VASSOURAS, Rio de Janeiro — Sete anos atrás, o empresário Ronaldo Cezar Coelho comprou os escombros de uma Santa Casa que havia pegado fogo no centro desta cidade histórica de 35 mil habitantes.

O objetivo: transformar o prédio em ruínas num museu que celebrasse a história dos povos que formaram o chamado Vale do Café, um conjunto de 16 municípios que inclui Vassouras e que foi o dínamo econômico do Brasil durante boa parte do século 19. (Ali se produzia 75% do café consumido no mundo.)

Agora, depois de investir dezenas de milhões de reais na obra, Ronaldo – um acionista de referência em empresas como a Vibra, Light e Energisa – está prestes a inaugurar o Museu Vassouras, um equipamento que não faria feio em qualquer capital europeia e deve ser um divisor de águas para o turismo na região.

Ronaldo – um ex-banqueiro que vendeu o Multiplic ao Lloyds Bank nos anos 90 – tem laços históricos e afetivos com Vassouras. Mais de 40 anos atrás, o empresário comprou a Fazenda São Fernando, uma propriedade cafeeira fundada em 1813 e que ele converteu em seu refúgio favorito.

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Ao longo das últimas três décadas, o empresário reconstituiu o bioma da região. Seguindo orientações técnicas da Embrapa, Ronaldo plantou 300.000 árvores nativas da Mata Atlântica no território da fazenda – e ainda planta 20.000 por ano. O que antes era uma terra árida, depauperada pelo ciclo do café, agora é o habitat de lobos-guarás, tucanos e jacus.

O Museu Vassouras — que será inaugurado dia 30 — fica a 15 minutos dali, na praça em frente à igreja matriz da cidade, compondo um conjunto arquitetônico que agora ganhará nova vida.

“Cheguei aqui há 40 anos num momento de virada na minha vida e adquiri um amor incondicional por esta cidade,” Ronaldo disse ao Brazil Journal. “Conheci a história desta região, que é riquíssima mas muito esquecida, e quero que mais pessoas conheçam essa parte da nossa história como povo.”

Ao contrário do que inicialmente se pensava, o Museu Vassouras não abrigará a famosa coleção de arte do ex-banqueiro – que inclui Frans Posts, Portinaris, Lygia Clarks e uma Tarsila – nem suas obras sacras, um conjunto de Aleijadinhos e Mestres Valentim.

Em vez disso, o museu vai se debruçar sobre a identidade dos indígenas, escravizados e portugueses que se misturaram no Vale do Café, parindo figuras históricas para Vassouras, como Eufrásia Teixeira Leite — a aristocrata e herdeira que voltou de Paris e deixou toda sua fortuna para a cidade — e o casal Marianna Crioula e Manuel Congo, dois escravizados que organizaram uma rebelião em 1838 e fundaram o primeiro quilombo da região antes de serem esmagados por um major do Exército (que mais tarde ficaria conhecido como o Duque de Caxias).

“Precisamos celebrar a cultura desta região, que no século 19 era a síntese do Brasil mestiço,” disse Ronaldo. “O Vale do Café era a cara do Brasil: 70% da população aqui era preta, mas tinha também os fazendeiros que desceram de São João del Rey e os povos originários, que eram os índios puris e os coroados, que ganharam esse nome por causa do formato do seu corte de cabelo. O Brasil não conhece isso.”

Atrás do museu, Ronaldo restaurou um memorial que guarda os restos mortais de dois homens – um enterrado ali em 1859, o outro em 1879.

Eram judeus que, não podendo ser enterrados no cemitério católico da cidade por proibição da Igreja, foram acolhidos pela direção da Santa Casa, numa tocante demonstração de tolerância num Brasil ainda primitivo. Em 1992, a Prefeitura de Vassouras transformou o local num Memorial Judaico, com paisagismo de Roberto Burle Marx. 

Ronaldo, que como conselheiro do MASP ajudou o museu a levantar os recursos para seu novo prédio, quer que o Museu tenha parcerias estratégicas com outras instituições, incluindo exposições cruzadas e empréstimos de acervo. 

A inauguração do museu terá a presença do presidente do STF, Luís Roberto Barroso, que nasceu na cidade. 

“Vassouras é um lugar tão especial que, mesmo sem ter sequer uma faculdade de direito, deu ao Brasil quatro ministros do Supremo, um fato que pouca gente conhece,” disse Ronaldo. 

A inauguração do museu vem em meio a uma redescoberta do Vale do Café como um destino turístico cultural e histórico. As fazendas históricas estão sendo convertidas em hoteis, a cultura de cafés especiais está voltando, novos produtores de cachaça estão surgindo, e o queijo local está sendo premiado. 

“Esse museu vai fazer história e ressuscitar histórias que ficaram no esquecimento, vai ser um divisor de águas para o município,” disse Rosi Silva, a prefeita de Vassouras. “Acho que vamos atrair turistas não só do estado e do Brasil, mas do mundo inteiro.” 

Nos próximos dias, a Prefeitura vai começar a conversar com a rede hoteleira, os taxistas e os próprios munícipes sobre o fluxo de turistas que deve vir por conta do museu. “Vamos investir para que este turista seja bem recebido, e para que a população abrace este museu em toda a grandeza que ele tem.”

Rosi disse que o museu “só foi possível porque o Ronaldo é um apaixonado por Vassouras.” Perguntei então ao empresário se o Museu Vassouras é o seu grande legado.

“Você não tem consciência de legado a priori. Você vai fazendo, fazendo, fazendo … e quando você olha para trás, ou ele está feito, ou não.”

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