A aula começou com uma pergunta simples: “O que busca o ser humano?” Era uma daquelas questões que parecem retóricas. Silêncio. A professora de Vedanta continuou: “A felicidade, naturalmente.”
Depois, emendou outra: “E o que nos traz infelicidade?”
Arrisquei responder: “Desejos não atendidos?” Ela sorriu. “Exatamente. Mas o problema é maior: quando realizamos um desejo, logo inventamos outro. E outro. Nunca estamos satisfeitos.”
Naquele momento me lembrei de Oscar Wilde, meu autor preferido, que captou esse ciclo com perfeição: “Neste mundo só há duas tragédias: uma é não conseguir o que se quer; a outra é conseguir.”
Era 2005. Depois de mais de vinte anos trabalhando no mercado financeiro e havendo completado um ciclo empresarial, resolvi tirar um sabático. Senti que precisava de uma pausa, algo que me tirasse da engrenagem constante de metas, entregas, comparações e urgências. A Índia surgiu como o destino óbvio para alguém em busca de uma experiência mais “espiritual”.
Rishikesh, a cidade às margens do Ganges onde o Maharishi Mahesh Yogi recebeu os Beatles, parecia o lugar ideal para começar. Tentei ficar em um ashram, mas rapidamente percebi que não estava preparado para banheiros coletivos e colchonetes no chão. Acabei me refugiando no Ananda, um spa famoso a cerca de 40 km dali, com uma vista linda dos Himalaias.
Foi ali, quase por acaso, que encontrei uma professora de Vedanta cujas lições guardo até hoje. Ela dava aulas aos hóspedes todas as noites e tinha boa parte do dia para conversar. Depois da primeira sessão, percebi que aprenderia muito mais com a sua lógica milenar do que com os gurus místicos de Rishikesh.
O que é Vedanta?
A Vedanta é uma das seis escolas clássicas da filosofia hindu e, embora muitas vezes seja confundida com religião, não se mistura a ela.
O nome vem do sânscrito: Veda (conhecimento) e Anta (fim ou culminação). Ou seja, “o fim dos Vedas”, a essência do conhecimento contido nos textos mais antigos da Índia. A filosofia se fundamenta principalmente nos Upanishads, no Bhagavad Gita e nos Brahma Sutras, obras que investigam a natureza da realidade, a condição humana e o propósito da existência.
Apesar da profundidade, a Vedanta é surpreendentemente prática. Ela oferece uma forma de viver ética e consciente, sem exigir adesão a rituais ou crenças metafísicas. Propõe reflexão filosófica aliada a orientações simples para fazer escolhas melhores, cultivar relações saudáveis e promover desenvolvimento pessoal.
Não pretendo, nem de longe, me apresentar como especialista em filosofias orientais. Em mais de vinte anos de Casa do Saber, minha atenção sempre esteve voltada sobretudo à tradição ocidental. Mas o que aprendi sobre Vedanta, especialmente o tema que compartilho aqui, me impactou profundamente e vale dividir com vocês.
Por que nunca nos contentamos?
A constatação central da Vedanta é bastante atual: temos enorme dificuldade de nos contentar com o que temos. E isso é ainda mais verdadeiro numa sociedade de consumo, na qual frequentemente nos definimos pelo que possuímos.
Em Nova York, a primeira pergunta que te fazem é: “Onde você mora?” A sua casa te define. No Brasil, especialmente no universo da Faria Lima, não é muito diferente.
Vivemos numa cultura que nos convence de que a próxima promoção, o próximo deal, o próximo carro ou apartamento finalmente trará a sensação de paz. E ainda assim, quando chegamos lá, descobrimos que a linha de chegada se moveu alguns metros à frente.
Estamos eternamente atrasados, e eternamente cansados e ansiosos.
A psicologia moderna chama esse fenômeno de adaptação hedônica: o extraordinário de ontem se torna o novo normal de hoje. A Vedanta descreve a mesma dinâmica em termos de causa e efeito: sempre que vinculamos nosso bem-estar a algo instável — objetos, status, circunstâncias — geramos ansiedade, comparação e frustração como efeitos inevitáveis.
Dois caminhos possíveis
Diante desse diagnóstico, a Vedanta apresenta dois caminhos possíveis.
O primeiro é o desapego. Para a Vedanta, desapegar-se não significa renunciar ao mundo ou abandonar responsabilidades. Significa apenas viver plenamente sem transformar a felicidade em refém dos resultados. Continuamos trabalhando, amando, construindo, liderando, empreendendo. A diferença é interior: se o resultado vem, ótimo; se não vem, não desmoronamos.
Essa postura nasce de viveka, o discernimento entre aquilo que é permanente e aquilo que é transitório. Quando enxergamos que tudo o que perseguimos — bens, status, reconhecimento — é impermanente, o apego perde força.
Mas o desapego integral é difícil para nós, ocidentais. Ele desafia a estrutura de valores sobre a qual fomos formados. Crescemos ouvindo que precisamos lutar, conquistar, vencer. Que o sucesso é medido por acúmulo de bens, de poder, de títulos, de reconhecimento. Nossa identidade está profundamente atrelada à ideia de progresso individual. Fomos condicionados a acreditar que ser alguém significa fazer e ter.
A mente ocidental é uma máquina de projeto, sempre mirando o próximo objetivo. A cultura de consumo e as mídias sociais reforçam diariamente essa engrenagem, nos bombardeando com expectativas, comparações e ansiedade. Não é simples romper com isso.
Mas a Vedanta oferece um segundo caminho. E foi aqui que encontrei algo realmente aplicável ao nosso mundo moderno: não é preciso desejar menos; é preciso desejar melhor.
Em vez de desejos centrados no “eu”, a Vedanta ensina a cultivar aspirações mais coletivas, mais amplas, mais universais: contribuir, servir, cooperar, melhorar a vida dos outros.
Quando o desejo se alarga, as pequenas obsessões do cotidiano se relativizam.
Pense nisso: se o seu objetivo é ajudar a curar o câncer, reduzir a desigualdade na sua comunidade, contribuir para diminuir o carbono na atmosfera ou mesmo financiar a educação de uma única criança vulnerável — quem realmente se importa com o carro novo na garagem, o relógio da moda, o restaurante estrelado da semana ou o destino “instagramável” das próximas férias?
Esses gestos ampliam a nossa percepção do mundo e deslocam o foco do “eu” para o “nós”. E, paradoxalmente, é nesse momento que a pessoa se torna mais satisfeita, mais calma, mais inteira, porque está conectada a algo maior que si mesma, a um desejo que transcende o próprio ego.
Do ponto de vista evolutivo, tudo isso faz sentido. Somos uma espécie gregária: sobrevivemos não pela força física, mas pela cooperação. Embora tenhamos impulsos egoístas, foi a capacidade de colaborar que nos trouxe até aqui. E hoje a ciência confirma aquilo que a experiência humana já intuía — contribuir gera mais satisfação do que consumir.
Um exemplo marcante vem do estudo longitudinal recente conduzido por Anthony Burrow na Cornell University (2019–2025), que acompanhou 1.200 jovens da Geração Z ao longo de seis anos. Cada participante recebeu US$ 400 para investir em algo que beneficiasse outras pessoas — e os resultados foram consistentes: dar aumenta mais a felicidade do que receber, com efeitos que persistem por meses.
Ações com impacto coletivo reduzem a ansiedade, aumentam o otimismo e fortalecem o senso de comunidade, funcionando como antídoto para o estresse. E a quantidade de dinheiro importa muito menos que o significado do ato. Do ponto de vista neurológico, isso se explica pela liberação de endorfinas, dopamina e oxitocina, substâncias associadas ao prazer, bem-estar e vínculo.
A psicologia contemporânea chega às mesmas conclusões. Já vimos essa dinâmica em Jung e Maslow nos artigos anteriores desta série. Martin Seligman, da Universidade da Pensilvânia, em Flourish (2011), mostra que atividades movidas por propósito têm impacto mais duradouro do que prazeres imediatos. Richard Davidson, da University of Wisconsin–Madison, em The Emotional Life of Your Brain (2012), demonstra que estados mentais ligados à compaixão ativam circuitos cerebrais associados à resiliência e à saúde emocional. Veremos essa convergência entre filosofia e ciência aparecer novamente, de maneiras ainda mais claras, nos dois artigos finais desta série.
Em síntese: focar no coletivo, e não apenas no individual, não é caridade ingênua; é uma estratégia fundamental para viver uma vida que realmente vale a pena ser vivida.
Jair Ribeiro é empresário do setor financeiro, tecnologia e educação. É o fundador e presidente da Casa do Saber e da Associação Parceiros da Educação. Passou o último ano em Harvard no programa Advanced Leadership Initiative, que apoia líderes do setor privado a transformarem sua trajetória em projetos de impacto social.











