ecossistema que ainda não temos. Tem que ter carregamento de carga, e as pessoas têm que acreditar que isso vai acontecer.
Qual é a principal preocupação hoje de quem decide comprar um carro elétrico? É o carregamento da bateria?
Na verdade é a autonomia. Até onde eu vou com o carro? Quanto tempo dura a bateria? Esse é um dos mitos, porque o Bolt, por exemplo, tem uma autonomia de 427 km. As pesquisas mostram que, na cidade, as pessoas trafegam em média 40 km por dia. Logo, o Bolt roda 10 dias sem ter que recarregar. Mas onde carrega? A gente brinca que é ligar na tomada em casa à noite e no dia seguinte está carregado. Ainda com a vantagem de que, diferente do celular, a bateria não vicia e não estraga.
E dá para ligar na tomada comum mesmo?
Dá. Obviamente leva muito mais tempo em uma tomada normal, mas se você pegar um carregador com uma potência maior, em 8 horas você carrega o carro e essa bateria vai durar 10 dias. Mas se você não tiver o carregador ligado no 220, obviamente o tempo é maior.
Mas eu estava falando do mito das baterias. Como por exemplo o mito de que a bateria não é reciclável, e de que quando estragar a bateria ela vai custar mais caro que o carro. A gente tem baterias na GM com mais de 13 anos de uso e que ainda hoje tem mais de 80% da capacidade de funcionamento. Todo mundo tem essa preocupação por conta do celular, de que vai viciar e daqui a três anos não funciona mais. Mas não é igual usar telefone. A bateria do carro só descarrega quando você anda com o carro.
A grande notícia do ano foi a entrada dos chineses fabricando o carro elétrico aqui no Brasil. Como é para vocês essa competição chegando agora quando ainda estão tímidos no País?
Quanto mais carros elétricos vierem, melhor para o nosso negócio. Melhor porque eles ajudam a gente a virar um mercado. Ajuda a contar para o consumidor uma história que é importante para a gente. É um bom negócio para o mercado de elétricos e, como marqueteira, é um bom negócio para eu ter em mente e entender o que que eu vou fazer de diferente para continuar na cabeça do meu cliente com essa marca forte, sendo diferenciada.
Vamos ter uma guerra de publicidade por conta dos chineses?
Acho que não. Cada um tem uma história para contar. A gente, por exemplo, tem uma marca que vai fazer 100 anos, tradicional, que o brasileiro tem um vínculo emocional forte. Eu tenho feito bastante pesquisa e escuto “é o primeiro carro que eu dirigi”, “era o carro da minha mãe.”
Os chineses baixaram os preços dos carros elétricos. Como isso afeta o comportamento do consumidor?
Quem compra um carro elétrico hoje compra porque entende o diferencial. Não compra por preço. Ele compra porque é disruptivo, é futurístico, é bacana, não gera emissões. Então ainda não é uma guerra de preço, porque consumidor-alvo de carro elétrico tem uma visão diferente daquele que compra carro a combustão.
E qual vai ser o diferencial da GM?
A gente tem uma rede de abastecimento enorme na América do Sul. Acho que maior do que qualquer outro concorrente, e isso traz conforto para o cliente de que, se tiver algum problema, ele tem uma amplitude gigante de lugares onde levar o carro, consertar, tirar dúvidas. Isso é um grande diferencial nosso. Essa abundância de parceria para serviços e manutenção pouca gente tem.
Essa rede de abastecimento já está preparada para os carros elétricos?
Parte sim. Mas toda preparada ainda não, porque o volume não é tão grande. Mas a gente está capacitando as concessionárias à medida que o volume vai crescendo.
Você está entrando no mundo do Elon Musk. Depois de tantos anos, agora ele mesmo disse que talvez seja o caso de a Tesla começar a fazer publicidade. Como você observa e acompanha o que ele faz?
Elon Musk é uma pessoa que todo mundo tem que observar por diferentes razões, e eu mais ainda, porque este é o segmento em que a gente vai trabalhar exclusivamente no futuro. Ele não é o que ele é à toa, mas nós temos esse conhecimento de como falar com o nosso cliente, que o Musk não desenvolveu. Estou curiosa para entender o que ele vai fazer nesse sentido, porque ele sempre foi completamente avesso a isso. O marketing da Tesla hoje é o Elon Musk. Ele é a marca. Mas ele tem foguete, Twitter, outras coisas que fazem com que ele esteja no spot. Enquanto nós temos um relacionamento em toda a jornada do cliente, desde quando ele busca o carro até a hora que ele resolve vender o carro lá na frente.
Como você viu a campanha da Volkswagen com Maria Rita e Elis Regina – renascida por meio da inteligência artificial – e que gerou tanto buzz?
Você tem que reconhecer quando a concorrência faz um bom trabalho, né? Então eu reconheço e dou os parabéns. Foi uma boa ação e que gerou uma polêmica importante com relação à Inteligência Artificial e ao uso dela quando a pessoa não está mais viva. Mas como campanha de marketing, como buzz, como geração de conversa, foi muito boa. Não temos como não reconhecer quando um concorrente faz um bom trabalho.
E como é trabalhar com celebridades, especialmente influenciadores que exigem liberdade de criação?
O influenciador construiu uma credibilidade, construiu um público, porque ele é daquele jeito. O grande desafio é como você insere a sua marca no dia a dia dele, na vida dele, no jeito dele, para não perder a audiência dele. Mas é arrojado, é mais arriscado. Por exemplo, a gente colocou a GM no BBB, com ações do Diego Defante (humorista que participou da cobertura da Copa com Cazé) e Rafael Portugal (Porta dos Fundos). A gente sabia do risco, mas os benefícios vão ser melhores porque a gente colocou a nossa marca em contato com algumas pessoas que a gente não estava colocando antes. Mas é óbvio também que quando a gente vai para um Defante, que é uma pessoa super autêntica, a gente fala o seguinte “usa o seu jeito, seu estilo, mas tem aqui os 12 pontos que precisa seguir”. A gente deixa muito claro as coisas que ele não pode fazer porque prejudicaria a marca ou que vão contra nossos valores, nossa visão e missão.
E como é a pesquisa sobre o influencer, para vocês assumirem esse risco?
Nada garante. Porque a pessoa pode nunca ter feito nada errado até hoje, e amanhã ela desliza e dançou, né? Mas a gente olha a política, religião, essas coisas, e se tem uma posição muito forte. Não importa qual é a posição, mas não queremos que misture a nossa marca com esses temas.
Mas estar no BBB é um grande risco, não?
É um programa que às vezes acontecem coisas lá dentro que nem todo mundo concorda. Até a gente como marca não concorda. Mas eu acho que o programa reflete a realidade brasileira. O brasileiro é assim. A gente sabe que é um programa polêmico e ficamos atentos. Toda vez que a gente tinha alguma ação no BBB, montávamos um ‘war room’. Eu pessoalmente, não importa que fosse madrugada, estava lá com todo um time, mapeando e entendendo se saiu algo arriscado. Mas a despeito de ser polêmico, é um programa que está em uma mídia 360. Quando está no ar, não é só a TV. Ele é digital, ele é tudo, o assunto gira em torno dele. Então acho que a gente não está no BBB porque acredita no que acontece lá dentro. Estamos lá porque o público gosta.
Essa última versão foi uma das que menos deu retorno em termos de audiência. Vocês sentiram isso?
Esse foi nosso primeiro BBB. Mas o BBB, não importa a edição, tem audiência. Mesmo que seja a pior de todas, é inacreditável o tamanho da audiência. É a terceira maior do mundo. Só perde para o Super Bowl e jogo do Brasil na Copa. A decisão de ir para o BBB também passou pelo fato de que todos os nossos lançamentos estavam concentrados no primeiro semestre de 2023. Foram lançados quatro carros.
Existe hoje alguma mídia que não adianta mais estar?
A gente tem um entendimento de região a região, de cidade a cidade. Se tem uma cidade onde o jornal impresso é importante eu vou estar neste jornal. Se é out of home, vou estar. Eu acredito que revista impressa é a pior. Mas definitivamente, estar só na TV não funciona mais, já que o cliente está migrando para o digital. Não estar no digital não é uma opção. E temos investido às vezes mais até no digital do que em TV.