“Precisamos construir uma nova economia e novas relações comerciais,” disse Mark Carney, o próximo primeiro-ministro do Canadá, sinalizando que terá como prioridades enfrentar o trumpismo e a dependência de seu país em relação aos EUA.  

Carney, um respeitado ex-presidente dos bancos centrais do Canadá e do Reino Unido, saiu vitorioso na votação de ontem para a escolha do novo líder do Partido Liberal, majoritário no Parlamento, e deve substituir Justin Trudeau como primeiro-ministro ainda esta semana.

Mark Carney ok

Os liberais, um partido de centro-esquerda, julgaram de maneira avassaladora que Carney ostenta o perfil ideal para combater Donald Trump e liderar o partido contra os conservadores nas eleições nacionais previstas para este ano. Ele obteve 86% dos 152 mil votos dos filiados ao partido.

Trudeau havia anunciado em janeiro que deixaria o cargo depois de dez anos, cedendo a liderança do partido em razão de uma melancólica queda na popularidade de seu governo, resultado de maus resultados na economia e críticas dos eleitores a parte da agenda progressista dos liberais.

Com Trump barbarizando para cima dos canadenses, o cenário eleitoral, entretanto, agora é outro: o anti-trumpismo está rendendo votos.

O Partido Liberal vem conseguindo reduzir a enorme desvantagem (superior a 20 pontos percentuais) que tinha em relação ao Partido Conservador, de centro-direita, que era considerado o favorito para assumir o poder. Os conservadores, mais alinhados a Trump, agora correm o risco de serem penalizados pelos eleitores.

Carney terá que reverter a percepção de que os liberais, sob as políticas de Trudeau, estavam enfraquecendo o dinamismo da economia – que, de fato, vem avançando a um ritmo bem abaixo do vizinho ao sul.

Em seu discurso após a vitória no domingo, Carney deixou evidente qual será seu principal alvo.

“Existe alguém que está enfraquecendo a economia do Canadá: Donald Trump,” disse o próximo primeiro-ministro. “Ele está atacando as famílias, os trabalhadores e as empresas canadenses – e não podemos deixar que ele seja bem-sucedido.”

Carney disse ainda que o Canadá “nunca, jamais” fará parte dos EUA, de “nenhuma maneira.”

“Que os americanos não se iludam: nos negócios, assim como no hockey, o Canadá sairá vencedor,” disse Carney, que foi capitão do time de hockey sobre o gelo nos tempos de Oxford.

Carney defendeu as retaliações à guerra comercial de Trump. “Meu governo manterá as tarifas até que os americanos nos mostrem respeito,” disse.

Além de combater Trump, Carney prometeu reformar o sistema tributário e atrair investimentos.

O primeiro-ministro poderá convocar eleições gerais em breve, aproveitando-se daquilo que os cientistas políticos chamam de união ‘ao redor da bandeira’ – rally ’round the flag effect –, a alta de popularidade dos políticos ao mobilizar a população em torno de um inimigo externo.

“Dois meses atrás, ser líder dos liberais era um emprego sem futuro”, disse ao Financial Times David Coletto, CEO da Abacus Data, uma empresa de pesquisas sediada em Ottawa. “Graças a Trump, Mark Carney emergirá como o próximo PM com 50% de chances de fazer aquilo que parecia impensável, liderando os liberais para sua quarta vitória eleitoral consecutiva.”

Carney, de 59 anos, tem no currículo o enfrentamento de grandes crises.

Formado em Harvard e com doutorado em Oxford, trabalhou por 13 anos na Goldman Sachs, em posições na América do Norte, em Londres e em Tóquio. Em 2003, foi para o Banco do Canadá – o banco central do país – e em 2008 foi nomeado presidente da instituição.

Teve uma atuação destacada durante a grande crise financeira internacional, o que lhe credenciou, em 2013, para ser nomeado presidente do Banco da Inglaterra – o BC britânico –, onde enfrentou a turbulência do Brexit e permaneceu até 2020.

Nos últimos anos, vem atuando no setor privado. Era até recentemente o chairman da Brookfield Asset Management, a gestora canadense com US$ 1 trilhão no portfólio, e faz parte do conselho da Bloomberg.

Sua indicação para liderar os liberais já se refletiu nas pesquisas eleitorais.

Uma sondagem do instituto Angus Reid mostrou que 43% dos canadenses consideram Carney o melhor nome para enfrentar Trump, contra 34% de Pierre Poilievre, o líder dos conservadores, classificado normalmente como um ‘populista brando’ e que discursa contra a ‘utopia woke’ de Trudeau.

Carney, em seu discurso no domingo, disse que Poilievre não possui experiência administrativa e é um admirador de Trump. “Uma pessoa que faz preces no altar de Donald Trump vai se ajoelhar diante dele, e não enfrentá-lo.”

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