Pelo andar do busão, vem aí mais uma meia entrada – e uma mega carona eleitoral.
“Convenci o Presidente Lula de que o Brasil precisa da tarifa zero,” disse o deputado Jilmar Tatto (PT-SP) numa entrevista recente ao site Congresso em Foco.
Tatto é o autor do projeto que cria a gratuidade dos transportes públicos em todo o País.
“Assim como existe um Sistema Único de Saúde, o Brasil precisa de um Sistema Único de Mobilidade,” disse Tatto, “com a responsabilidade compartilhada entre União, estados e municípios.”

Como vai funcionar, ninguém sabe ainda. Mas empresários do setor de transportes já dão como certo que algum tipo de subsídio federal será aprovado em breve – a dúvida é se dará tempo de colocar em prática já no próximo ano dadas as restrições legais à criação de despesas em anos eleitorais.
Mas assim que foi ‘convencido’ por Tatto, Lula pediu ao Ministro da Fazenda estudos para avaliar modelos que pudessem viabilizar a proposta.
Em uma entrevista à EBC, Fernando Haddad disse que está fazendo uma “radiografia” do setor para mapear alternativas.
“Sabemos que o transporte público no Brasil, sobretudo urbano, é uma questão importante para o trabalhador,” disse o ministro. “Estamos fazendo uma radiografia do setor a pedido do Presidente. Tem vários estudos que estão sendo recuperados pela Fazenda para verificar se existem outras formas mais adequadas de financiar o setor.”
Não será uma conta pequena.
O custo operacional do transporte público no Brasil é da ordem de R$ 90 bilhões ao ano – cerca de R$ 75 bi para ônibus e outros R$ 15 bi para trens e metrôs. Estes valores incluem as tarifas pagas e os subsídios dos governos estaduais e municipais.
A gratuidade fatalmente vai aumentar a demanda e, com isso, o custo pode mais que dobrar, chegando a R$ 200 bi/ano de acordo com algumas estimativas.

Maricá, no Rio de Janeiro, a primeira grande cidade a liberar as catracas, demonstra o salto na utilização do sistema. O total de passageiros transportados saiu de 1,25 milhão, em fevereiro de 2021, para 3,05 milhões em setembro de 2023.
Segundo a Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), hoje já existem 171 municípios onde as tarifas dos ônibus foram zeradas em pelo menos alguns dias da semana. Em 127 deles, a gratuidade abrange todos os dias. Em outros, vale apenas em parte da semana – como no caso de São Paulo, onde a catraca é livre aos domingos e feriados.
Em todos esses casos, os recursos saíram dos cofres das prefeituras.
A primeira questão para oferecer a universalização do benefício é, portanto, arranjar reais. Bilhões e bilhões de reais.
Tatto vem sugerindo medidas como o aumento das contribuições sobre os automóveis, o uso de parte da arrecadação da CIDE-Combustíveis e do IPVA, além da criação de fundos locais com a cobrança do estacionamento rotativo e pedágios urbanos.
Para os movimentos em defesa da tarifa zero, uma alternativa seria ampliar a parcela paga pelos empregadores, conforme a proposta de um estudo de 2023 patrocinado pelo escritório brasileiro da Fundação Rosa Luxemburgo, uma instituição alemã ligada ao partido Die Linke (A Esquerda).
O custo anual, segundo as projeções feita pelos pesquisadores, seria de R$ 98 bilhões. A entidade sugere que a implementação da catraca livre poderia ser feita com o aumento da contribuição das empresas que já pagam o vale-transporte. Na simulação, todos os estabelecimentos com dez ou mais funcionários teriam que passar a pagar R$ 213,58 ao mês por empregado.
Como não existe milagre, a conta seria repassada de alguma maneira – seja, por exemplo, pelo aumento de preços dos produtos e serviços ou pela diminuição dos salários ao longo do tempo.
Politicamente, a gratuidade já se transformou num cabo eleitoral poderoso. A taxa de reeleição de prefeitas e prefeitos que implementaram a tarifa zero foi de 89% nas eleições de 2024 – percentual um pouco acima dos 81% de reeleição nos demais municípios.
Estudos mostram que a gratuidade favorece os mais pobres ao destravar a demanda reprimida por maior locomoção. Traz também benefícios como o incentivo aos negócios, maiores vendas no comércio e o aumento no lazer.
Uma coisa, contudo, é transformar uma política tipicamente local – eleitoreira ou não – em algo nacional. Como seria estruturado o sistema? Como calcular os repasses?
Uma das possibilidades em discussão, de acordo com pessoas que acompanham o tema, é que o subsídio federal seja parcial e atrelado a investimentos na melhoria da frota e dos trilhos urbanos. Para o Governo, seria mais um ramo de sua frondosa árvore de benefícios sociais e incentivos à indústria nacional.
De acordo com o economista Marcos Mendes, pesquisador do Insper e especialista em finanças públicas, o Governo vem invertendo a lógica das boas políticas públicas: decide com base no potencial de conquista de votos, e não avaliando prioridades reais e a efetividade dos projetos.
“O que estamos vendo hoje, por parte do Governo, é o seguinte: ‘Onde é que consigo arrumar votos? O que é popular? É dar isenção do Imposto de Renda? Vamos nessa! É dar passagem de graça? Vamos nessa!,” Mendes disse ao Brazil Journal.
“Não há nenhuma avaliação bem-feita se essas políticas são de fato prioritárias. Será que isso tem sustentabilidade a longo prazo? Então, é aquela coisa típica do populismo,” disse o economista. “O custo fica para discutir depois.”
As empresas de transportes urbanos estão vendo como positiva a prioridade que o tema ganhou nas altas esferas do poder. A perspectiva é que alguma nova política de incentivos será aprovada – só não se sabe ainda qual será o modelo.
A preocupação dos empresários é com a sustentabilidade dessa novidade, caso ela seja simplesmente uma medida populista.
Francisco Christovam, o diretor-executivo da NTU, disse que houve um acréscimo de demanda em todas as cidades onde a gratuidade foi implantada, o que gerou necessidade de um acréscimo de oferta – e aumentou o custo da operação.
“Aí a pergunta que fica é se há recursos para pagar tudo isso. Não podemos deixar para ver depois. Precisamos estar com todas essas consequências avaliadas,” disse Christovam.
Em algumas cidades já houve piora na qualidade dos serviços prestados – o que é outro fator a ser ponderado.
“Há pessoas relatando que preferem pagar e ter serviço que funcione, com o cumprimento de horário,” afirmou. “A questão não pode ser tratada como um modismo.”











