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Uber, Tesla e Google investiram bilhões em veículos autônomos (VAs) nos últimos anos. As montadoras tradicionais, seus fornecedores e outras startups (dentro e fora do Vale do Silício), também. 

Mas por que será que mais de US$ 80 bilhões foram injetados nessa corrida? Qual é o futuro do carro autônomo e como ele afetará a vida das cidades e das pessoas? 

Quem acabará ganhando esse  jogo?

São vários os benefícios que os VAs podem trazer para a sociedade. Primeiro, há o argumento da segurança. De acordo com a Organização Mundial de Saúde, mais de 1,3 milhão de pessoas morrem por ano em acidentes de trânsito. Mais de 90% dessas mortes se devem a erro humano, e uma outra porcentagem significativa, a dirigir alcoolizado. Ao eliminar o componente humano, os VAs podem reduzir o risco de acidentes e melhorar a segurança nas estradas. Isso supondo que os engenheiros consigam de fato resolver todos os desafios de implementação dos VAs.

O segundo é o argumento de que os VAs podem melhorar muito a mobilidade, seja facilitando a vida de pessoas fisicamente incapazes de dirigir, ou acelerando a adoção de serviços como o Uber e o Lyft. Segundo algumas estimativas, os custos de uma corrida podem cair de 70% a 80% se o motorista for excluído da equação. 

Em última análise, essas tendências vão mudar quem compra carros – e até a aparência deles.

Um mundo em que os Ubers da vida operassem em escala teria inúmeros efeitos secundários. 

O ato de estacionar, por exemplo, vai mudar para sempre. 

Hoje, os veículos ficam estacionados mais de 90% do tempo, e a ocupação média (quando o veículo está sendo usado) é de pouco mais de um passageiro por veículo. Se a maioria das pessoas não tiver mais carros e se os carros não ficarem ociosos, as cidades e o comércio sofreriam uma revolução. 

O que acontecerá com o trânsito em geral – vai melhorar ou piorar? Será que migraremos do transporte público de volta para os carros se as estradas estiverem mais vazias? O que acontecerá com os varejistas e os preços dos imóveis se não precisarmos mais construir estacionamentos subterrâneos? Será que os prêmios de seguro diminuirão, à medida que os acidentes também diminuírem? As pessoas poderiam optar por viver mais longe das grandes cidades se não tiverem que dirigir horas? O que acontecerá com os empregos dos motoristas de carro e de caminhão? 

Mas onde está a indústria de VAs no momento, e quanto falta para atingirmos a autonomia completa?  

Há cinco níveis de autonomia e, para fins comerciais, estamos apenas no nível 2.  O nível 2 significa que os software atuais conseguem apenas acelerar e desacelerar o carro e mantê-lo na pista, mas o motorista ainda precisa ter as mãos no volante. No nível 3, o software vai dirigir para você, mas o motorista ainda terá que estar pronto para assumir o controle. O nível 4 irá dirigir para você em certas situações, mas não em outras. Finalmente, o nível 5 não precisará de motorista humano — e o carro sequer terá volante.

Os especialistas do setor ainda não chegaram a um consenso quanto ao nível 5 se tornar realidade. Os mais otimistas acreditam que nos próximos cinco anos a autonomia completa estará pronta para ser implementada em escala em certas áreas dos EUA. A média das pessoas na indústria acredita que levará 10 anos ou mais até que o nível 5 chegue às grandes cidades. Já os céticos estão confiantes de que o futuro dos VAs será o mesmo dos carros voadores.

O Google começou a pesquisar os VAs há 10 anos e ainda lidera a corrida. 

Em dezembro, a empresa disponibilizou o seu Waymo One (um serviço de táxi autônomo) a um seleto grupo de moradores de Phoenix, no Arizona.  A maior parte desses táxis opera com um motorista de segurança no volante – pronto para retomar o comando quando necessário, reforçando a percepção de que o nível 5 de autonomia ainda está longe de se tornar realidade comercial. 

O Google já tem mais de 10 milhões de milhas percorridas em seus VAs, enquanto o Uber, em segundo lugar na corrida, tem apenas uma fração disso. 

Mas se o futuro é tão incerto, por que há tanto capital sendo investido nos VAs no que parece ser uma corrida contra o tempo? 

Os especialistas da indústria acreditam que dois cenários mutuamente excludentes devem ser o resultado mais provável desta disputa.

Num cenário, as montadoras poderão adquirir um “pacote” de tecnologia autônoma de um OEM (original equipment manufacturer), semelhante ao que é feito hoje quando a Volkswagen compra um injetor de combustível da Bosch.  No outro, Google e Uber serão os únicos fornecedores dessa tecnologia; este duopólio ditaria as regras do jogo e captaria uma parcela desproporcional de valor na indústria automobilística. Detroit poderia acabar (de novo). 

O potencial de captura de valor é substancialmente maior se os VAs substituírem totalmente os motoristas. Os vencedores roubariam o almoço dos taxistas e caminhoneiros ao vender assinaturas de “planos de serviços de mobilidade” (mobility as a service) para indivíduos que não têm mais carros, e que preferem usar seu tempo de deslocamento de uma forma mais eficiente. O UBS estima que a indústria de AVs chegará a US$ 2,3 trilhões até 2030. Já a Intel estima US$ 7 trilhões até 2050.  

Há pouca dúvida de que a hegemonia de mercado não virá do hardware e dos sensores, porque eles oferecem (apenas) escala de manufatura, mas não efeitos de rede.

Mais uma vez, o que vai decidir o jogo será o acesso aos dados. 

A mina de ouro na cadeia de valor estará em controlar o software e os dados de mapeamento e condução, que andam de mãos dadas. 

Quanto mais data points de georeferência e mapas uma empresa tiver, mais precisas serão as informações transmitidas ao carro autônomo, o que se traduzirá em mais segurança.  Portanto, quanto mais milhas-dirigidas (ou simuladas) forem acumuladas, mais atualizado e preciso será o sistema. 

Além disso, depois de entender o seu entorno, o carro precisa saber o que fazer com base no comportamento dos outros carros e motoristas. Aqui, mais uma vez, quanto mais situações o sistema tiver visto, mais a máquina aprende e melhor o software reage.

Ou seja, parece que acumular o máximo de dados, o mais rapidamente possível, é o segredo para desenvolver fortes efeitos de rede e criar uma barreira de entrada que os concorrentes não conseguirão superar.   

Embora este argumento faça sentido, e, em grande parte, explique a corrida contra o tempo, ele pode conter uma falácia. E essa falácia acabaria por fazer com que o pêndulo se movesse em direção ao cenário no qual vários OEM’s poderiam fornecer um “pacote de veículo autônomo”. 

Primeiro, há a questão de quem é o dono dos dados. Os fabricantes de automóveis têm argumentado que eles são o vendedor final do veículo e que, portanto, devem ter a posse dos dados. Se esta visão prevalecer, em vez de apenas Google e Uber controlarem os dados, a posse ficaria fragmentada, reduzindo os efeitos de rede.  

Em segundo lugar, o valor dos dados não é linear. Pode haver um ponto em que adicionar mais dados ao algoritmo não gera nenhuma melhoria incremental. Este é um tópico comum em machine learning e, conforme os engenheiros continuam a desenvolver este campo, pode ser que a quantidade de dados necessária para se ter um sistema de VAs seguro diminua substancialmente. A questão passa a ser, portanto, quantas pessoas podem obter essa quantidade de dados. Se a resposta for “várias”, o argumento para se investir bilhões em pesquisa e desenvolvimento (na tentativa de ser o único vencedor) desmorona.  

Ainda é muito cedo na indústria de VAs e as respostas para a maioria destas questões ainda permanecem abertas. O ritmo de desenvolvimento dependerá da rapidez com que os problemas de ciência da computação serão resolvidos, e ainda pode demorar décadas até que os VAs entrem na frota global de mais de 1 bilhão de carros. 

A autonomia também assumirá formas diferentes, dependendo da complexidade. São Francisco, Manhattan, São Paulo, Beijing e Bangkok terão suas próprias necessidades e peculiaridades, gerando um modelo único em cada lugar. 

Apesar de todas essas incertezas, sabemos de uma coisa: o resultado da corrida de VAs terá consequências muito profundas. Esse jogo não mudará apenas a dinâmica de poder em uma das maiores indústrias do mundo.  Mudará a maneira como interagimos com nossas cidades — e nossas vidas.

Paulo Macedo é membro do time fundador da 4×4 Capital. Fez seu MBA na Stanford Graduate School of Business.