Sofremos por nossa incapacidade de aprender as verdadeiras lições da história. Somos como o empresário que perdeu o negócio no lockdown de 2020 e insiste que o que o derrubou foi apenas a queda abrupta do faturamento. Nenhuma menção à falta de reserva de caixa que lhe teria dado fôlego para sobreviver meses sem receita. É mais confortável responsabilizar a Fortuna — a deusa romana do destino, da sorte e do acaso — do que reconhecer a própria falta de providência.
Quando pensamos em riscos, tendemos a recordar o último evento agudo — reflexo da heurística da disponibilidade — imaginando que o próximo será uma versão “irmã gêmea”, uma repetição com pequenas variações circunstanciais. Antes de 11 de setembro de 2001, por exemplo, o público e a maioria dos governos ocidentais associavam terrorismo a homens-bomba, sequestros e explosões em solo — não a aviões usados como mísseis contra prédios civis.
Hoje, com um ceticismo que reconheço como traço de personalidade, minha atenção se volta aos preços dos ativos nos Estados Unidos.
Não porque acredito que vivamos algo semelhante à bolha da internet ou à crise de 2008, mas porque os níveis atuais de preço aumentam a sensibilidade a decepções. E isso, por si só, merece reflexão.
Reconheço que expor esse ponto de vista exige certa coragem, pois considero a bolsa americana — representada pelo S&P 500 — um dos melhores ativos para se carregar no longo prazo. Isso, porém, não significa que devamos ignorar sinais de esgotamento quando eles se acumulam. Em determinados momentos, adotar uma postura mais defensiva é prudente e necessário.
O S&P 500 nunca esteve tão caro na relação entre valor de mercado e PIB dos EUA; seu múltiplo preço/lucro está elevado, com ou sem as grandes empresas de tecnologia; e o equity risk premium — a diferença entre o retorno esperado das ações e o da renda fixa — está entre os mais baixos das últimas décadas, o que sugere uma compensação reduzida pelo risco de manter ações. Finalmente, os spreads de crédito permanecem em níveis bastante comprimidos — sinal de que o mercado vive um clima de complacência, o famoso “TINA” (there is no alternative), em que qualquer ativo com algum rendimento parece suficiente para justificar alocação.
Quando investidores se tornam otimistas — ou sentem não haver alternativa melhor para alocar capital — eles compram e continuam a comprar. Essa força compradora pode afastar o preço do valor intrínseco do ativo. Qualquer investimento traz embutida uma expectativa: o que se recebe em troca pelo preço pago. Quando os preços estão elevados, estamos simplesmente dizendo que aceitamos pagar mais por cada dólar de lucro esperado.
Lembremos que todo mercado em forte alta está embriagado de explicações plausíveis. Se elas não existissem, os preços simplesmente não estariam onde estão — afinal, adoramos criar relações de causa e efeito; um mundo randômico é intolerável ao ser humano.
E há, de fato, fundamentos que podem explicar parte desse movimento: crescimento robusto dos lucros, queda no custo de capital e entusiasmo com a inteligência artificial. São hipóteses razoáveis. Acredito, sem dúvida, que a AI transformará setores inteiros, beneficiando de forma expressiva algumas empresas. O que permanece incerto é o preço de equilíbrio — quais serão as vencedoras reais, qual o ganho de margem sustentável e onde o mercado superestimou a revolução tecnológica.
Ainda assim, os altos valuations não deveriam, isoladamente, estimular a saída dos mercados. A história mostra o contrário. Em 1996, por exemplo, o S&P 500 já negociava acima de 20 vezes lucro, e ainda assim mais que dobrou até 2000.
O mesmo ocorreu em 2017 e novamente em 2020, quando os múltiplos voltaram a níveis historicamente elevados e, mesmo assim, o mercado subiu cerca de 45–50% até o fim de 2021. Em todas essas ocasiões, quem reduziu sua exposição cedo demais perdeu o efeito composto dos ganhos. Valuation elevado pode reduzir retornos esperados, mas não impede resultados positivos enquanto o ciclo de otimismo se sustenta.
Por que, então, preocupar-se com os preços atuais?
Primeiro, porque qualquer evento surpresa — econômico, geopolítico ou tecnológico — encontra um mercado mais vulnerável quando as expectativas mais otimistas estão embutidas nos preços. Segundo, porque retornos futuros tendem a ser menores quando os investidores se dispõem a pagar cada vez mais por cada unidade de retorno.
Minhas sugestões práticas são simples: não amplie posições de forma agressiva na bolsa americana neste nível de preço, e opte por uma postura mais defensiva, por exemplo substituindo ativos alavancados ou de alto beta por ativos mais estáveis, fluxos de caixa mais previsíveis e menos sensíveis a ciclos.
Em se tratando da bolsa americana, mantenho três regras de bolso:
- “Stay invested” — mantenha-se investido; o tempo de exposição ao mercado importa;
- Não acredite em sua capacidade de fazer market timing — não tente prever o melhor momento de entrada ou saída.
- Ajuste sua agressividade conforme o preço e o retorno esperado.
Esse artigo é sobre o terceiro ponto. A relação entre preço e valor, como é de se esperar, exerce influência decisiva sobre o desempenho dos investimentos. Valuations altos antecipam retornos futuros mais baixos, e o inverso também é verdadeiro. Essa lei silenciosa só se revela com o tempo. Por enquanto está tudo indo bem, até que…
Evandro Bertho é sócio fundador da Nau Capital.






