A Visma — uma gigante norueguesa de software de gestão para pequenas e médias empresas — acaba de adquirir a ContaAzul, pagando quase R$ 2 bilhões pela startup brasileira fundada 15 anos atrás.
A aquisição – de 100% do capital – deu saída a todos os investidores da ContaAzul, uma lista que inclui as gestoras Tiger Capital, Ribbit Capital, Monashees e o BTG Pactual, que tinha 27% do capital.
Os dois fundadores, Vinícius Roveda e José Sardagna, também venderam suas participações mas devem continuar no negócio como executivos da Visma.
A Visma – que está na reta final para um IPO amplamente aguardado na Europa – foi avaliada em mais de US$ 21 bilhões em sua última rodada privada, em dezembro de 2023, e vem apostando numa agenda agressiva de M&As.
Só no ano passado a companhia fez mais de 50 aquisições. Desde a fundação, foram 140. No Brasil, essa é sua primeira aquisição.
A companhia norueguesa faturou quase US$ 3 bilhões no ano passado, com um EBITDA de US$ 1 bilhão.
Não está claro qual a receita da ContaAzul hoje, mas um gestor de venture capital disse que transações deste tipo no mercado brasileiro tipicamente saem a um múltiplo de 3x a 6x ARR. Um prêmio por valor estratégico pode elevar este múltiplo para 8x a 10x. Lá fora, empresas líderes (com mais de US$ 300m de ARR) negociam a 12-15x receita.
Se a venda tiver saído a 5x receita, isso significaria que a ContaAzul fatura cerca de R$ 400 milhões (cerca de US$ 60 milhões ao câmbio de hoje). O múltiplo da transação também é afetado pela taxa de crescimento da empresa nos últimos anos, o que também é uma incógnita.
A ContaAzul oferece soluções de ERP para pequenas e médias empresas, um nicho competitivo no Brasil. A maior empresa do segmento é a Omie, que tem como investidores a Astella, o Softbank e a Riverwood e hoje tem um ARR de pouco mais de US$ 100 milhões. A empresa tem fluxo de caixa livre desde meados de 2023, e fez sua última rodada em 2021.
Outro player nesse mercado é a Bling, adquirida pela Locaweb, mas que foca apenas no ecommerce.
“Em termos de robustez de produto, a Omie é o player mais robusto da categoria,” disse o gestor. “Eles criaram uma estratégia de crescimento inteligente, que foi usar o contador como canal de distribuição e apostar também em franquias.”
A ContaAzul também usa o contador como canal de distribuição, mas não tem o modelo de franquias. Parte importante de sua estratégia de crescimento são os canais digitais.
Há ainda uma diferença no perfil dos clientes: enquanto a ContaAzul opera apenas com empresas do Simples, incluindo MEIs e microempresas, a Omie foca em empresas um pouco maiores, que faturam acima de R$ 500 mil.
Participantes do mercado de SaaS disseram ao Brazil Journal que, apesar da transação ter um valor nominal alto, ela não parece ter sido um ‘home run’ para os fundos que investiram da Série B em diante.
Mas a transação coroa uma trajetória que começou em 2011, quando Roveda – que nasceu no interior do Rio Grande do Sul e foi para Joinville com 17 anos para cursar ciência da computação – fundou a empresa.
A ideia da ContaAzul veio quando ele trabalhava como programador em empresas pequenas e viu a dificuldade dos empreendedores de tocar o negócio e controlar a parte burocrática e financeira.
Enquanto trabalhava de dia e fazia um MBA em gestão à noite, o jovem virou madrugadas desenvolvendo uma solução voltada para este tipo de cliente. Lançou a Ágil ERP e conquistou seu primeiro contrato. Pediu as contas no seu ‘day job’ – e quase quebrou.
O modelo da Ágil já era disruptivo: o software era oferecido na nuvem e cobrava uma mensalidade, ao contrário dos outros programas voltados para esse público e comercializados por meio de licenças pagas na entrada.
Mas o software ainda era pouco intuitivo e o principal problema era a distribuição. “Montamos uma rede de revendas, mas os vendedores preferiam vender os softwares de licença, que rendiam uma comissão maior na frente, do que o nosso produto,” Roveda disse numa entrevista ao Brazil Journal sete anos atrás.
A sorte virou quando, em 2011, ele e seus sócios — José Sardagna, um colega dos tempos de faculdade, e João Zaratine, que havia sido seu estagiário — foram selecionados por uma aceleradora para passar quatro meses no Vale do Silício.
A ContaAzul saiu do Vale com um aporte da Monashees, e meses depois levantou outra rodada da Ribbit Capital.
Na transação de hoje, o Bank of America assessorou a ContaAzul, que teve a assessoria jurídica do Pinheiro Neto.
O Mattos Filho assessorou a Visma.