Em meio à crescente preocupação causada por dados alarmantes sobre a eficácia das vacinas contra a variante Delta, professor de bioestatística da Universidade da Pensilvânia, Jeffrey Morris, publicou ontem um estudo esclarecedor e encorajador.
O estudo mostra que falta mais eficácia a alguns estudos sobre vacinas do que a elas próprias.
Utilizando dados oficiais do governo de Israel (onde 79% da população acima de 12 anos já está totalmente vacinada), Morris mostra que os dados alarmantes que têm sido veiculados sobre a eficácia declinante da vacina possuem falhas de análise que distorcem as conclusões e não refletem a realidade.
Ao eliminar as distorções, os dados mostram com clareza que a eficácia da vacina diante da evolução da variante Delta segue em patamar bastante elevado – na média em 92% para pessoas abaixo de 50 anos e em 85% para pessoas acima de 50 anos – o que traz uma leitura bastante positiva e encorajadora para o resto do mundo na árdua luta contra a covid.
O estudo foca a análise na eficácia da vacina contra casos severos que requerem internações em hospital, o que pode ser considerado o fator mais relevante para a saúde pública. Dos 515 casos de hospitalização verificados atualmente em Israel, 301 são de pessoas já totalmente vacinadas, o que representa 60% do total e naturalmente levanta preocupações relevantes.
O problema é que essa proporção é distorcida pelo fato de que uma porcentagem muito alta da população já está vacinada em Israel, de forma que o número absoluto de casos não quer dizer absolutamente nada.
Se a população já estivesse 100% vacinada, naturalmente haveria zero casos entre pessoas não vacinadas e 100% dos casos seriam de pessoas já vacinadas, e isso obviamente não significaria nada em relação à eficácia da vacina. Em outras palavras, para uma leitura mais correta, o que importa não é o número absoluto, e sim o número relativo de casos.
Uma vacina eficaz deveria causar um percentual inferior de casos na população vacinada, quando comparado com a população não vacinada. No caso de Israel, observa-se que o número de casos severos para cada 100 mil pessoas cai de 16.4 na população não vacinada para 5.3 na população totalmente vacinada, indicando uma eficácia de 67% (medida como a redução relativa no número de casos).
Embora positivo, esse número ainda não reflete com precisão a realidade, que parece ser ainda mais positiva, uma vez que há outro fator importante que também distorce a análise e deve ser ajustado: os grupos de pessoas vacinadas e não vacinadas possuem diferenças de perfil que impactam o número de casos severos por motivos não relacionados à vacina. O principal deles é a diferença de faixa etária.
Como a porcentagem de pessoas vacinadas é superior em faixas etárias mais elevadas, as amostras analisadas possuem uma distribuição etária bastante diferente. Essa diferença impacta materialmente o número de casos em cada grupo. O grupo de pessoas ainda não vacinado contém uma porcentagem maior de pessoas jovens (que naturalmente possuem risco menor de casos severos), enquanto o grupo de pessoas já vacinadas contém uma porcentagem maior de pessoas de mais idade (que naturalmente possuem risco maior de casos severos).
Essa diferença distorce a análise, uma vez que um fator externo (perfil de idade) leva a uma redução do número de casos severos no grupo não vacinado em relação ao já vacinado, por um motivo que não tem qualquer relação com a vacina.
Para eliminar essa distorção, o professor Morris separa a comparação por grupos de idade. O resultado é que, no grupo de pessoas com menos de 50 anos, o número de casos para cada 100 mil habitantes cai de 3.9 na população não vacinada para 0.3 na população vacinada, representando uma eficácia de 92%.
Já no grupo de mais de 50 anos, o número de casos para cada 100 mil habitantes cai de 92 para 14, representando uma eficácia de 85%. Ao separar em faixas de idade ainda mais granulares, o professor mostra que em quase todos os grupos a eficácia contra casos severos nos dados analisados é muito próxima ou superior a 90%.
A conclusão que se tira é que, no caso de Israel, diferente do que tem sido veiculado, os dados parecem apontar para uma eficácia bastante alta da vacina, mesmo com a evolução da variante Delta na região.
Isso não significa de forma alguma que os cuidados e os protocolos de segurança em relação à covid devem deixar de ser seguidos com a vacinação, mas certamente ajuda a trazer um pouco de alívio, esperança e confiança de que estamos evoluindo na direção certa.
Fora isso, o estudo também mostra de forma bem simples e didática o quão importante é o rigor e o cuidado ao analisar dados em qualquer contexto. Ainda mais quando se trata de um tema de saúde pública, com implicações importantíssimas na vida das pessoas, e em meio a um contexto de tanta polarização, preocupação e sofrimento no mundo.
Paulo Belliboni é economista e sócio da VELT Partners.