Uma healthtech fundada este ano em Stanford quer atacar a raiz de dois problemas que afetam sistemas de saúde em todo o mundo: a exaustão dos médicos e as mortes que poderiam ser evitadas com um atendimento mais eficiente.
E o Brasil está no centro dessa operação.
A Telepatia AI criou uma espécie de “AI Doctor”: um copiloto clínico – como se fosse um residente digital – que acompanha o médico durante toda a consulta.
A ferramenta redige o prontuário do atendimento automaticamente, sugere condutas baseadas em protocolos institucionais e oferece informações atualizadas da literatura médica sobre os casos dos pacientes.
Para conseguir essas respostas, o treinamento do “AI Doctor” é feito em três etapas: primeiro, com literatura médica internacional revisada por pares, como os artigos do PubMed; depois, com as diretrizes clínicas nacionais de cada país; e, por fim, com os protocolos específicos de cada instituição de saúde onde o sistema é implantado.
A partir daí, a AI é ajustada continuamente, aprendendo com as práticas e dados dos próprios médicos.
“Ele não alucina porque não busca informações no Reddit, no Twitter ou em outras fontes desse tipo – o AI Doctor sempre procura os dados apenas nessas três fontes,” o fundador e CEO Nicolás Abad disse ao Brazil Journal.
Dessa forma, segundo o CEO, a ferramenta ajuda a liberar os médicos das funções administrativas e melhora os atendimentos, reduzindo as mortes evitáveis.
“Entendi que o mundo precisa de ‘empregados de saúde artificiais’ que aumentem a capacidade médica e liberem o médico para o que realmente importa: cuidar das pessoas,” disse Abad.
Após criar o agente, Abad saiu dos Estados Unidos e foi validar o modelo na Colômbia, país em que passou parte de sua infância e adolescência.
Por lá, o produto foi testado em 15 instituições e 2 mil médicos. O AI Doctor fez com que a aderência aos protocolos clínicos pelos médicos subisse de 84% para 99%, e cerca de 96% dos profissionais relataram redução da carga administrativa. O NPS, por sua vez, ficou em 9.
A tese atraiu o A-Star – um fundo do Vale do Silício que já investiu em empresas como Palantir e SpaceX – como líder de uma rodada seed de US$ 9 milhões.
Além do fundo americano, participaram o Canary, Abstract Ventures, Picus Capital e da SV Angel.
Boa parte dos recursos será destinada à expansão da Telepatia no Brasil. Segundo Abad, já há conversas com hospitais privados, redes verticalizadas e prefeituras. A meta é alcançar 2.000 médicos no Brasil até o fim do ano e 20.000 até 2026.
Mais do que ajudar os médicos, o potencial de melhorar a saúde no País é enorme: somente no Brasil, segundo Abad, 55% das mortes poderiam ser evitadas caso os atendimentos – especialmente os iniciais – fossem feitos de maneira mais acurada.
O modelo do negócio da Telepatia é B2B: a startup vende seus serviços diretamente para instituições de saúde, que oferecem o produto aos médicos. O CEO disse que a plataforma é interoperável com qualquer prontuário eletrônico utilizado e obedece às regras da LGPD.
A Telepatia surgiu após uma tragédia: a morte do pai de Abad, que era médico, aos 58 anos. Para Abad, uma morte evitável.
“Meu pai morreu exausto, sobrecarregado pela burocracia médica. Quando ele se foi, eu percebi que poderia fazer algo pelas pessoas que enfrentam o mesmo tipo de falha do sistema,” disse ele.
No fim de 2022, vendo o então recém-lançado GPT 3.5, Abad percebeu que a ferramenta poderia transformar a medicina. Conversou com o seu amigo e médico Tomás Giraldo para criar uma ferramenta “de médicos para médicos”. Os dois se conheceram quando estudavam na mesma escola, em Medellín.
“Ele me escreveu a melhor mensagem de condolências quando meu pai faleceu. Voltamos a nos aproximar quando contei a ele que estava obcecado por medicina e passamos a trocar artigos todos os dias e a desenvolver pequenos MVPs,” disse.
Uma das primeiras decisões dos dois fundadores foi o nome da empresa: Telepatia era o apelido do pai de Abad, conhecido por ter uma memória extraordinária.
Como forma de homenagear o pai, Abad tem uma meta ousada: vencer o prêmio Nobel da Medicina com a sua empresa.
Por isso, o caminho da Telepatia passa pela oncologia – uma área em que a escassez de especialistas é crítica.
Segundo Abad, um oncologista levaria 433 dias para ler toda a literatura científica atual.
“Nosso objetivo é criar 100 ‘internos de IA’ para cada oncologista e reduzir em 10% a mortalidade por câncer. Se fizermos isso, o Nobel deixa de ser um sonho e vira uma métrica mensurável,” disse.