O governo Biden suspendeu temporariamente as sanções financeiras impostas ao governo autoritário de Nicolás Maduro, destravando os negócios entre os EUA e a Venezuela pela primeira vez em quatro anos.

As empresas americanas poderão voltar a investir na indústria petrolífera venezuelana bem como retomar as importações de óleo e gás. A Casa Branca também autorizou a retomada de negociações no mercado secundário dos títulos soberanos do país e dos papéis e de sua petroleira estatal, descongelando na prática bilhões de dólares de investidores. 

Em 2017, quando Maduro deu início aos calotes seletivos, a dívida externa venezuelana somava US$ 120 bilhões.

Os títulos da Petróleos de Venezuela (PDVSA), cujos preços chegaram a cair a apenas 5 cents de dólar no ano passado, subiram hoje para 17 cents. Os títulos soberanos com vencimento em 2027, que valiam em torno de 10 cents no início da semana, negociam agora a 21 cents, segundo a Bloomberg. 

A notícia da queda nas restrições, que vinha sendo aguardada desde o início da semana, também ajudou a aliviar os preços do petróleo.  

O Departamento do Tesouro dos EUA suspendeu as sanções por seis meses, mas elas poderão ser retomadas caso o governo Maduro não cumpra o cronograma do acordo que acaba de ser fechado com a oposição para que haja eleições livres no próximo ano, com a presença de observadores internacionais independentes. 

O fim das proibições se estendeu para o setor de mineração. O principal interesse internacional está nas jazidas de ouro. 

A decisão de Biden, em um momento de alta do petróleo nos mercados mundiais, foi recebida como uma mudança de 180 graus em relação à política de ‘maximum pressure’ imposta em 2019 por Donald Trump contra Maduro. 

“Pesou a realpolitik. O fim das sanções poderá elevar a produção venezuelana em 1 milhão de barris diários dentro de um espaço relativamente curto de tempo,” disse Cláudio Andrade, sócio da Polo Capital, que carrega títulos soberanos da Venezuela em seus fundos. As posições foram feitas quando os papéis já estavam em default. 

O racional da aposta nos títulos podres – feita por muitos gestores e bancos – foi esperar que, devido à profundidade da crise econômica, eventualmente haveria uma troca de poder no país. Na sequência, a normalização da economia exigiria uma reestruturação da dívida, o que favoreceria a renegociação dos papéis.

Isso acabou não ocorrendo. Maduro conseguiu se sustentar no comando, mas os impactos no setor de energia das guerras na Ucrânia e no Oriente Médio abriram uma janela para o ditador venezuelano negociar uma distensão com a Casa Branca.

Em março do ano passado, sob o choque da invasão da Ucrânia pela Rússia, surgiram as primeiras especulações de que Biden estaria disposto a aliviar as restrições.

As negociações culminaram com o anúncio do fim das sanções, anunciado na noite da quarta-feira, um dia depois do acordo político fechado pelas lideranças venezuelanas e que incluiu a libertação de alguns presos políticos. A abertura acabou sendo mais ampla do que a esperada pelos analistas.

O governo Maduro e a PDVSA começaram a deixar de pagar parte dos vencimentos em 2017, antes das sanções impostos por Trump. 

Para os investidores de distressed assets, comprar esses títulos era um negócio atraente. A Venezuela é dona das maiores reservas de petróleo do mundo, e portanto possui lastro para sustentar uma retomada desde que sua sucateada indústria petrolífera receba capital externo. 

“A Venezuela tem um petróleo pesado, é quase um betume, precisa ser processado. Mas é muito barato,” disse Cláudio, da Polo. “O lifting cost final fica ao redor de US$ 10 por barril.” 

A PDVSA já chegou a ter uma produção superior a 3 milhões de barris/dia, similar ao da Petrobras hoje, mas agora coloca no mercado menos de 800 mil barris/dia. Em 2017, antes dos calotes e das sanções, a média diária era de 2,4 milhões de barris. 

Segundo a Reuters, apenas uma plataforma está em operação, comparado a um total de 80 em 2014. O principal comprador do petróleo venezuelano tem sido a China. 

A Venezuela depende de uma ampliação dos investimentos estrangeiros para ampliar sua produção, mas a segurança dos investidores pressupõe que, em algum momento, a dívida seja reestruturada. Se isso não for feito, os ativos ficam sujeitos a execuções judiciais, como as vistas contra a Argentina.

Recentemente, algumas empresas estrangeiras conseguiram autorização para investir em alguns campos por meio de joint ventures com a PDVSA, em um primeiro gesto de alívio nas sanções. Entre elas está a americana Chevron, além da Total, da Eni e da Repsol.

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