Uma dúvida que tem intrigado advogados que trabalham com transações do mercado imobiliário está prestes a receber alguma luz por parte do CADE.

Escritórios de advocacia que assessoram operações de compra e venda de imóveis dizem não haver clareza no critério adotado pelo CADE para exigir o envio da operação para análise. Muitas dessas transações não passam de meras transferências de terrenos que não geram concentração de mercado, como em um M&A clássico – e ainda assim, muitos escritórios preferem notificar o órgão por um excesso de zelo (e para evitar que o cliente tome uma multa).

Assim, os advogados têm preferido enviar ao CADE todas as transações que se encaixam na regra geral – a de que uma das partes tem que ter faturamento mínimo anual de R$ 750 milhões e a outra, de pelo menos R$ 75 milhões, independentemente da natureza da operação.

A cautela fez o mercado imobiliário aparecer entre os setores que mais tiveram transações enviadas ao CADE nos dois últimos relatórios anuais divulgados, de 2022 e 2023. “E em 2024 foi ainda mais gritante,” Márcio Soares, sócio da área de direito concorrencial do Mattos Filho, disse ao Metro Quadrado, o site imobiliário que o Brazil Journal lança em breve.

A expectativa é que o CADE emita um direcionamento após a sessão de hoje, a primeira do ano do tribunal.

“A tendência é que imóveis não operacionais, que não aumentam market share, não precisem ser notificados,” disse uma fonte a par do que está sendo discutido no CADE. “Mas não necessariamente o imóvel não operacional é o que não gera faturamento, porque numa incorporadora, por exemplo, o business envolve comprar imóveis que não geram faturamento.”

A manifestação será uma resposta a uma consulta feita pelos advogados do BMA que assessoram o Carrefour Brasil na venda de uma unidade do Bompreço Bahia para a Manz Empreendimentos.

No texto, os advogados Guilherme Morgulis e Bárbara Rosenberg afirmam que os precedentes não são sempre claros ou consistentes entre si, trazendo a necessidade de estabelecer novas regras e parâmetros objetivos, para determinar se uma operação imobiliária configura ou não um ato de concentração.

A falta de clareza é evidenciada, segundo eles, em casos recentes envolvendo o próprio grupo econômico do cliente. “Quatro operações muito similares envolvendo alienação de ativos imobiliários resultaram em decisões distintas,” escrevem.

Ainda que a esperada manifestação do CADE seja válida apenas para o caso que gerou a consulta, a expectativa dos escritórios é que o teor do texto vire uma referência para os próximos.

O aumento do número de operações enviadas ao conselho não se deve apenas ao nível de incerteza regulatória apontado pelos advogados do BMA, mas também ao próprio aquecimento do mercado.

Desde a pandemia, o ecommerce estimulou a compra de terrenos para a construção de galpões logísticos, e uma série de supermercados tem procurado gerar caixa seguindo o caminho do sales and leaseback. Além disso, as próprias incorporadoras aumentaram os projetos de lançamentos em meio ao ciclo de baixa de juros que se viu até o início do ano passado.

“O que aconteceu é que alguém lá atrás começou a mandar para o CADE e o mercado começou a fazer o mesmo, por desencargo, e aí a coisa virou uma bola de neve”, diz o advogado de um escritório.

Caso uma empresa seja multada por não ter enviado a notificação, o valor da penalidade pode variar entre R$ 60 mil e R$ 60 milhões. A taxa para enviar a operação ao CADE é de R$ 85 mil.

Entre os principais players de incorporação, a Riva, da Direcional, está entre as que tiveram dúvidas sobre os critérios do CADE. A empresa chegou a tentar provocar uma manifestação do tribunal sobre o tema, em um caso específico, mas não teve sucesso.

Ao Metro Quadrado, a Abrainc disse que vê com certa preocupação a atuação do CADE em casos que envolvem compra de terrenos das incorporadoras, porque a indústria tem um baixo grau de concentração. Só em São Paulo, as três maiores não passam de 25% do mercado, ressalta. “A decisão de submeter a compra de qualquer terreno a análise do CADE é um processo burocrático, que vai tornar o processo de incorporação mais moroso, podendo gerar redução de lançamentos, aumento de custos e congelamento de novas unidades.”

Márcio Soares, do Mattos Filho, afirma que a aquisição de ativos, para ser analisada pelo CADE, deveria ser equiparada a um movimento que impacta a estrutura do mercado, como uma “uma unidade de negócios, à qual você consiga atribuir faturamento, e não um ativo naked.”

Para uma fonte a par das conversas no CADE, porém, há uma visão de que a ausência de um problema concorrencial só será detectada depois que passar pelo conselho. “O CADE não consegue fazer esse crivo antes”, diz. “Mas há a intenção de tentar dar uma clarificada no que vai ter de interpretação para atos de concentração.”

Esta e outras matérias sobre o mercado imobiliário estarão no Metro Quadrado, o site imobiliário que o Brazil Journal lança em breve.

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