Caro Fabio,

Escutamos, certa vez, que o único elemento que pode ser perfeito no mundo é uma pergunta.  Pensadores antigos diziam que o homem sábio é aquele que não fala, pois nem os sábios estão livres de proferir a besteira definitiva.

Por este motivo sempre concentramos toda nossa comunicação externa através de cartas semestrais. Nunca nos aventuramos fora deste ambiente controlado, inseguros que somos por natureza. Cartas refletidas adequadamente e técnicas a ponto de minimizar nosso medo definitivo: cometer erros significativos em temas que nos são caros.

Abrimos essa exceção neste espaço prestigioso pois acreditamos genuinamente que a complexidade do tema merece um debate técnico e aberto. E também por respeitar um colega de mercado que se mostrou incomodado com nossos estudos a ponto de escrever uma réplica pública com interpretações vigorosas e definitivas em relação às hipóteses construídas.

Estamos do mesmo lado da trincheira, Fabio. Acreditamos em deixar uma sociedade mais justa para as novas gerações. Um mundo com menos carbono e mais florestas.

Estudamos o tema do ESG por alguns anos antes de nos posicionarmos (Carta 25). Sabíamos da paixão e polêmica que o tema levanta, mas entendemos que é necessário certa coragem para enfrentar consensos cuja incontestabilidade pode criar custos para a sociedade. A questão do carvão veio como uma possibilidade ilustrativa, partindo da teoria para um exemplo prático, onde nos dedicamos por quase um ano, com ajuda da consultoria técnica de referência do setor no Brasil (Carta 26). Entramos nesta jornada de peito aberto, sem pré-julgamentos e dispostos a absorver o máximo de conhecimento possível. Depois de muito debate, nos aventuramos em organizar tecnicamente os dados coletados para enriquecer a discussão e tentar ajudar na trajetória rumo a um equilíbrio superior.

O ESG, em muitos casos, tem sido dominado por narrativas. A mente às vezes busca confortos cognitivos a partir de comparações históricas exageradas – um gatilho raso utilizado para substituir a razão pela emoção. Temos por hábito trabalhar a partir de uma busca impossível por respostas. Aquela velha história do desequilíbrio permanente, a árdua convivência com a dúvida. A primeira carta passa por esta dialética permanente e uma tentativa de desconstrução do senso comum. Clássica técnica falsificacionista, que você, um analista como nós, sabe ser essencial para a construção de hipóteses e, por fim, à sobrevivência em um mercado tão difícil e competitivo como o nosso – distante de tentar construir uma posição por “marteladas”, conforme a provocação do seu título. Em relação ao ESG, que você sugere classificarmos como uma classe de ativo, vale uma leitura mais atenta para perceber que estamos na mesma ponta.

Você tem razão, a mudança climática é um dos nossos maiores desafios contemporâneos. A partir desse diagnóstico inequívoco, uma discussão pragmática e desapaixonada sobre os custos e benefícios das escolhas que se apresentam se faz fundamental. A Carta 26 propõe uma análise com base em primeiros princípios do sistema elétrico nacional, tomando cuidado para não importar narrativas que não se aplicam às condições locais. Afinal de contas, “without data you’re just another person with an opinion”.

O mundo está cheio de pessoas bem intencionadas que geram um custo enorme para a sociedade, como podemos ver tanto na situação atual do mercado de energia da Alemanha quanto nos recentes estímulos americanos à produção de petróleo. Um preço de energia superior afeta diretamente as classes de renda mais baixa.

Enquanto na Europa as térmicas foram historicamente responsáveis por balancear produção e consumo de energia a todo instante, no Brasil esta modulação fica a cargo das hidrelétricas, cabendo às termelétricas o papel de seguro contra secas. Essas usinas não vendem ‘energia’ propriamente dita, e sim o produto ‘disponibilidade’, e são acionadas quando o Operador Nacional do Sistema (ONS) julga que seu custo é inferior ao custo estimado de gastar a água dos reservatórios.

O problema aqui são as externalidades climáticas, já que os modelos do ONS não incluem custos ambientais indiretos em seu processo de tomada de decisão. Para internalizar essas externalidades, utilizamos em nossos estudos a métrica de emissão de gases de efeito estufa em termos de carbono equivalente (CO2e-GWP100), e comparamos o custo de cada decisão em termos de reais por tonelada de carbono (R$/ton CO2e).

Todas as contas do nosso estudo são feitas pensando no sistema como um todo, e nunca em qualquer companhia isoladamente. O gráfico abaixo ilustra como os problemas do Brasil e da União Europeia são completamente diferentes e, portanto, têm soluções distintas.

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Nosso primeiro estudo busca entender o impacto do descomissionamento integral do parque térmico a carvão a partir de janeiro de 2022 para entender o valor da disponibilidade dessas usinas em um prazo insuficiente para desenvolver projetos de geração substitutos.

O resultado do descomissionamento seria uma redução de emissões de 34 milhões de toneladas de CO2e em 4 anos a um custo de R$ 36 bilhões. Cada tonelada de carbono custaria pouco mais de R$ 1.000, ou US$ 220 no câmbio atual – 60% a mais do que o maior carbon tax vigente no mundo hoje.

Faz sentido para o Brasil pagar esse preço? Quais alternativas se tornam economicamente viáveis nesses níveis?

A partir da conclusão de que o descomissionamento ainda não é solução viável para o problema, partimos para uma discussão relacionada à fronteira de nossas análises, apontando o absurdo que é limitar as discussões de um problema climático global aos CNPJs das empresas investidas.

Em sua provocação sobre dinheiro e responsabilidade, a Eneva pode se dar o luxo de ficar com os dois, já que vender um ativo bem operado a um terceiro seria uma opção inferior para o meio ambiente.

É nosso papel, enquanto agentes pragmáticos e desapaixonados, incentivar os operadores competentes e alinhados com a transição energética a manter seus ativos a carvão operando – e utilizar o fluxo de caixa gerado para ajudar na agenda de transição energética.

É melhor para o mundo que a Eneva opere seus ativos com o menor impacto possível e use os recursos gerados para investir em substituir combustíveis poluentes com gás natural. Não fazemos essa afirmação para defender nosso investimento em Eneva, e sim o contrário: acreditamos nele, e por isso investimos.

Assim como acreditamos que é melhor para o mundo ter a excelência de uma empresa como a Engie, modelo na gestão e práticas ambientais, na operação de Pampa Sul, uma das térmicas mais baratas do país, e utilizando os recursos para gerar e transmitir a energia limpa necessária para impulsionar o desenvolvimento sustentável do País.

No que tange aos subsídios ao carvão, sua crítica é perfeitamente válida – compartilhamos da sua frustração, como se pode ver em nossa carta. Os R$ 700 milhões em subsídios anuais sustentam a atividade de mineração de carvão de baixa qualidade no Sul do País às custas dos consumidores de energia de todo o Brasil.

A energia gerada emite quase 30% a mais do que o que seria emitido para gerar a mesma energia em térmicas a carvão da Eneva, e o carvão custa cerca de 4 vezes mais do que o equivalente em Pampa Sul, alternativas que não dependem de qualquer tipo de subsídio.

A Engie, multinacional francesa que era dona do Complexo Termelétrico Jorge Lacerda, chegou inclusive a tomar a correta decisão de descomissionar esse ativo. No entanto, a articulação da bancada do Sul culminou na aprovação da Lei 14.299/2022, que mantém a geração a carvão de Santa Catarina até 2040 por meio do Programa de Transição Energética Justa.

A defesa da atividade econômica de uma região que por razões históricas depende do carvão é legítima, ainda mais em um país com uma das matrizes elétricas mais limpas do mundo. No entanto,  na sopa de letrinhas do ESG, as comparações do E (ambiental) com o S (social) devem ser feitas com muita atenção para o G (governança). Qualquer tipo de subsídio cruzado deve ser amplamente discutido e comparado com alternativas.

Com relação ao futuro do nosso setor elétrico, não temos dúvida de que não cabe investir em novas usinas a carvão. Novas térmicas a gás são, sem dúvida, mais adequadas para expansão da nossa base termelétrica.

Nossa discussão, no entanto, foca no fato de que as térmicas a carvão existentes já estão amortizadas e portanto não precisam mais de tarifa para remunerar o capital investido. Novamente nos apoiamos em bases técnicas para encontrar o ponto de equilíbrio entre manter ou desligar o carvão, chegando a um valor de R$250-300/ton CO2e. Preços de carbono acima desses níveis justificam desligar as usinas a carvão e construir novas usinas a gás para substituí-las, enquanto preços abaixo desses níveis não justificariam esse movimento. Reforçando que analisamos sempre os custos para o sistema como um todo e nunca para empresas isoladas.

Além disso, com cada vez mais renováveis no sistema, poderíamos deixar a modulação da carga a cargo das hidrelétricas e utilizar as térmicas apenas como seguro hidrológico. Nesse cenário a geração termelétrica seria muito reduzida, o que se traduz em baixíssimo consumo de carvão.

Como você pode ver, somos viciados na aritmética como subsídio importante para o teste de reflexões. Por isso, sua afirmação de que “a conta aritmética é infiel aos princípios ESG” nos causa certa perplexidade. Em nossa atividade não cabem dogmas.

Concordamos com a posição que você explícita em sua carta sobre “ESG & Investimento Responsável na FAMA Investimentos” quando diz que “aqueles que adotam princípios de ESG exclusivamente pelo fato de ser moralmente correto incorrem em uma quebra de dever fiduciário para com os seus clientes” e reforça depois dizendo que “investir em um ativo apenas pelo fato de ser alinhado aos princípios de ESG e não por conta de sua perspectiva financeira de retorno e risco é uma clara quebra de lealdade com o investidor”.

A questão moral carrega subjetividades intrínsecas a cada indivíduo. A quantificação de premissas pode ser um instrumento de auxílio importante, um cheque permanente de realidade.

O mundo precisa enfrentar todos estes desafios. Os governos terão um papel fundamental em criar os incentivos corretos para esta transição, evitando custos de energia inviáveis no curto prazo. A solução provavelmente passa por criar uma curva de carbono fungível entre as várias geografias e bem inclinada, talvez com custo de carbono baixo num prazo de cinco anos, mas subindo rapidamente de maneira não linear. Evitando desestimular os investimentos fósseis no curto prazo, mas incentivando o investimento em renováveis no longo.

Projetos que seriam rapidamente iniciados hoje, tendo em vista o benefício a valor presente dos créditos de carbono. A sociedade evolui a partir da criatividade humana, inovando e questionando conceitos estabelecidos, discutindo e debatendo, não apontando dedos com conceitos unidimensionais e rígidos.

Em relação à acusação do olhar pouco empático e a busca de interesses privados em detrimento do coletivo, a abordagem parece excessivamente panfletária e subjetiva para qualquer posicionamento de nossa parte.

Você se tornou, por toda sua dedicação, um evangelizador do tema no Brasil. Tem milhares de seguidores e uma voz ativa nas mídias sociais – uma capacidade que estamos distante de alcançar. Isto, no entanto, lhe imputa a responsabilidade de fomentar um debate profícuo, aberto e generoso. Com menos respostas e mais dúvidas. Colocando a emoção em prol da energia que o tema merece, mas a razão como motor das discussões necessárias para soluções construtivas para a sociedade.

Por nossas características, vamos nos recolher para dentro de casa após esta tréplica, mas esperamos que você utilize sua posição e representatividade dentro da comunidade ESG para nos impulsionar a um mundo melhor. Contamos com você.