Cientistas americanos, australianos e europeus fizeram a maior revisão mundial dos estudos sobre os malefícios dos alimentos ultraprocessados e chegaram à conclusão de que eles estão diretamente associados a 32 doenças.
Estão na lista dos efeitos nocivos doenças cardíacas, câncer, diabetes tipo 2, problemas de saúde mental e morte precoce.
Os cientistas fizeram uma revisão guarda-chuva – que é um resumo de evidências de alto nível – de 45 diferentes meta-análises provenientes de 14 artigos de revisão. Um artigo de revisão é um resumo das evidências científicas sobre um tema específico.
Todos os 14 artigos usados na revisão guarda-chuva foram publicados nos últimos três anos e envolveram cerca de 10 milhões de pessoas. O mais importante: nenhum deles foi financiado por empresas envolvidas na produção de ultraprocessados.
A cientista brasileira Fernanda Rauber, doutora em ciências da Saúde e pesquisadora do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde Pública da USP, resume o motivo deste tipo de alimento fazer tão mal à saúde:
“A maior parte dos ultraprocessados não é comida. É uma substância comestível produzida industrialmente.”
A frase de Fernanda é tão impactante que serviu de inspiração para Chris Van Tulleken, um cientista inglês e autor do livro Ultraprocessed People: Why Do We All Eat Stuff That Isn’t Food… and Why Can’t We Stop.
Ele a entrevistou em 2020 quando estava prestes a fazer um experimento: passar 30 dias comendo somente alimentos ultraprocessados para contar no documentário “Com o que estamos alimentando nossos filhos?”
Van Tulleken adotou uma dieta em que 80% das calorias que consumia provinham de alimentos ultraprocessados. Resultado: passou a dormir mal, sentiu azia, lentidão, constipação, hemorroidas e ganhou 7 kg.
A cientista brasileira disse ao Brazil Journal que o País ainda está bem posicionado no mapa mundial dos países que menos consomem ultraprocessados. Cerca de 25% das calorias consumidas pelo brasileiro vem deste tipo de alimento. Nos Estados Unidos e no Reino Unido, este percentual ultrapassa os 50%.
Mas Fernanda alerta que isto pode estar mudando com o fato de que os alimentos ultraprocessados estão ficando mais baratos.
Um estudo recente da UFMG mostra que já aumentou o consumo de ultraprocessados nas periferias brasileiras, com as pessoas trocando o arroz com feijão por este tipo de alimento.
Falta de informação, os preços altos dos alimentos saudáveis e muita publicidade da indústria de ultraprocessados são alguns dos pontos levantados pela pesquisa.
De qualquer forma, Fernanda comemora o fato de que recentemente o governo federal regulamentou o tipo de alimento que se pode comprar para a merenda escolar, proibindo a distribuição de alimentos ultraprocessados.
Além disso, desde o ano passado as embalagens precisam vir com uma tarja preta quando possuem muita gordura ou açúcar. “Poderia ter abrangido todos os ultraprocessados, mas já é uma vitória porque, de fato, as pessoas compram menos quando recebem este tipo de alerta,” disse Fernanda.
Para a pesquisadora, este tipo de política pública influencia a indústria alimentícia, que tende a mudar seus produtos quando uma tarja passa a fazer parte da sua embalagem.
A ampla revisão dos estudos sobre o tema – feita pelos especialistas de instituições como a Escola de Saúde Pública Johns Hopkins Bloomberg, a Universidade de Sydney e a Sorbonne – também faz o alerta de que é preciso reduzir urgentemente a exposição da população aos ultraprocessados.
As evidências analisadas mostram que uma maior ingestão deste tipo de alimento está associada a um risco cerca de 50% maior de morte relacionada a doenças cardiovasculares, um risco de 48% a 53% maior de ansiedade e transtornos mentais, um risco 12% maior de diabetes e um aumento de 22% do risco de depressão.
Há também evidências de associação do consumo de ultraprocessados com asma, saúde gastrointestinal, alguns tipos de câncer e fatores de risco cardiometabólicos como níveis elevados de gordura no sangue e baixos níveis de colesterol bom – apesar destes mesmos cientistas dizerem que as evidências destas conexões são limitadas.
O problema deste tipo de substância, segundo Fernanda, é que elas são tornadas palatáveis e atraentes pelo uso de combinações de sabores, cores, emulsificantes, espessantes e outros aditivos.
“Eles fazem uma explosão de sabores na boca das crianças,” diz Fernanda. Estes alimentos também viciam e são macios, fazendo com que as pessoas comam mais do que precisam comer.
Mas como então saber se os ultraprocessados invadiram sua casa? Basta olhar a embalagem. Se os ingredientes descritos não são aqueles que você conhece e tem na sua cozinha, devolva para a prateleira do supermercado, disse a pesquisadora.