A Vega Energy, uma comercializadora de energia do Recife com apenas 10 meses de existência, está insolvente, acendendo um sinal vermelho num segmento que atrai um número cada vez maior de participantes.
Segundo uma lista de credores que circula no setor, a Vega deixou quase R$ 200 milhões a descoberto – ainda que fontes do setor afirmem que o valor é menor do que aparece no documento.
Outras comercializadoras de pequeno e médio porte ficaram segurando a broxa.
A Boven e a Bio Energias detêm, sozinhas, quase metade do passivo: R$ 49 milhões e R$ 37 milhões respectivamente – e há quem acredite que elas também possam ter problemas para fechar as contas se não houver um acordo.
Fontes do mercado descartam um contágio sistêmico, mas afirmam que será preciso rever os mecanismos de risco que regem as comercializadoras.
O mercado livre de energia — em que a eletricidade é negociada fora dos contratos de longo prazo entre geradoras e distribuidoras — funciona para mitigar riscos e otimizar os preços para as geradoras, que querem vender a energia por um valor mais caro, e consumidores eletrointensivos, que querem hedgear uma das suas principais linhas de custo.
A comercializadora é a intermediária: tem o papel de fornecer hedge e especula nas diferenças de preço. Como a energia não pode ser estocada (ao contrário do que sugeriu uma certa ex-presidente), o ajuste de contas é feito por uma transação financeira balizada pelo Preço da Liquidação das Diferenças (PLD), que é estabelecido semanalmente pela Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE).
No fim de dezembro, com a expectativa de um verão chuvoso, o PLD estava nas mínimas, em cerca de R$ 60/MWh. Mas a tendência mudou bruscamente neste começo de ano: em janeiro – o principal mês de chuvas – a precipitação foi de apenas 65% da média histórica e o PLD da próxima semana explodiu para mais de R$ 450/MWh.
A Vega estava apostando forte na queda do preço da energia, e com a disparada repentina nos preços não teve como cobrir suas posições.
“Esse é um mercado que permite alavancagem infinita”, explica uma fonte do setor. “Não se exigem garantias para se montar uma posição a descoberto”.
E o preço oscila. Muito. “Energia no Brasil é a commodity mais volátil do mundo”, diz o executivo. “Faz o mercado financeiro parecer brincadeirinha de criança.”
Em outras palavras: o risco de crédito precisa ser avaliado pela contraparte, que só deveria fechar contratos com quem tem balanço para resistir a momentos de estresse.
A Vega tem um capital social de apenas R$ 10 milhões – e, de acordo com a lista que circula no mercado, pelo menos quatro empresas têm valores a receber da companhia que superam esse montante.
Não é a primeira vez que uma comercializadora dá calote.
Em abril do ano passado, a Cowat não conseguiu honrar R$ 90 milhões em contratos, mas fechou um acordo. Os credores assumiram a companhia e a gestão de seus contratos. O valor devido caiu para R$ 36 milhões – ou seja, o problema foi sanado entre os próprios envolvidos com mediação da CCEE, que impediu a companhia de abrir novos contratos.
Desta vez, espera-se uma solução parecida, ainda que o rombo seja maior.
“Espero que não haja efeito de contágio sobre as comercializadoras menores”, pondera um especialista do setor que já teve passagem pelo governo. “Mas tem que ficar claro que isso é um problema privado e deve ser discutido como tal, sem cair na tentação de ‘socorro’ do governo”.
O potencial de ganho rápido – acompanhado do risco de perdas na mesma magnitude – atraiu uma série de novas comercializadoras nos últimos anos, muitas resultados de spin-off de casas maiores. São mais de 250 cadastradas na Aneel.
O Balcão Brasileiro de Comercialização de Energia, fundado em 2012 por um conjunto de comercializadoras, vem ganhando importância, atuando como um intermediador eletrônico e em tempo real para contratos que antes tinham que ser fechados parte a parte. O aumento da liquidez do mercado contribuiu ainda mais para o surgimento de novos players.
Algumas comercializadoras – normalmente aquelas com mais robustez financeira, ligadas a grandes grupos – defendem que é preciso exigir algum tipo de garantia para as operações. Mas com a volatilidade estratosférica, isso não é tarefa fácil. “O preço da garantia seria impeditivo, maior que o custo da energia”, diz um executivo do setor.
Outra parte defende que o mercado vai se ajustar naturalmente. “São contratos bilaterais, e esse episódio é pedagógico: não dá para tomar risco de crédito sem fazer a diligência correta, com uma contraparte que você não conhece”.